Black and Blue

Black and Blue

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“Mas por que então se sente tão insatisfeito, tão incomodado com o que escreveu? Diz para si mesmo: o que aconteceu não é na verdade o que aconteceu. Pela primeira vez em sua larga experiência de redigir relatórios, Blue descobre que as palavras não funcionam necessariamente, é possível que elas obscureçam as coisas que estão tentando dizer. Blue olha em torno do quarto e fixa a atenção em vários objetos, um após o outro. Vê o abajur e diz para si mesmo: abajur. Vê a cama e diz para si mesmo: cama. Vê o caderno e diz para si mesmo: caderno. Não vai dar certo chamar o abajur de cama, pensa ele, ou a cama de abajur. Não, essas palavras vestem com perfeição as coisas que denominam e, no instante em que Blue as pronuncia, experimenta uma satisfação profunda, como se tivesse acabado de provar a existência do mundo. Em seguida, olha para o outro lado da rua e vê a janela de Black. Está escura, agora, e Black está dormindo. Este é o problema, diz Blue para si mesmo, tentando encontrar um pouco de coragem. Isto e nada mais. Ele está lá, mas é impossível vê-lo. E mesmo quando o vejo, é como se as luzes estivessem apagadas.”

Paul Auster, em Fantasmas (em A trilogia de Nova York). Ao som de Our Hell, de Emily Haines & The Soft Skeleton.