Atacama
Drops | Mostra de São Paulo (2)

!!! O estranho caso de Angélica | Manoel de Oliveira | 4/5 | Os trechos mais fantasmagóricos talvez surpreendam os devotos de Oliveira (efeitos especiais!), enquanto que os mais verborrágicos e teatrais talvez entendiem o fã de filmes de fantasia. É, sim, um filme estranho, que nos obriga a lembrar de Méliès e Hitchcock (e até de Apichatpong Weerasethakul, outro que sai à procura de imagens mágicas) – e, nos melhores momentos, cria um túnel misterioso que nos leva a uma época distante, quando os filmes encenavam os delírios humanos de uma forma inocente, com truques singelos. Aos 101 anos, Manoel de Oliveira retorna a essa infância do cinema. Não podemos fazer muito além de acompanhá-lo, entre o espanto e a admiração.
!!! O mágico | L’Illusionniste | Sylvain Chomet | 4/5 | A animação do diretor de As bicicletas de Belleville poderia ter se contentado em ser apenas uma homenagem belíssima a Jacques Tati (o longa adapta um roteiro do escrito pelo mestre), mas vai um pouco além disso ao rever temas de filmes como Meu tio e Playtime (sobretudo as dificuldades de adaptação a um mundo moderno impessoal, frívolo; o personagem principal, um mágico à moda antiga, é uma réplica de Hulot) com um clima chuvoso, desencantado. Mais do que se inspirar em Tati, Chomet sente saudade.
Nostalgia da luz | Nostalgia de la luz | Patricio Guzmán | 3/5 | Num doc em primeira pessoa, que talvez queira nos lembrar algo de Chris Marker e Varda, Guzmán cria uma relação até curiosa entre os astrônomos que investigam os segredos do universo no Atacama e as mulheres que, naquele mesmo deserto, procuram os vestígios dos desaparecidos políticos da ditadura militar chilena. Mas, apesar da afetuosidade do projeto e da obsessão do diretor pelo tema (e desconte aí: eu sempre me rendo a esses discursos emotivos), a ideia me parece um tanto curta e forçada – e, no mais, uma desculpa para um desfecho supostamente poético, mas óbvio.
Cirkus Columbia | Danis Tanovic | 2/5 | O diretor de Terra de ninguém retorna ao lar… talvez cedo demais. Muito pouco me interessa neste folhetim sobre o cotidiano numa pequena aldeia bósnia à véspera da guerra. Pais, filhos, políticas, cor local etc. A última cena deveria dar um tom de gravidade ao filme, mas só reforça o esqueminha convencional que Tanovic nos 110 minutos anteriores.
Não me deixe jamais | Never let me go | Mark Romanek | 3/5 | Uma love story antiquada como aquelas que encontramos em adaptações de Jane Austen, mas encenada num contexto de ficção científica (nesta realidade alternativa, a clonagem de humanos é praticada diariamente). Não é com ingenuidade, no entanto, que Mark Romanek adota o visual rococó de uma típica fita de época: ele faz com que o espectador se sinta confortável o suficiente para entender o desconforto de personagens, que também ocultam um terrível mal-estar sob a aparência de normalidade. Quem adapta o romance de Kazuo Ishiguro é outro escritor: Alex Garland.