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2 ou 3 parágrafos | O último mestre do ar
Não estou entre os devotos de M. Night Shyamalan e, portanto, vocês serão poupados do parágrafo em que tento argumentar apaixonadamente que existe sim um grande cineasta no comando deste O último mestre do ar (não acredito que exista). Aceito ser chamado de tolo e superficial (e cego, é claro), mas tudo o que encontrei foi um épico de fantasia aborrecido que cumpre uma série de procedimentos obrigatórios desse tipo de épico de fantasia aborrecido. Nem paraíso, nem inferno: chame de purgatório.
Mais curioso do que o filme em si é notar que esta superprodução poderia ter sido SIM a obra-prima de Shyamalan. Em tese, ela acumula uma série de elementos que são caríssimos ao cineasta – o amor pela fabulação, o olhar infantil, as imagens com um quê metafísico, a espiritualidade etc. O que me impressiona é a dificuldade enorme que o diretor encontra para garantir algum sentido, alguma força vital, alguma forma a um ambiente que parece (novamente: em tese) tão próximo de tudo o que ele criou até aqui. O último mestre do ar (2/5) teria como transcender a pecha de subproduto frívolo (e muita gente ainda torce para que o filme consiga! e muita gente vai encontrar um filme cheio de graça!), mas se sai tão corriqueiro quanto um episódio de As crônicas de Nárnia.
A composição visual, para começo de conversa, me parece profundamente entediante, a começar pelo uso das cores: o contraste entre ciano e laranja (manipulados digitalmente, das paisagens aos rostos dos atores) chega a lembrar os truques mais grosseiros de Michael Bay. Os efeitos de CGI, ainda que até razoáveis (o trailer sugeria um espetáculo muito mais tosco), também deixam a impressão de que saíram da mesma máquina que produz centenas de genéricos. A narrativa se arrasta. Difícil explicar o que acontece: Shyalaman parece estar presente em todos os temas do filme, mas, ao mesmo tempo, se ausenta, se apaga de uma forma que ainda não consigo compreender. Em alguns momentos, deixa o trabalho todo para um elenco meio perplexo, estático (à exceção do protagonista, que tem algum carisma), e perde o fio de uma trama bolorenta, que tenta condensar em tempo recorde os episódios de um desenho animado que parece desinteressar até ao próprio diretor. Quando a cena final abre caminho para uma continuação, soa como ameaça. Entendo as suas obsessões, Shyamalan; sei que, em tese, você é um cineasta brilhante. Mas (e a culpa é minha, não sua) taí um mundo de fantasia para onde não faço a menor questão de voltar.
2 ou 3 parágrafos | Como treinar o seu dragão
Esta boa animação digital da Dreamkworks (3/5) bem que poderia se chamar Como sobreviver no mundo de Avatar. Os diretores de Lilo e Stitch, mais espertos do que imaginávamos, entenderam a lição de James Cameron: usam o 3D como elemento criativo, essencial à narrativa.
Os personagens do filme são vikings que enfrentam dragões. Os monstrengos voam alto, dão piruetas. E é como se voássemos com eles. Parece um detalhe bobo, mas poucas fitas do gênero se beneficiaram tanto da tecnologia para nos transportar a um ambiente fantasioso. Em alguns trechos, parece até que os diretores se entusiasmam com o truque, curtem a brincadeira. Não vi nada parecido em Up – Altas aventuras, nem em Monstros vs. alienígenas, muito menos em A era do gelo 3. É um avanço.
No mais, Dean DeBlois e Chris Sanders vão ao trabalho (isto é: confrontam a Pixar) com as armas menos vulgares: a exemplo de Wall-E e Up, vão buscar no cinema de Hayao Miyazaki uma pincelada de lirismo que dá uma outra dimensão à amizade entre o menino outsider e o dragão com fama de mau. Nada muito pessoal, é claro (aliás, quando é que vão lançar Ponyo no Brasil?). Estamos falando de uma animação by the numbers (tudo é fórmula: a narração em off, os coadjuvantes engraçadinhos, o motivo romântico etc). Mas é um alívio notar que os estúdios querem bancar a “revolução” de Avatar: não tenho muito a reclamar de filmes que levam a sério tanto o 3D quanto esse tipo honesto de sentimentalismo, à japonesa.
2 ou 3 parágrafos | Indicados ao Oscar
Bateu um pouco de saudade do tempo em que eram cinco os indicados ao Oscar. Havia os favoritos (no máximo dois, geralmente um), os que perderiam com alguma dignidade (no máximo dois) e os que entravam na lista pra fazer figuração. Agora vemos esse elenco de sempre acompanhado de cinco candidatos que aparecem meio que largados no subsolo, na classe econômica da premiação, totalmente fora de cena.
Não entendi a graça da brincadeira (claro, são 10 os estúdios na briga pelo Oscar de melhor filme, e aposto que todos ficaram muito satisfeitos com a partilha), mas seria interessante se a Academia inventasse o ‘Oscar B’, destinado à disputa entre Distrito 9, Um homem sério, Um sonho possível, Educação e Up – Altas aventuras.
E, como um amigo meu bem notou, dá para dividir os indicados também entre os filmes de guerra (Avatar, Hurt locker, Bastardos inglórios, de alguma forma Distrito 9) e aquelas obras supostamente inspiradoras com lições de superação/perseverança (Amor sem escalas, Up, Educação, Preciosa e Um sonho possível, que vi agora mesmo e é tão pueril que parece ter sido feito pra meninos de cinco anos). Um homem sério, que nem é algo tão atípico ou provocativo assim, fica parecendo até uma pedra na garganta da Academia. Uma disputa não tão interessante (de qualquer forma, estou começando a apostar na vitória de Hurt locker), mas gostei de ver A teta assustada na lista de filmes estrangeiros. Nem por ser sul-americano, ou peruano. Mas por fugir completamente daquele padrão careta de telefilme que as comissões de seleção brasileiras acreditam interessar a Hollywood. Olha lá: não é bem assim.
Mixtape! | O melhor de janeiro
Janeiro foi assim (e não foi nada bom): encostas despencaram, carros patinaram em ruas ensopadas, milhares de miseráveis ficaram ainda mais miseráveis depois de um terremoto terrível, Eric Rohmer se foi, J.D. Salinger partiu, Jay Reatard desintegrou-se, Avatar afundou Titanic e eu sobrevivi. Cá estamos.
Como prometi em dezembro, aqui começa a saga (espero que longa) das coletâneas mensais. A primeira mixtape de 2010 chama-se, muito apropriadamente, Janeiro treme.
Para nossa sorte, o ano começou com uma enxurrada de discos interessantes. O melhor deles: Teen dream, do Beach House (e, de prêmio, a dupla ganhou a foto que ilustra este post!). Na segunda chamada, eu aumentaria a nota do álbum de 8 pra 8.5. Até o fim do ano, quem sabe não chega a 9? Mas o disquinho que provocou abalos sísmicos mais intensos aqui em casa foi mesmo Measure, do Field Music. Descomplicado e autêntico.
A seleção deste mês, que me enche de orgulho, começa suave e evocativa, vai ficando meio torta/esquisita e termina da forma mais sublime possível, com uma “novidade” do Elliott Smith. Espero que os interessados façam o download depressa. Não sei se o arquivo vai durar muito tempo.
Eis a tracklist:
1. Zebra – Beach House 2. The high road – Broken Bells 3. Who makes your money – Spoon 4. ONE – Yeasayer 5. One life stand – Hot Chip 6. We want war – These New Puritans 7. Giving up the gun – Vampire Weekend 8. The wheels are in place – Field Music 9. Cecilia Amanda – Elliott Smith 10. Angel echoes – Four TetFaça o download (via Rapidshare): Superoito Mixtape – Janeiro treme
2 ou 3 parágrafos | Lunar
Desde o lançamento de Avatar, ouço a reclamação de que, apesar de todo o deslumbramento visual, o filme de James Cameron tem um problema: a trama é fraca. A esses, indico Lunar (Moon, 6/10), uma ficção científica muito engenhosa — mas que, pelo menos na tevê lá de casa, não pareceu nem um pouco hipnótica.
Duncan Jones, o diretor (e filho de David Bowie), tenta uma provocação sobre a ética da ciência. Para isso, joga com as expectativas do público, que fica meio perdido entre personagens que, isolados numa estação espacial, podem ou não ser clones. Como reconhecer um ser humano?, eis a questão. Sam Rockwell embarca no delírio solitário como quem tenta superar o Robert Duvall de THX 1138.
As ideias são até atraentes; o visual, old school (e, como Avatar, Jones cita um punhado de fitas de ficção científica, de 2001 a Alien). Mas me incomoda a falta de domínio da narrativa, a dificuldade de traduzir as filosofices em situações vivas, fortes, singulares. Parece até que a trama está emperrada, embolada. E, se é assim, do que adianta uma trama supostamente complexa? Em matéria de clareza e fluência, ninguém tem muito a reclamar de James Cameron. E me parece um erro essa história de confundir ficção científica inteligente com ficção científica que, às custas da nossa paciência, se faz de inteligente. São duas coisas bem diferentes. De aparente simplicidade, o mundo de imagens criado em Avatar me parece mais autêntico.