Best of Gloucester County

Best of Gloucester County | Danielson

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Se você tateia a web à procura de uma ou duas informações sobre Gloucester County — o cantinho aprazível de Nova Jersey onde vive Daniel Smith — provavelmente cairá no site oficial do condado. A página o receberá com o seguinte slogan: “Perto de qualquer coisa. Longe de tudo.”

No lado direito da tela, um link leva o leitor a uma eleição on-line. No 15th Annual Best of Gloucester County, os moradores podem votar nos melhores serviços locais. O dentista mais eficiente, o banco que não deixa ninguém na mão, o médico de confiança, a melhor agência de turismo, o lava-jato número um. Imagino que, na cerimônia de premiação, sirvam ponche com gelatina para a comunidade.

Parece um bom lugar para ancorar a família e envelhecer.

Esse ambiente um tanto quanto plácido – mezzo urbano, mezzo rural, mezzo lugar-nenhum – é o cenário do novo disco do Danielson, a banda de Smith. É um endereço apropriado. Desde 1994, quando lançou o primeiro álbum, o compositor adota um esquema comunitário de gravação – entra em estúdio acompanhado da família e dos amigos (no disco Fetch the compass kids, de 2001, ele assina ‘Danielson Famile’). Desta vez, assume de vez o status de líder da vizinhança.

Smith escreve canções com nervos à mostra, íntimas e por vezes complexadas, que o colocam no mesmo clube de compositores como Jason Lytle (Grandaddy), Mark Linkous (Sparklehorse) e Sufjan Stevens. Mas o coração do sujeito é espaçoso, gregário: sempre cabe mais um; a impressão é de que ele nunca está só.

Já a partir do título, o espírito de Best of Gloucester County é de reunião de músicos do bairro no galpão à esquerda do coreto. Sábado à tarde. Com cerveja e petiscos.

Aparentemente, o arranjo lembra discos anteriores de Smith. Mas um detalhe muda tudo. O cantor se afastou da família para se aproximar dos amigos – e, nesse processo de reconhecimento do mundo lá fora, criou uma banda nova, com os “locais” Patrick Berkery (bateria), Evan Mazunik (piano), Joshua Stamper (baixo), Andrew Wilson (guitarras) e, last but not least, Sufjan Stevens (banjo).

O desejo de simular uma “banda de meninos” acaba tensionando as melodias de Smith, que reaparecem mais compactas, sem muito dos penduricalhos e dos colorido “space rock” de Ships (2006). Aquele era um discaço de pop psicodélico cristão. Best of Gloucester County é um caso mais informal, menos ambicioso: longe das obrigações domésticas, Smith se espreguiça.

Essa atmosfera de leveza, no entanto, não nos poupa de agonia que sempre transparece nos discos do homem. Ships era, em grande parte, um álbum angustiado sobre fé. Aqui, Smith pisa o chão com faixas sobre questões mais mundanas: a o desânimo diante de um cotidiano repetitivo (a excelente Compliemtary Dismemberment Insurance), as lembranças da infância espelhadas no medo de enfrentar responsabilidades de adulto (Grow up), uma certa euforia infantil (Lil Norge, com participação de Jens Lekman) e a espiritualidade que remedia os momentos de crise (Hosanna in the Forest). Um homem comum.

É o disco mais simples – e também o mais franco, o mais pessoal – que Smith gravou. Quando as confissões do cantor encontram uma banda também emocionada, pronta para derrubar as paredes da garagem com marteladas de hard rock e psicodelia folky – nas três primeiras faixas, principalmente -, ele faz por merecer o trono de Gloucester County. Os violões de This Day is a loaf, por exemplo, nos levam ao Beck de Mutations – e é uma dessas comparações monumentais, sim.

Só que não é um disco perfeito: o formato franciscano, em clima de brodagem, acaba por revela mais as fragilidades do compositor (as ideias se esgotam rapidamente, antes da metade do repertório) do que a aura de mistério e de estranha pureza que nos fazia voltar a discos como Ships e Brother is to son (2004).

É que o olhar para as ruas e os vizinhos – para o cotidiano — poderia ter renovado as canções de Smith. Poderia. De certa forma, é um disco que surpreende os devotos – é modesto demais. Best of Gloucester County, no entanto, nos deixa com saudades do tempo em que este líder comunitário desprezava as reuniões de condomínio e passava noites e noites olhando para o céu.

E aí, aí sim: não havia limites.

Oitavo disco de Danielson. 11 faixas, com produção de Daniel Smith. Lançamento Sounds Familyre. 6.5/10