Art Brut

50 discos para uma década (parte 1)

Postado em Atualizado em

Então é isto. Ninguém pediu, ninguém quer saber e suspeito que uma parte pequena dos leitores deste blog se sinta ofendida com este tipo de lista – mas, contra tudo e todos, começo hoje uma série de posts com os meus 50 discos preferidos da década. Adianto: selecionar os “vencedores” foi um drama sangrento. Admito que não estou satisfeito com o resultado e que, para fazer alguma justiça a tudo o que ouvi nesse período, a lista deveria conter mais ou menos 250 álbuns. Ainda assim, seria cruel.

Pensei em escolher 100, mas depois achei mais interessante o desafio de cortar na carne. Taí. Como critério para impor alguma ordem no cortiço, determinei o seguinte: só vale entrar um disco de cada banda/artista. Essa regrinha aparentemente simples é dolorida, já que não consigo imaginar uma lista de melhores da década sem a inclusão de pelo menos dois álbuns do Radiohead e três do White Stripes. Ainda assim, resisti aos impulsos destrutivos e segui com fé na cartilha.

Outra restrição (que nem me incomoda tanto): não entram discos brasileiros. Isso só serviria para confundir o que já está bagunçado. Mas fica o desejo quase secreto de, em outro momento, compor um top verde-e-amarelo, para delírio da nação. Prometo que, se vocês pedirem com carinho, pensarei no assunto.

Antes de começar os trabalhos, um ato de justiça: aí vão discos que quase, quase entraram na lista e foram cortados por alguns centésimos. Fica meu abraço para (sem ordem de preferência) United, do Phoenix, Whatever people say I am, that’s what I’m not, do Arctic Monkeys, Cross, do Justice, Gulag orkestar, do Beirut, Bitte orca, do Dirty Projectors, Relationship of command, do At the Drive-In, Vespertine, da Björk, Gorillaz, do Gorillaz, Vini vidi vicious, do Hives, Brighter than creation’s dark, do Drive-by Truckers, The greatest, da Cat Power, The warning, do Hot Chip e… quando eu voltar para a próxima parte da lista, e antes que isto se transforme numa enciclopédia, continuo com os outsiders, ok?

systemdown

50. Toxicity – System of a Down (2001)

Lançado exatamente em 11 de setembro de 2001 (juntinho de Glitter, de Mariah Carey, mas isso não ajuda em nada no meu argumento), este disco-bomba-relógio-trombeta-do-apocalipse ainda soa premonitório e perturbador, mesmo nos momentos mais estúpidos (e não são poucos, mas duram menos de dois minutos!). É o mais enlouquecido e enloquecedor dos álbuns de new metal – e, brilhante!, o artefato explosivo que detonou o new metal em centenas de pedaços minúsculos. 

destroyerrubies

49. Rubies – Destroyer (2006)

Não tenho muitos argumentos contra aqueles que acusam Dan Bejar (o Sr. Destroyer) de sempre gravar um mesmo álbum. Acontece. Mas Rubies é tão luminoso que quebra até esse tipo de birra: aqui, Bejar continua a produzir novas versões de si mesmo, mas com uma novidade sutil: se deixa polir por uma banda em estado de graça e por uma produção que evita todas as estranhezas fáceis do lo-fi em busca de uma sonoridade elegante, resistente ao tempo e ainda assim absolutamente particular. A dangerous woman up to a point e Watercolours into the ocean reluzem.

pjharveystories

48 – Stories from the city, stories from the sea – PJ Harvey (2000)

A última obra-prima de Polly Jean Harvey refina algumas das principais características da compositora (a tensão sexual, a insatisfação amorosa, a agonia à flor da pele) numa atmosfera urbana, sob luzes calorosas e até algum sinal de satisfação e êxtase. A participação de Thom Yorke em The mess we’re in é uma das melhores performances dele na década (e a competição é dura…) e cada canção parece a definitiva. A começar por Big exit, o hino suicida que Harvey sempre tentou escrever. Mas é uma love song, de algum modo perverso e estranho.

pandabear

47. Person pitch – Panda Bear (2007)

Soa simultaneamente alienígena e familiar, como um álbum do Beach Boys transmitido de uma frequência irreconhecível, sabe-se lá de que cidade. Talvez exista mesmo um lado excessivamente racional nas experiências de Panda Bear e isso tenha me afastado um pouco do álbum, pelo menos num primeiro momento (compare com Feels, do Animal Collective, e tire a prova). Ainda assim, a colagem sonora é de uma doçura que deixa qualquer um desarmado. Lá pela décima audição, digo.

boxernational

46. Boxer – The National (2007)

O disco anterior do National, Alligator, era um city tour atormentado nas madrugadas de Nova York. Em Boxer, eles criam um tipo mais silencioso e intimista de pesadelo: são canções de amor que podem ser interpretadas como canções de horror, de um jeito delicado e sombrio que só Leonard Cohen sabe fazer (mas com um tino pop que parece até criminoso – eles teriam o direito de soar tão… humanos?). Canções como Start a war, Slow show e Mistaken for strangers já nasceram standards – para um mundo não tão fácil, no entanto.

therapture

45. Echoes – The Rapture (2003)

Outro disco que soa como uma premonição – mas, ao contrário do System of a Down, o Rapture viu no frenesi pós-11 de setembro uma chance de explorar sonoridades tão instáveis e confusas quanto o tempo em que vivemos (e levá-las para as pistas de dança, quando possível). Daí este disco confuso – um dos mais confusos da década, e eu entendo perfeitamente a reação desanimada de parte da crítica à época do lançamento -, que contém um dos hits mais poderosos que já ouvi (House of jealous lovers), mas não quer saber de seguir as próprias fórmulas. Erra graciosamente. James Murphy e Tim Goldsworthy produzem. 

morningjacket

44.It still moves – My Morning Jacket (2003)

O destino é um tanto injusto com alguns discos. Este, por exemplo, periga ficar conhecido como o último suspiro comercial do country alternativo. Na trilha do Wilco, o My Morning Jacket também abandonaria lentamente o gênero para procurar uma sonoridade mais ambiciosa, com ares de rock progressivo. Mas não conseguiriam gravar um disco tão surpreendente quanto It still moves, um álbum-de-estrada que não se decide entre o country rock, o hard rock setentista e a psicodelia. Faz tudo ao mesmo tempo, como se fosse a última vez – e com uma honestidade tocante.

agrandstreets

43. A grand don’t come for free – The Streets (2004)

Um dos discos de hip hop mais inusitados da década veio da cabeça mais-ou-menos-ordinária de Mike Skinner, um inglês branquelo que escreve rimas tão francas quanto posts de blog – o cotidiano cru (e hilariante) de um zé-ninguém. Um chapa. Ao contrário de Eminem, Skinner cria um personagem cômico que ri da própria insignificância, sofre na mão de mulheres insensíveis e aceita ser tratado pelo fã como um amigo próximo. Dry your eyes é o hino de uma geração de adoráveis perdedores.

iamabirdnow

42. I am a bird now – Antony and the Johnsons (2005)

Um dos discos mais precisos e puros da década: bastam alguns acordes para que qualquer um perceba toda a carga de desespero que envolve a arte confessional de Antony. E melhor: para que se perceba o quão genuína ela é. São canções sem meios-termos: páginas arrancadas de um diário proibido, poesia pop interpretada como hinos religiosos. As participações de Rufus Wainwright, Boy George e Lou Reed soam quase discretas perto do peso emocional que Antony imprime a cada canção. Hope there’s someone é brutal. 

artbrut

41. Bang bang rock & roll – Art Brut (2005)

O rock inglês começou o século dividido entre a grandiosidade dos épicos para estádios (Muse, Coldplay) e um revival dançante do pós-punk (Libertines, Arctic Monkeys). O Art Brut é um caso a parte: a banda assumiu a função de cronista e chargista de uma geração. O primeiro disco ainda soa como uma piada divertidíssima, que tira sarro de tudo o que se move no mundo pop (da empáfia dos semanários britânicos à vida fútil das celebridades). Do segundo em diante, eles descobririam que tudo é um pouco mais complicado. Não sem perder a graça.

Não sei quando, mas depois tem mais.

Art Brut vs. Satan | Art Brut

Postado em Atualizado em

artbrutcapaArt Brut: discos, bebedeiras, metalinguagem, etc.

Nesta altura dos acontecimentos, eu queria não importar tanto com o blog sonoro de Eddie Argos. Mas é daqueles que acompanhamos com curiosidade mórbida. Sabemos muito bem que os posts podem sempre resvalar em confissões constrangedoras, desencontradas. Em crise. E vergonha alheia.

Nosso herói pode não ter muito talento. Pode ter perdido o fio da moda.  Mas é absolutamente franco em tudo o que faz – e isso, às vezes, importa.

“Por que todo mundo está tentando ser o U2?”, ele pergunta, numa das faixas de Art Brut vs. Satan. Não sei, colega. “Por que as bandas não podem ser iguais às canções que escrevem?”, desabafa, mais adiante. Também não faço ideia. Argos, meu chapa, será que você não poderia escrever umazinha sobre críticos de cinema? A rotina de uma redação de jornal, então? Renderia um belo de um disco, né?  

Fatos: o Art Brut gravou um álbum-diário escrito em papel barato (ou, digamos, publicado no blogger.com.br). Exatamente igual (em conceito, pelo menos) aos anteriores. Um disco que termina na quarta faixa. E que, dela em diante, se transforma numa crônica pós-punk sobre discos, fãs de música, bandas de rock. 

Pode parecer uma estratégia calculada. Depois de agradar à crítica com um metarock muito simples, o Art Brut tenta repetir a fórmula pela segunda vez. Pensar desse jeito, porém, seria duvidar do trunfo da banda britânica: a sinceridade com que Argos transforma canções de três minutos em megafone para um discurso sarcástico e informal sobre a vida de quem não sabe muito bem se beija a garota ou dedica atenção à canção favorita (eles já escreveram uma música exatamente sobre esse dilema, aliás).

O próprio Argos sabe que a ladainha soa repetitiva. Pergunte a ele. Aposto que dirá algo como “pois é, escrevi um hit sobre o assunto”. Ou, se quiser mais explicações, pule logo para a sétima faixa do disco, Slap dash for no cash, em que o vocalista admite gostar de gravações apressadas, sem ornamentos, lo-fi. “Aperte o ‘record’ e comece a tocar”, aconselha. É um disco que se explica, que teoriza sobre a própria existência.

Sem o impacto da novidade (muita gente gostou de Bang bang rock ‘n’ roll simplesmente por ter conhecido Argos), Art Brut vs. Satan periga receber as críticas mais desinteressadas do ano. Um fiasco por encomenda. Ao contrário do Franz Ferdinand, eles não tentam remodelar o próprio estilo. Ao contrário do Kaiser Chiefs, não querem conquistar as fãs de Lily Allen. Apenas apertam o botão. O disco parece até um acidente de percurso – uma polaróide a algumas semanas de esmaecer.

Capturar o calor do momento, sempre. Demons out, que contém o título do disco, soa como um ataque à indústria fonográfica. Eles respondem à decisão da EMI de enxotar a banda (que agora lança pelo selo Cooking Vinyl) com uma gota de sarcasmo: “consumidor de discos, nós o odiamos”, disparam. “Como eu dormiria direito se soubesse que ninguém gosta da música que gostamos?”, desabafam.

E daí seguem. A produção de Frank Black (Frank Black and the Catholics vem à mente) não muda as peças de lugar: o rock do Art Brut é anêmico porque é. Quando não narra a incrível descoberta da banda Replacements (em The Replacements), Argos ressalta as experiências mais triviais: o gosto por cereal, gibis e milkshake (DC Comics and chocolate milkshake, já que “algumas coisas sempre serão legais, mesmo quando você tem 28 anos”), a paixão por trens e ônibus (“Eu amo o transporte público”, em The passenger, que soa como uma piada de mau gosto para o pedestre de Brasília, infeliz), as bebedeiras sem fim (“Não lembro nada do que fiz”, confessa, em Mysterious bruises e completa, para bom entendedor: “I fought the floor and the floor won”).

E, no subterrâneo da gozação, o sentimento de uma adolescência que nunca passa. “Você gosta dos Beatles, eu gosto do Stones. Mas esses são apenas os discos dos nossos pais”, diz, em What a rush

Argos, a seu modo, é um desses astros de rock insatisfeitos, rebeldes, que esmurram paredes com a testa. Tudo o que ele deseja, porém, é ouvir bandas de rock radicalmente honestas. Simples. Tolo. E é por isso que o Art Brut, raquítico por opção, não sairá tão cedo da minha lista de favoritos.

Terceíro álbum do Art Brut. 11 faixas, com produção de Frank Black. Lançamento Cooking Vinyl. 6.5/10