Beck

express | 43

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Mirror traffic | Stephen Malkmus & The Jicks | 72 | Pode não ser o melhor disco da fase solo de Stephen Malkmus, mas talvez seja o mais sinuoso (mesmo que, à primeira audição, pareça simples): por um lado, a produção de Beck tenta retomar o formato/espírito do Pavement de Wowee Zowee, com uma coleção longa de musiquinhas relaxadas (mas, aluno de Nigel Godrich, ele dá ao disco um polimento soft-rock à la Terror twilight); por outro lado, Malkmus escreve o autorretrato de um roqueiro de 45 anos – canções sem falsas ilusões, irônicas porém desencantadas (como se não acreditasse mais no efeito cômico provocado por um comentário blasé e muito esperto). Um álbum criado sob tensão criativa, portanto – e uma tensão muito saudável, que vai abrindo conotações inesperadas nas canções. O estica-e-comprime não produz um disco-síntese do Pavement (que talvez Beck quisesse), muito menos um disco totalmente pós-Pavement (que Stephen Malkmus tenta provocar), mas um jogo de reflexos entre o passado e o presente do músico. E isso com algumas das canções mais perfeitas que ele escreveu, como Asking price e Share the red (mas eu viveria bem sem Senator; a charge política não é, e não mesmo, o metiê do sujeito).

Past life martyred saints | EMA | 67 | Quando estou de muito bom humor, isto soa como uma versão em miniatura para um dos discos enfezados da PJ Harvey. Quando penso mais uma vez, começo a desconfiar que Erika M. Anderson tomou os discos de Courtney Love como cartilha e, olhos mareados e pulsos rasgando, foi à batalha (e algumas das confissões da moça me deixam mais constrangido que comovido). De uma forma ou de outra, as comparações com Kim Gordon me parecem um exagero: Erika está só no início, engatinhando, ainda modelando a forma de uma sonoridade que, nos próximos discos, pode até começar a soar arenosa e assustadora como ela pretende. Lembra um pouco o disco da Lykke Li, só que sem o senso de humor: uma mulher perdida no deserto, sem destino definido, mas pronta para desabafar horrores com o primeiro andarilho que passar pelo caminho. “Tenho só 21 anos. Não me importo com a morte”, ela avisa, em California. Te entendo, guria, mas grande pop não é só isso.

La liberación | CSS | 58 | Admito que não era o disco do CSS que eu estava esperando: depois de uma temporada que deve ter sido infernal – de crise, chiliques em revistas bacanas, apocalipse e ressurreição – a banda me sai com uma continuação direta (e “profissional”) para Donkey, o disco anterior. Ora. La liberación inverte a ordem dos sabores (desta vez, o electro docinho&facinho&safadinho vem antes da guitarrada abafada), mas o provoca efeito de reprise: as intenções arruaceiras e engraçadinhas do grupo (tipo: música em portunhol, música sobre mina que sai pra night com os “gay friends”, indiepop de Ibiza com participação de Bobby Gillespie) são amortecidas por uma produção que tudo controla e arredonda. A sensação é de ver um roteiro absolutamente ZONEADO dirigido por, digamos, Breno Silveira ou Cláudio Torres. No idioma deles, pois: it hits me like a pillow.

In the grace of your love | The Rapture | 49 | O tédio que bate quando penso em escrever sobre o disco só é comparável ao que sinto quando leio as entrevistas em que o Rapture discursa sobre “encontrar uma atitude mais positiva”. Zzz. Então deixe-me tirar o brutamonte bobo-alegre da sala, rapidamente: procurar atitude positiva (ou negativa, ou sei lá o que) nada tem a ver com gravar um disco que tenta nos acertar no esquema tentativa-e-erro; uma jukebox ora agradável, ora insuportável, desconjuntada e sem rumo (ou, para quem curte a coisa, “sortida”, “desencanada”), que parece compilar tudo o que era cool há dois anos – de LCD Soundsystem a Stereo love. Falta de timing (e de otras cositas más) é isso aí.

I’m with you | Red Hot Chili Peppers | 49 | Ao contrário de By the way (que era mais primaveril, melodioso) e até de Stadium arcadium (que pelo menos pensava grande), o décimo disco dos Chili Peppers soa amedrontado, feito adolescente em dia de vestibular. É o retrato de uma banda que perdeu o eixo (ou: que perdeu John Frusciante) e que, depois de um período de autoestima elevada, agora não parece entender que papel deve cumprir neste mundão confuso aqui. E esse sentimento de incerteza, que poderia gerar um disco interessante, acaba fragilizando todas as faixas do disco, que, quando muito, se esforçam para encher a barriga dos fãs (e, lá pela metade, a impressão é de que a banda saiu de cena e deixou o trabalho para um androide). O uso de percussão afro é tão sutil que merecia ter ficado na gaveta. Mas ok: é de tentativas assim (bem intencionadas porém inócuas) que vivem as bandas de rock mais profissionais, mais eficientes, não mais relevantes.

Mixtape! | Música de estimação

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Numa época distante, quando o marcador de visitas deste blog mostrou o número 100 mil, este blogueiro carente ficou todo vaidoso e postou um textinho emocionado sobre o fato.

Cerca de um ano depois, o blog bateu a marca dos 200 mil “hits”. Este blogueiro, então, postou um parágrafo sobre o caso. Mas ali o tom era irônico: o que representava aquele número? Seria uma boa notícia (muitos visitantes na área!) ou uma má notícia (no mesmo período de tempo, um site mais concorrido talvez atraísse mais gente)?

Ainda não sei.

De qualquer forma, virou tique: o alarme deste blog dispara sempre que o contador mostra um número redondo e grandalhão.

Pois bem: chegamos aos 300 mil. Para comemorar, preparei uma mixtape especial.

Falando francamente: o acontecimento é apenas uma desculpa para a existência desta coletânea de músicas; que, diferentemente das mixtapes mensais, não têm nenhuma obrigação de apresentar faixas recentes.

A plano era usar uma certa amostragem (os CDs que tenho no meu apartamento; não são muitos) e, com ela, criar uma seleção de canções de estimação. É apenas uma parte muito pequena delas, adianto (já que muitos dos meus CDs não estão no meu apartamento; e, além disso, algumas das minhas músicas preferidas eu guardo apenas em MP3).

Dito isso, o disquinho acaba espelhando a minha reação à tristeza de amigos que terminaram namoro recentemente. É uma espécie de break-up record, portanto. Mas com melodias muito dóceis. Um disco levinho sobre temas pesadíssimos. Talvez seja um CD sobre o medo da separação, do ponto de vista de um sujeito que está vivendo uma relação muito tranquila e feliz.

A lista de músicas está na caixa de comentários, mas recomendo fortemente que você faça o download, e sem muita desconfiança – ao contrário das mixtapes mensais, que têm limites muito estreitos, esta aqui é a mais sentimental e pessoal de todas. Acho que vocês vão gostar.

No mais, ela foi feita especialmente para quem visita este blog com mais frequência. Sem vocês, não teríamos chegado aos 300 mil hits — para o bem ou, ainda não sei, para o mal.

(e vai ser interessante se vocês comentarem o CD, mas não vou cobrar muito desta vez).

Faça o download da mixtape-bônus

Os discos da minha vida (39)

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Hoje, na incrível novela dos 100 discos que levaram a minha vida ao delírio: sexo, violência, solidão, horror, êxtase, agonia, manhãs de domingo e o penteado do demônio. Entre outras atrações imperdíveis.

Ainda falta um tantinho para que este ranking chegue ao fim (para efeito de comparação: se estivessemos numa viagem de carro entre Rio de Janeiro e Brasília, este post seria Paracatu). Mas toda hora é hora de lembrar a vocês que esta é uma lista absolutamente pessoal. Ela obedece a critérios obscuros (e obtusos) e é de inteira responsabilidade de Tiago Superoito, o senhor soberano deste latifúndio. Todas as reclamações devem ser feitas diretamente a ele, portanto. E na caixa de comentários logo ali embaixo.

O cardápio do dia é o seguinte: um disco que já se tornou clássico (mas é daqueles clássicos que ainda mordem, atenção com ele!) e outro que vai acabar se tornando uma referência, um cânone, um álbum grandalhão daqueles que você guarda para mostrar aos bisnetos  – isso, é claro, se deus for justo com os homens de bem.

À colheita, irmãos!

024 | The Velvet Underground & Nico | The Velvet Underground | 1967 | download

O primeiro disco do Velvet Underground me acertou primeiro no peito e depois no cérebro. Hoje tenho certeza de que existe algo errado nessa ordem (é um disquinho de nariz empinado, certo?), mas foi o que aconteceu. Eu tinha 14 para 15 anos quando Sunday morning caiu no meu aparelho de som e ficou ali, deitada de monoquini, torrando na brisa. É uma canção tão adorável que, por muito tempo, evitei ouvir o restante do disco. Só depois, alguns meses depois (nota do revisor: na época Tiago tratava os discos com um pouco mais de discplicência, sem respeitar a ordem das faixas ou as intenções do autor; talvez ele deva recuperar o hábito, em minha opinião), percebi que as outras faixas tratavam de temas um pouco mais angulosos. E havia definitivamente algo macabro em Venus in furs, mas eu não sabia definir o conteúdo perturbador da canção. O disco acabou me seguindo por muito tempo, e me segue até hoje. É o meu favorito do Velvet, talvez por combinar com harmonia o delicado e o terrível, amor e morte. É daqueles álbuns que podemos começar a ouvir aos 10 anos de idade e continuar até o dia em que nossos dentes começarem a cair. Aposto que só vou entender The black angel’s death song quando eu fizer oitentinha. Top 3: Sunday morning, Venus in furs, I’ll be your mirror

023 | Odelay | Beck | 1996 | download

Um disco de adolescência. Ah, meus 14 anos! Nada de muito interessante acontecia. Talvez por isso eu tenha me apegado a álbuns superhiperativos, rios de ideias escorrendo pelas bordas. Odelay era a mais querida dessas jukeboxes: Beck Hansen era meu ídolo porque parecia possível ser alguém como ele. Não era um rockstar nos moldes tradicionais (e, aparentemente, ele também desenvolvia paixões platônicas as mais loucas) e sempre me soou mais como um nerd no controle de um painel preenchido por botões coloridos. De qualquer forma, ele sabia operar a maquininha como um jedi: quase tudo o que sei sobre colagem pós-pós-moderna de sons e ideias está contido aqui, em Odelay (depois, é claro, conheci Prince e as coisas começaram a ficar mais complicadas). Where it’s at é a obra-prima do sujeito, sem concorrentes à altura (sorry, haters). Ainda não fizeram nada nem remotamente parecido a The new pollution. Mas não vamos esquecer que é um disco também emocionante, e de um jeito mundano: ouça Jack-ass, uma das canções que aqueceram e adoçaram a minha ó-tão-friorenta juventude. Bateu até um tiquinho de saudade, viu. Top 3: Where it’s at, The new pollution, Jack-ass.

Depois do pulo, confira os discos que já apareceram neste ranking

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Mixtape! | O melhor de novembro

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A mixtape de novembro foi criada na base do improviso, do fluxo de consciência. Sabe como? Não defini conceito nem bolei ideias malucas nem saí em busca de uma atmosfera específica para envolver as canções escolhidas para este humilde cdzinho. Ele é o que ele é.  Ele é assim e pronto.

Não sei se ele espelha meu temperamento – talvez sim, mas com a mesma intensidade dos anteriores?

Ouvi duas vezes (enquanto lavava as minhas cuecas) e notei algumas características que me surpreenderam. 1) é um cd quase sempre em tom menor, ainda que a primeira parte possa provocar a sensação de que eu estava procurando um foco para a mixtape como quem surfa em estações de rádio até achar um pouso (no caso, o pouso é dolorido, como indica a segunda metade). e 2) existe unidade nessa coletânea, mesmo que você não a perceba de imediato.

É, como de praxe, a melhor mixtape amadora de todos os tempos. Mas, por ter sido gravada de um jeito impulsivo, ela revela algo sobre a minha pessoa que nem eu sei explicar. Tenho quase certeza de que, na faixa de abertura, sou eu falando.

A intenção, no entanto, não era que soasse complexo demais, nem sombrio demais, nem ambicioso demais. É um cd para ser ouvido nos fins de tarde, no último dia de férias, depois de despedidas que apertam o coração ou quando se sente saudade de amigos que estão muito longe. Tem isso: é um disquinho que machuca nos momentos mais dóceis. Cuidado, portanto.

Aos amigos, então: dedico ao Michel e à Alê. Espero que, lá de longe, eles ouçam e gostem (pelo menos um pouco).

Quem está na foto lá de cima é o habitué Kanye West, que gravou o meu disco favorito do mês: My beautiful dark twisted fantasy. Ele aparece na mixtape junto com o comparsa Kid Cudi e uma gangue da responsa: Girls, Jim Noir, Daft Punk, Atlas Sound, Warpaint, Beachwood Sparks (interpretando Sade), Neil Young e Beck com Nigel Godrich (numa faixa do filme Scott Pilgrim contra o mundo).

Estou aqui ouvindo o disco pela terceira vez e pensando: deus, ficou MUITO BOM!

Faça o download aqui (link atualizado).

E, depois de ouvir a mixtape, mande um alô e faça um comentário simpático. Estamos no mesmo barco, não estamos?

False priest | Of Montreal

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Kevin Barnes, nosso herói. Nosso Scott Pilgrim (15 anos depois). Nosso Ziggy Stardust (transfigurado por efeitos grotescos de Photoshop). O homem, o mito, o supergeek.

No episódio de hoje, preparem-se: Kevin namora uma colegial, enfrenta o mundo e grava um disco pop. Mais ou menos nessa ordem.

Antes, um rápido flashback: no gibi anterior, Skeletal lamping (de 2008), o intrépido protagonista se transformou em George Fruit, um “homem negro que passou por várias mudanças de sexo”. Agora, pelo menos aparentemente, o band leader do Of Montreal está de volta ao normal.

Skeletal lamping era uma graphic novel proibida para menores de 21 anos, com cenas de sexo, perversidades à rodo, sarcasmo refinado, black music safada, desejos carnais. E um narrador com déficit de atenção. Cada uma das páginas se desdobrava em duas, três ou trezentas. Uma sandice.

(Também era, falando a sério, um disquinho corajoso, que radicalizava o temperamento frenético e bipolar do Of Montreal. As canções se confundiam umas com as outras, se perdiam e não se encontravam, iam da euforia à depressão em questão de segundos).

Mas essa fase passou. False priest é um mangá adolescente, proibido para menores de 14 anos, tão perigoso quanto aquele pônei que sua irmã pequena sonhava em ganhar de presente. Mas falsamente ingênuo. Falsamente infantil. Um gibi pop escrito por um sujeito de 36 anos.

De certa forma, Kevin nos preparou para essa mutação. Apareceu, quase domesticado, no disco da Janelle Monáe (que retribui em duas músicas novas). Lançou um EP com faixas remixadas por Jon Brion, um fã de power pop (que produziu Fiona Apple e Kanye West). E, agora, solta um disco que ele descreve como “ear-candy”. Um doce.

Primeira grande mudança: ao contrário de Skeletal lamping (e até do agoniado Hissing fauna, are you the destroyer?, o melhor disco que ele gravou), Kevin passa a namorar um formato de composição que se aproxima do convencional. As faixas estão quase sob controle: têm verso e refrão, raramente grudam umas nas outras, têm DNA de rhythm & blues e deliram de olhos abertos.

Exemplo: Coquet Coquette começa como um hit do Black Keys, com guitarras de blues-rock e um refrão grudento, e depois, lá no fim, vai se perdendo numa névoa de space-rock, até finalmente congelar no espaço. Dura 3:44.

Outro exemplo: Famine affair começa como guitarras mecânicas à Phoenix (via Strokes), embala no hard rock, tem um interlúdio amalucado (com coros, manhas psicodélicas), e depois volta ao começo, repetindo o refrão. Dura 3:49 (e é a minha preferida do disco).

Essa estrutura se repete em quase todas as faixas, como se Kevin compactasse o estilo do Of Montreal dentro de um pote de geleia de morango. Quem acompanha a banda já conhece quase tudo o que está neste disco, mas nunca de uma forma tão polida, tão imediata, tão calorosa (mais intrumentos, menos sintetizadores!), tão oferecida, tão Jackson Five meets David Bowie. Jon Brion, é possível especular, domou os chiliques de George Fruit.

Seria gratuito, mas o novo visual veste muito bem o Kevin teenager que passeia por essas canções. Ele define o disco como uma obra-prima (não é tudo isso!) talvez por entender que está escrevendo crônicas da juvenília que soam tão ardidas, tão irônicas quanto as de um Damon Albarn, de um Jarvis Cocker. Our riotous defects é talvez a melhor que ele compôs, sobre uma “garota maluca” que testa os nervos do narrador. “Eu até ajudei o seu blogzinho estúpido”, reclama Kevin, mais Scott Pilgrim do que o próprio.

E maravilhas desta estirpe: “Coquete, com você eu só consigo ver constelações de luz negra. E outras merdas que não tenho o vocabulário para descrever.” (em Coquet Coquette).

Isso quando o rapazinho não inventa uma passagem secreta entre a discoteca e o hinduísmo. “Levei séculos para me especializar em você. Na próxima vida, vou precisar aprender mais rapidamente” (em Sex karma, com participação de Solange, irmã da Beyoncé). Ou quando não nos surpreende e, num rompante, se rasga todo. “Se eu tratasse outra pessoa da forma como eu me trato, eu estaria na prisão” (Girl named hello). As crises depressivas vêm no pacote, vide a lindíssima Casualty of you e o desfecho esquizo You do mutilate?.

Para seguidores calejados, False priest pode parecer um passo em falso rumo às paradas de sucesso. Uma distração. Ok, ok, Kevin merece chegar lá e está fazendo o possível. Mas, antes que o crucifiquem, o disco também deve ser lido como um sobrinho de Midnite vultures, do Beck: uma traquinagem pós-moderna, dançante e tola as hell, que se diverte (e, ao mesmo tempo, faz graça) com pedacinhos de hits ultracomerciais dos anos 70 e 80. Uma bobagem seríssima.

Prince acusaria de plágio. Já o Girl Talk daria um sorriso. E Kanye West pediria autógrafo. Temos ou não temos o disco pop mais sem-vergonha do ano?

Nosso herói.

Décimo disco do Of Montreal. 13 faixas, com produção de Kevin Barnes e Jon Brion. Lançamento Polyvinyl Records. 8/10

Superoito express (27)

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American slang | The Gaslight Anthem | 8

O maior pecado que se pode cometer com o Gaslight Anthem é tratá-la como mais uma banda americana que se aventura a cingir as estradas do abertas por Bruce Springsteen. De fato, não são os únicos: como o Hold Steady e o Titus Andronicus, este quarteto de Nova Jersey revisa o ‘rock clássico’ setentista (não só Bruce, mas Stones, Clapton, Greatful Dead) com uma sensibilidade punk e uma escrita realista – crônicas de uma América sem glórias, cotidiana. Mas as comparações logo perdem a importância: quando vai ao microfone, Brian Fallon se torna o porta-voz de todos os  roqueiros que abandonaram a juventude, mas não perderam a inquietação. É o homem.

Enquanto o Hold Steady e o Titus ainda conseguem tomar algum distanciamento para narrar a saga dos meninos e meninas da América, Fallon parece contar a própria história (e talvez seja tudo ficção, mas o que importa é o grau de convicção, altíssimo). Mas, em vez de se retrair no canto do quarto, ele combina versos cheios de mágoas e nostalgia com uma sonoridade extrovertida, de cabeça erguida. “Aqueles velhos discos não vão salvar a sua alma”, Fallon avisa, em Stay lucky. Mas American slang, mais conciso e aparadinho do que The 59 sound (2008), soa como um álbum perdido do início dos anos 70: hinos robustos para o sonho que acabou.         

 

Gemini | Wild Nothing | 7.5

Sem querer forçar a barra (mas já forçando), existe pelo menos uma semelhança entre o Gaslight Anthem e o Wild Nothing: ambos soam autênticos mesmo quando seguem todas as regrinhas de certos subgêneros do indie rock. No caso do projeto de Jack Tatum, a matriz é o shoegazing dos anos 80. Mas, se a neblina de Gemini nos transporta imediatamente a um disco do My Bloody Valentine ou do Cocteau Twins, Tatum vai remodelando e atualizando essa sonoridade com a leveza do pop sueco (Summer holidays é bonita de doer) e o noise doce de um Pains of Being Pure at Heart. Em resumo: a delicadeza às vezes exige uma arquitetura complicada.    

White magic | ceo | 7.5

E o sol continua a brilhar na Suécia… O projeto solo de Eric Berglund, do Tough Alliance, é cartão-postal para as belezas do pop escandinavo, a ser consumido com cautela por quem se engasga com melodias acolchoadas e arranjos com cheiro de morango. Canções infinitamente otimistas como Illuminata, No mercy e Love and do what you will são quase exercícios de estilo: coros, flautas, ecos, barulhinhos divertidos, sentimentos nobres e sintetizadores gentis. Uma lindeza. Melhor do que isso, só quando caem as chuvas de verão: Oh God, oh dear, uma ode tocante a Brian Wilson, e a eletrônica nebulosa da faixa-título são remédios contra insolação. “Venha comigo para um lugar que eu chamo de realidade”, convida Eric. Por enquanto não, obrigado.         

Night work | Scissor Sisters | 7

Nada como um produtor sagaz: no terceiro disco do Scissor Sisters, o parisiense Stuart Price transforma um conjunto de canções apenas medianas num álbum que flui como um DJ-set. Um milagre semelhante ao que ele operou em Confessions on a dance floor, da Madonna, e Day and age, do Killers. No caso de Night work, o espírito é o de uma festança para trintões, com doses de dance music safada, new wave e pop dos anos 1970 e 1980. Os nova-iorquinos ainda pilham os hits alheios com humor debochado, camp – mas, desta vez, ganham massa muscular graças aos esteróides roubados de discos antigos do Prince ou de um Midnite vultures, do Beck. De Bee Gees (Any which way) a Talking Heads (Running out), o DJ não falha. No calor da pista, sobra até para os mais românticos: Fire with fire é o tipo de baladona épica que venceria o Oscar de melhor canção em 1986. O suficiente para nunca mais confundirmos Scissor Sisters com Mika.

Mixtape! | O melhor de junho

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A mixtape de junho é mais ou menos (eu disse mais ou menos) um passeio na praia. A de maio, vocês lembram, era ruidosa e fantasmagórica. Desta vez, eu queria um pouco de leveza.

É claro: não encontrei o que eu estava procurando.

Mas encontrei mais ou menos isso, o que é raro. O mês de junho foi estranho. Ouvi muitos discos, mas poucos grandes discos. E álbuns de gêneros muito diferentes, daí a dificuldade de montar uma coletânea coesa. Quando percebi que seria impossível, relaxei. 

Me vi obrigado, então, a descartar as canções de um dos melhores discos desse período, Before today, do Ariel Pink’s Haunted Graffiti. E encontrei uma brecha (aos 45 do segundo tempo) para o meu favorito, Public strain, do Women (e são eles na foto ali em cima). Teenage Fanclub, The-Dream e Major Lazer foram alguns que ficaram de fora.

É a vida.

Gravei o CD e, só depois, descobri que ele contava uma historinha. Que vai assim: era uma vez sujeito muito agoniado que pegou os dois filhos pequenos pelo braço, acomodou os petizes no carro e saiu para um rolê na praia. Os três beberam água de coco, tomaram banho de praia, tostaram ao sol, olharam as gaivotas e, no fim da tarde, quando voltaram para casa, o sujeito percebeu que a vida continuava triste. The end.

Traduzindo: o disquinho começa com um desabafo mui tenso da nossa serelepe Robyn, depois cai dentro da fofura mórbida do The Drums, e aí o sol abre um pouco (mas nem tanto, vemos nuvens aqui e ali) com The Black Keys, The Roots, Blitzen Trapper, tudo num clima gostoso de rádio FM. Aí bate um pouco de melancolia (que ninguém é de ferro) na interpretação dodói do Record Club (St. Vincent + Beck + Liars + Mutantes) para Never tear us apart, do INXS. Que é uma coisa fofa.

Depois de um entardecer ao som de Arcade Fire, a noite vai chegando e escurecendo tudo: Menomena e Drake. Na volta para casa, Women. A despedida deprê é com o How to Destroy Angels. E the end.

Aposto que você vai ouvir pela primeira vez e pensar: “é a mixtape mais frouxa do ano”. Lá na terceira audição, você vai reconsiderar a opinião e concluir que esta é uma das melhores mixtapes que você ouviu. As primeiras impressões podem ser cruéis, vá por mim.

Um alerta: não a ouça enquanto faz exercícios físicos. Tentei e não funciona. Nesse caso, prefira a mixtape de maio.

E, se possível (é possível, vá!), comente algo sobre o que você ouviu. Nem que seja um “esta mixtape está bem mais ou menos“. A tracklist tá logo ali, na caixa de comentários.

Faça (hoje mesmo!) o download da mixtape de junho: aqui ou aqui.

Compass | Jamie Lidell

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De Jamie Lidell eu espero quase todo tipo de surpresas. Se o sujeito criasse um gênero e decidisse chamá-lo de neo-merengue ou de digisalsa, eu não me assustaria. Mas nada me preparou para um álbum caótico (na mais cruel das análises) e espontâneo (na mais generosa delas) como este Compass. É, numa descrição rápida, um fluxo de consciência em formato de música pop. Soa como uma novidade verdadeiramente inusitada – até para os parâmetros de um artista que sempre se portou como um menino irrequieto de três anos de idade.

Até hoje, Lidell era o nerd britânico, meticuloso, que controlava obsessivamente as próprias criações sonoras. Multiply, de 2005 (o primeiro álbum dele pelo selo Warp Records), ganhou logo o emblema “neo-soul”. Não era um disco conciso, mas todo ele se erguia sobre um conceito muito bem definido: o de contrabandear algumas heranças da black music (soul, funk) para o mundo pós-tudo das colagens eletrônicas. Uma operação quase matemática – para alguns, é um disco que soa frio, congelado em câmara de gás e bits.

Pode ser. Mas o admiro. Desde o início, os gostos de Lidell sempre me pareceram muito sinceros. Ele sabe que nunca será tratado como um autêntico soulman, mas não se contenta com o destino. Consigo imaginar os traumas sofridos por um adolescente de Cambridgeshire, branquelo, míope, que insistia em cantar como Otis Redding.

Mas, contra tudo e todos, no disco seguinte Jamie resolveu prestar uma homenagem até certo ponto sóbria, direta, afetuosa, aos ídolos setentistas: James Brown, Marvie Gaye, Otis e tantos outros. Fácil e polido como um antigo álbum da Motown, Jim (2008) assombrou o fã-clube. Era como se ele dissesse: vocês modernos que se virem com a tradição. Um disco agradabilíssimo, incompreendido, falsamente conservador (já que, de ponta a ponta, desafiava as regras da cartilha indie) e talhado para exibir a voz furiosamente negra de Jamie.

Só havia uma semelhança entre Jim e Multiply: eram discos apolíneos, arquitetados cuidadosamente, discos-experimentos, discos-conceito; mais para Prince e Beck, menos para James Brown e Ray Charles.

Em Compass, Jamie altera exatamente esse padrão: tenta criar um álbum menos planejado, mais “irracional”, mais “humano” (como se os outros não o fossem). As 14 canções foram escritas no período de um mês – e é exatamente assim que o disco soa.

A história do álbum começa quando Beck convidou Lidell para participar do projeto Record Club – uma reunião de amigos famosos cujo objetivo prático é regravar um grande álbum. Com Wilco e Feist, ele colaborou para a versão de Oar, de Alexander Spence. Entusiasmado com o clima da gravação, Jamie convidou a turma para gravar Compass. O disco, produzido por Chris Taylor (do Grizzly Bear), tem convidados como Beck, Feist, Gonzáles e Pat Sansone (do Wilco). Foi gravado em Los Angeles, Nova York e no Canadá.

Esse método mutante de criação está no DNA de Compass. Jamie tenta organizar a “grande bagunça que estava armazenada no laptop” (como ele próprio explica, no site oficial) e, sinceramente, nem sempre consegue. O que vale, no entanto, é o tamanho do empreendimento: desta vez, Jamie soa como o Prince dos anos 90, especificamente o de Chaos and disorder (aliás, ele bem que poderia ter roubado o nome daquele disquinho). Testar um ou outro conceito não é o suficiente: o rapaz quer tudo ao mesmo tempo, de preferência com um punhado de chantilly em cima.

Essa ânsia de multiplicar-se faz de Compass um disco exaustivo (de propósito, parece), confuso, enervante, looongo demais. Cada uma das faixas parece pertencer a a galáxia diferente. Completely exposed, a abertura, lembra um pouco a soul music quebradiça de Multiply, mas Your sweet boom, a seguinte, se aproxima das invencionices psicodélicas do Of Montreal. I wanna be your telephone é Prince dos mais alucinados, compactado nos ritmos mecânicos do Beck fase Modern guilt. The ring = blues-rock. E Gypsy blood é exatamente o que o nome indica: algo exótico.

Descrever cada uma das canções seria tão cansativo quanto ouvir o disco do início ao fim. Melhor pular para as combinações mais felizes: orientalismo chic + vocais emotivos + violões dedilhados por um aluno em fase de iniciação no instrumento + eletrônica hipnótica (a faixa-título, Compass), corinho sessentista + bateria endiabrada + funk rock à Red Hot Chili Peppers (You are waking), lamento doloridíssimo à Pearl Jam + arranjo letárgico (Big drift).

E (tirando algumas baladas até simplórias) a coisa fica ainda mais improvável.

O importante é que, a partir de agora, sabemos o seguinte: Jamie Lidell sabe fazer uma bagunça dos demônios. É corajoso. É um guerreiro. É um exemplo de vida. Faz o que dá na telha. E, em vez de criar um disco planejadinho para agradar aos críticos ranhetas que desprezaram Jim, dobrou o quarteirão e seguiu em frente. Bom para ele. Boa sorte! Agora, eu? Demorei um tempinho para perceber que essa bagunça não me satisfaz e, na maior parte do tempo, me deixa com saudades do músico obsessivo e perfeccionista (e às vezes frio, ok?) de Jim e Multiply. Talvez Compass seja o rascunho para uma nova fase – mais sangue, menos cérebro.

Talvez sim. E vou esperar essa primavera chegar. Por enquanto, o Jamie Lidell impulsivo de Compass me deixa mais frustrado do que desnorteado.

Quarto disco de Jamie Lidell. 14 faixas, com produção de Jamie Lidell e de Chris Taylor. Lançamento Warp Records. 6.5/10

Adeus, 2009 | Superoito’s mixtape, parte 1

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A história vai assim: todo dezembro, seleciono algumas de minhas canções favoritas do ano para duas edições especiais do programa de rádio Marco Zero, transmitido às terças-feiras (às 22h) pela Câmara FM (se você mora em Brasília, elas rolam nos dias 22 e 29).

A brincadeira é, pra mim, das boas: a quantidade de canções lançadas durante o ano é tão grande que seria possível criar cinco programas diferentes – sem repetir bandas. O desafio, por isso, é criar mixes envoltos numa certa atmosfera – com início, meio e fim. Ou seja: coletâneas para fãs de álbuns (e daquelas fitinhas que gravávamos para os amigos, com mensagens secretas e emoções afloradas).

Sempre pensei em comparilhar esses programas, em formato de podcasts, aqui no blog. Então taí: pela primeira vez, consegui colocar o plano em prática. Neste post, vocês podem fazer o download da primeira parte da mixtape com as minhas preferidas de 2009. Mato logo dois coelhos e começo a séries de posts Adeus, 2009, com minhas listas de melhores do ano (por essa vocês não esperavam, hum?).

Aviso que há alguns problemas técnicos no pacote, mas nada que não se resolva com alguma paciência. Fiz uma exaustiva bateria de testes e garanto: o melhor modo de ouvir a coletânea é pelo Windows Media Player (e repare que o som fica mais caloroso). No iTunes, uma canção misteriosamente desaparece e isso é um pecado (e logo uma das melhores, Kid klimax). Mas talvez vocês entendam desses detalhes tecnológicos melhor do que eu. Prometo resolvê-los na segunda parte da retrospectiva.  

A seleção via web não é a idêntica à que será transmitida na rádio (reconheço: a da web ficou um pouquinho mais bacana). Há algumas mudanças estratégicas e faixas bônus – e o climão todo (que tem algo a ver com a foto do Grizzly Bear lá em cima) diz muito sobre o meu ano. Mas garanto que, se você sintonizar na Rádio Câmara, ouvirá algumas surpresas.

Eis a tracklist:

1. Hooting & howling – Wild Beasts
2. Hearing damage – Thom Yorke
3. While you wait for the others – Grizzly Bear
4. Kid klimax – Atlas Sound
5. Lovesick teenagers – Bear in Heaven
6. Out of the blue – Julian Casablancas
7. Alligator – Tegan & Sara
8. Higher than the stars – The Pains of Being Pure at Heart
9. Plain material – Memory Tapes
10. Fables – Dodos
11. Heaven can wait – Charlotte Gainsbourg e Beck
12. January twenty something – Why?

Faça o download (via Rapidshare): Superoito’s mixtape 2009, parte 1

A segunda parte fica para a semana que vem – e, a depender da aceitação disto aqui, penso em fazer seleções mensais em 2010. O que vocês acham?

Heaven can wait | Charlotte Gainsbourg e Beck

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Antes que 2009 termine e a frase perca o sentido: taí um dos clipes mais bacanas do ano. O Beck fez vídeos interessantes desde Guero, mas os ares psicodélicos/surrealistas de discos como The information e Modern guilt foram finalmente convertidos em imagens. Sei que vocês já viram, mas não custa lembrar que a belezura é dirigida por Keith Schofield. Boa viagem.

50 discos para uma década (parte 3)

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Meio caminho andado, vamos à longa, tortuosa lista dos meus favoritos da década. Lembrando que é uma lista que não tem o objetivo (pelo menos não totalmente) de mapear o que de mais relevante e interessante foi lançado no período – no fim das contas, é apenas a relação dos discos que amo e guardo comigo.

grizzly

30. Yellow house – Grizzly Bear (2006)

Depois da estranheza inicial, já podemos tratar o Grizzly Bear como uma banda de indie rock não tão alienígena. O terceiro disco deles, Veckatimest (2009), afirma uma marca que hoje começa a soar talvez excessivamente familiar (melodias sideradas à Brian Wilson, coros texturas de acordes que sugerem paisagens exóticas e, acima de tudo, um desejo tocante pela canção mais sublime). Mas ainda é impossível esquecer o impacto de Yellow house, um transe folk que de vez em quando até produz  uma ou outra obra-prima pop. E tem Knife, uma das melhores canções da década. 

poses

29. Poses – Rufus Wainwright (2001)

Depois de uma estreia com queda pelo pop barroco, o segundo disco de Rufus Wainwright chegou cercado de expectativas. E ainda soa assim: como um testamento, um ato ambicioso de autoafirmação. Sem esconder-se em nichos, Wainwright adapta as próprias manias a um contexto pop. Com versos que beiram o rococó (um disco com imagens de príncipes e anjos malvados, enfim) e empostação às vezes quase operística, o cantor busca um lugar no mundo (e encontra) enquanto narra os pesadelos de celebridades amaldiçoadas pela própria beleza. No projeto seguinte, o duplo Want, essas e outras obsessões seriam amplificadas em formato widescreen. Mas o nascimento de um autor já havia sido registrado – aqui, em Poses.

superfurry

28. Rings around the world – Super Furry Animais (2001)

O álbum mais polêmico dos galeses (à época do lançamento, muitos trataram como uma jogada comercial que não deu tão certo), a estreia da banda numa grande gravadora é um blockbuster multicolorido que pareceria simplesmente ridículo se não soasse bem humorado, irônico e absolutamente criativo. Eles gravaram discos tão tresloucados quanto (Guerrilla, por exemplo), mas nenhum tão seguro das próprias sandices. Depois dele, a banda entraria numa fase de maturidade quase serena (e previsível). Mas o “álbum pop” do Super Furry Animals é o tipo de megalomania que compensa. The Who e Queen aprovariam (e eu lembro de ter passado três ou quatro meses ouvindo sem parar).

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27. Boys and girls in America – The Hold Steady (2006)

A crônica dos meninos e meninas da América encontrou um narrador: no rock americano, é Craig Finn quem mais entende as oscilações da juventude – os dramas, do tédio, do inferno e do paraíso. Ainda assim, poucos esperavam por um disco tão perfeito quanto Boys and girls in America. Depois de ter criado a trilha para as vidinhas triviais de uma turma de personagens mais-ou-menos desajustados (e também adoráveis, estúpidos, inseguros), o Hold Steady escreve os hinos de uma geração perdida. Os versos valem por si só (e Stuck between stations é emocionante do início ao fim), mas a banda envolve as narrativas com melodias que poderiam estar num dos grandes discos de Bruce Springsteen.

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26. Illinois – Sufjan Stevens (2005)

O grande disco de Sufjan Stevens é um estado inteiro: excessivo, caótico, contraditório e muito mais ambicioso do que teria o direito de ser. O impressionante é como o compositor consegue se colocar à altura de tanta ambição (e quem não abandonou o disco de primeira sabe que não há uma única faixa sobrando) e cria um álbum tão cuidadoso quanto emotivo e pessoal – um mapa sentimental para uma Illinois de monumentos imponentes, serial killers melancólicos e de lembranças que definem a aparência das paisagens. Provavelmente Sufjan não vai conseguir fazer nada igual. Mas tudo bem: já fez, e ainda soa inacreditável. 

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25. Franz Ferdinand – Franz Ferdinand (2004)

Entra na lista como um dos discos britânicos fundamentais da década (um sucesso comercial que influenciou meio mundo), mas não só por isso. Se todo o revival do pós-punk teve um quê patético, Alex Kapranos soube perfeitamente como tratar a febre indie com um sorrisinho ácido – e, no som do Franz Ferdinand, há tanto de Talking Heads e Gang of Four quanto de Damon Albarn e Jarvis Cocker. A estreia da banda pode não ter provocado a surpresa de Strokes e White Stripes, mas acabou produzindo alguns dos hits mais duradouros da década: a começar por Take me out, que ainda toca nas festas como se tivesse sido lançado há um mês. Os dois álbuns seguintes repetem o truque.

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24. Sea change – Beck (2002)

O Blood on the tracks de Beck Hansen é uma obra-prima do amor perdido. A história é velha: depois de sofrer uma crise sentimental, compositor grava um álbum de baladas confessionais e tristes. Quem tratou Sea change como uma dor de cotovelo passageira perdeu a melhor parte do drama: acostumado a calcular os próprios projetos como quem desenha maquetes para uma obra, Beck se arriscou a expor os próprios fantasmas sem abandonar a obsessão por álbuns de pop art, conceituais. Com influências de folk britânico e pop francês, o disco convoca Nick Drake, Air e Dylan para uma viagem ao fundo da noite. Nigel Godrich produz como quem escreve uma carta de amor – gentilmente. Depois disso, Beck voltaria aos bons tempos e (santa ironia!) gravaria os discos mais confusos e desconjuntados da carreira.

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23. Oh, inverted world – The Shins (2001)

O fenômeno mais surpreendente da década atendeu por The Shins, uma banda de New Mexico que, sem guitarras ruidosas ou hits do tamanho do mundo, se transformou no maior sucesso da Sub Pop desde o Nirvana. Quem explica? Ainda que alguém tente, é melhor lembrar que a “bandinha” ensinou algumas lições aos candidatos a Axl Rose: com 30 minutos de melodias delicadas, é possível ganhar o mundo. A aparência de total despretensão, no entanto, é enganosa: com o tempo, o indie rock econômico da banda revela uma precisão quase microscópica (e qualquer um dos discos da banda acaba soando atemporal) e apaixonante, atualização generosa do pop psicodélico dos anos 1960. Não é por pouco que Natalie Portman não desgruda dos headphones…  

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22. Blueberry boat – The Fiery Furnaces (2004)

O Fiery Furnaces começou a década como uma banda incompreendida e termina exatamente do mesmo jeito. Taí o preço que se paga por querer fazer as coisas da forma mais complicada. No primeiro disco, Eleanor e Matthew Friedberger viraram alvo de uma imprensa musical à procura de um novo White Stripes. Azar o dela. Blueberry boat coloca os pingos nos is. Uma ópera-indie em três dimensões, soa como o oposto perfeito de qualquer projeto de Jack White – e cria uma ponte inusitada entre The Who e Captain Beefheart. É um dos discos mais originais da década – mas quem tem paciência para canções de oito minutos que se desdobram em vinte outras melodias que se multiplicam em cinco refrãos inesquecíveis e descambam em três faixas que não deram certo? Não me pergunte.

interpol

21. Antics – Interpol (2004)

Antes de assinar com uma gravadora grande e diluir os próprios métodos, o Interpol era uma banda que interpretava o rock sombrio dos anos 1980 com o olhar de quem cresceu assistindo a Kurt Cobain na MTV. Turn on the bright lights provocou susto, mas foi com Antics que a banda se sentiu confortável para abrir uma fresta e escrever alguns dos novos clássicos de uma onda que recebeu o apelido genérico, e enganoso, de “novo rock”: Evil, NARC, Slow hands e uma abertura (Next exit) que soaria como um anticlímax se não fosse interpretada com tanta convicção. E isso, apesar de tudo, Paul Banks tem de sobra: ele canta como se estivesse na beira do precipício, e a gente acredita.