Anos 70

Os discos da minha vida (top 10)

Postado em Atualizado em

Neste episódio prateado da saga dos 100 discos que reluziram na minha vida, um great oldie que sempre vai soar jovem. Ou: nenhum top 10 faz sentido sem Bowie. Para quem não conhece, recomendo o seguinte: pule o texto (que está qualquer nota) e vá ao MP3. Em 3, 2, 1…

007 | The rise and fall of Ziggy Stardust and The Spiders from Mars
David Bowie | 1972 | download

Não ouço este disco já há algum tempo. A vantagem é que posso observá-lo com um certa frieza, sem que este texto se transforme num melodrama cósmico. Se bem que, no caso, todas as músicas começam a rodar no meu cérebro – uma jukebox alienígena – assim que leio o nome do álbum.

Ziggy Stardust and the Spiders from Mars. Ah. Este, para mim, é a piada mais sincera: um grande disco de rock e, ao mesmo tempo, uma perfeita caricatura daquilo que esperamos de um grande disco de rock. Uma farsa muito da esperta, às vezes cínica — mas que nos emociona, ô, sim.

No post anterior desta saga de 100 discos, tentei explicar meu amor por Doolittle, do Pixies. Não consegui. Este aqui me parece um caso mais fácil. É que o disco de Bowie consegue (naturalmente!) combinar ironia e afetuosidade, em medidas equivalentes. E essa alquimia é a poção mágica que sempre procurei em filmes, livros e que, mais tarde, eu tentaria (sem sucesso, eu sei) aplicar aos meus textos.

O que Bowie faz é complicadíssimo, mas às vezes parece tão jocoso — quase vulgar — que muitos fãs do sujeito preferem se escorar em álbuns mais respeitáveis: Low, até Aladdin Sane. Ziggy soa como uma troça, uma charge grotesca dos excessos de popstars. É ingênuo. É pueril. Parece até que pede para não ser levado a sério.

Mas vamos lá: é nesse formato teatral, camp, debochado, que Bowie encontra os balangandãs para cravar os dentes num pop melódico, fácil, maquiadíssimo. É desse desejo pelo chiclete mais doce que surgem canções como Moonage daydream e Suffragette City. Conheço poucos discos de rock que soam tão viciantes. Parece que ele ri da nossa cara: você vai ter vergonha de amar tudo isso com tanta intensidade.

Essa, no entanto, é só a parte mais rasteira da lenda.

Lembro que descobri o disco numa época em que eu estava fissurado em Daft Punk e Air — principalmente na forma como os franceses iam buscar no pop mais fuleiro, kitsch, as sucatas para converter em love songs futuristas, soft rock com coração, synthpop de morango (e aqui, meu irmão, não estamos falando em sarcasmo, mas em amor pelo sarcasmo). O disco de Bowie, naquele contexto, me parecia um elo perdido.

Daí que, quando descobri Ziggy Stardust, me vi abandonando todas as minhas bandas preferidas para dar um mergulho na gelatina de Bowie. Descobri álbuns extraordinários — e personagens que renderiam as mais surreais das graphic novels. Mas Ziggy permaneceu acima de todos: era o disco para onde eu voltava todas as tardes, faminto, como quem faz questão de exagerar na sobremesa.

São dois efeitos provocados pelo disco, e acho que eles se complementam: pode ser ouvido como uma das mais perfeitas coleções de hits (e existe outra tão adorável?), e também como uma sci-fi delirante sobre uma década que explodiu em glicerina, purpurina e teclados estridentes (no fim do disco, quando nosso herói sai melancolicamente de cena, começam os anos 80).

Dizem que o álbum ajudou na invenção de um gênero (o glam rock). Pode ser que sim. Minha relação com ele é descomplicada: desde a primeira audição, entendi onde eu pisava. Adolescentes gostam de implodir os clássicos, certo? Em mim ele provocou o mesmo impacto dos primeiros discos dos Beatles: antes que eu pensasse em avaliá-lo objetivamente, eu já estava hipnotizado, perplexo, flutuando no espaço sideral. Top 3: Moonage daydream, Ziggy Stardust, Soul love.

Após o pulo, veja os outros discos que apareceram neste ranking.

Leia o resto deste post »

Last summer | Eleanor Friedberger

Postado em Atualizado em

Perdão, amigos e (supostos) leitores, mas Eleanor é de casa. Ela frequenta este blog antes de vocês. Ela tem a chave da sala. Ela não precisa telefonar antes de dar uma passada aqui no quintal. Vocês deveriam respeitá-la, sabe? Ou, ao menos, tratá-la educadamente.

Mas, ainda assim, eu teria que apresentá-la novamente a vocês? Acho que não. Sim?

Ela, Eleanor, nasceu em Illinois, tem 34 anos e criou uma banda de rock com o irmão, Matthew Friedberger. O nome da dupla é Fiery Furnaces — e, se você ainda não a conhece, talvez não frequente este blog há tanto tempo.

Desde Blueberry boat (2004), um desses épicos extravagantes e maravilhosos que quase ninguém ouviu (porque o mundo é injusto), o Fiery Furnaces está entre as minhas bandas americanas de estimação. Eles gravam discos que soam às vezes como provocações, às vezes como jogos de armar, quase sempre como brincadeiras inconsequentes.

Num deles, a avó dos indies travessos narra longas histórias de juventude sob uma trilha de melodias e ruídos. É quase insuportável, eu sei, mas né.

O importante é que mano e mana quase nunca me decepcionam. Sei o que não vou encontrar num disco do Fiery Furnaces: o óbvio, o previsível. E, quando não encontro o que sei que não vou encontrar, fico empolgado. Eles soam cósmicos e estúpidos, simultaneamente. Se fosse um filme, o Fiery Furnaces seria uma versão de 2001 — Uma odisseia no espaço encenada pelos Muppets.

Mas entendo, é claro, por que quase ninguém dá a mínima para álbuns tão cheios de idiossincrasias. Os fãs do Fiery Furnaces (e me incluo entre eles) se afeiçoam por peças defeituosas e desafinadas. Notamos algo charmoso nas meninas que gaguejam diante da plateia – e nos cachorros de três patas.

Digo tudo isso porque (e agora chegamos à parte chata do post) o futuro do Fiery Furnaces me parece preocupante. Sério. E acredito que os outros fãs também deveriam coçar o queixo. Desde I’m going away, o disco mais recente deles, a banda ameaça soar… inofensiva. Gosh! Não queremos nosso cão briguento ceda às medonhas pressões da sociedade.

Gosto do disco. Gosto muito, aliás. No contexto criado pela banda, ele soa surpreendente — já que ninguém esperava do Fiery Furnaces um álbum tão dócil, às vezes quase singelo. E I’m going away é um pouco isso, ainda que um tanto tocante na forma desastrada como Matthew e Eleanor tentam sintonizar referências de pop rock setentista. São meninos arruaceiros tentando prender o riso (e o choro).

Uma baita mudança, de qualquer forma. Um desvio rumo à (argh) normalidade. Talvez a “culpa”, percebo agora, tenha sido de Eleanor.

Os discos solo de Matthew arregaçam as estranhezas do estilo-Fiery: puzzles sempre incompletos (e às vezes irritantes de tão incompletos, mas nós fãs gostamos das lacunas e dos hematomas). Last summer, a estreia solo de Eleanor, praticamente segue do ponto em que I’m going away havia parado. É o álbum mais acessível, mais agradável, gravado por um integrante do Fiery Furnaces.

E um projeto que talvez venha a representar uma ruptura para a banda (vamos torcer para que isso não ocorra). Hoje, o Fiery Furnaces soa como um ser dividido em dois — entre Matthew, o animal abstrato, e Eleanor, a guardiã das melodias aprazíveis. Não sei se eles ainda têm gana para nos surpreender (espero que sim), mas esses disquinhos on-our-own revelam com certa crueldade que os irmãos se distanciaram um do outro. Ainda que permaneçam, ambos, avessos a tomar caminhos simplezinhos.

Repare em Inn of the seventh ray, a segunda faixa de Last summer: soa como uma versão para uma velha música de Johnny Cash, mas fuzilada por raios violeta. Ou no desfecho do disco, que parece sugerir a imagem de uma lagoa plácida, mas tomada por neblina. Mesmo quando tenta soar absolutamente mundana (músicas gravadas entre o despertar e o café da manhã, digamos), Eleanor cobre essas canções com uma manta de estranheza — muito sutil, mas sempre presente.

São, por fim, crônicas de um verão mais ou menos ruim — mais ou menos um verão qualquer. “Você disse que não seria tão ruim. Mas foi pior”, ela canta, falando sobre o ano de 2010 em Glitter gold year. Unsexy como comprar cereal sem pentear o cabelo.

O objetivo mais superficial, no entanto, é o de formatar faixas simétricas, que descem macio. My mistakes, por exemplo, dá todas as coordenadas do passeio: versos em primeira pessoa, com a prosa de um diário (em que quase nada muito constrangedor acontece), e arranjos quase meigos. Mais Nashville skyline, (bem) menos Bringing it all back home.

Talvez a intenção da nossa musa tenha sido gravar um disco inteirinho no tom descomplicado de I won’t fall apart on you tonight, uma das canções inesquecíveis do ano. Facinho, bobinho, homemade, acolchoado por saxofones e violões folk: um disco solo na veia de McCartney (1970), digamos. Concebido para o mundo paralelo em que o Fiery Furnaces se sai como uma versão degenerada dos Beatles.

Ok, pra você esse mundo alternativo não existe nem nunca existiu. Mas vá lá, ouça o disco enquanto eu tento me colocar no seu lugar.

Primeiro disco solo de Eleanor Friedberger. 10 faixas, com produção da própria cantora. Lançamento Merge Records. 7/10

Os discos da minha vida (top 10)

Postado em Atualizado em

E não é que a interminável lista dos 100 discos da minha vida está chegando ao fim? Conforme o prometido, nada de textos pomposos antes dos álbuns propriamente ditos. Dois informes, apenas (e velhos informes, para quem já conhece esta brincadeira): 1. o ranking é absolutamente pessoal, então nem venham com a história de que o outro disco da banda é melhor; 2. recomendo, as usual, o download.

009 | Unknown pleasures | Joy Division | 1979 | download

Sombrio. Taí um adjetivo que deveria vestir o casaquinho e se retirar do salão (e sim, estamos falando no Grande Salão da Música Pop).

Há palavras que, de tão reprisadas, perdem o sentido. Reconhecemos a sonoridade, entendemos razoavelmente as emoções evocadas, mas temos a impressão de que elas podem se adaptar a todos os ecossistemas — para se referir a qualquer coisa, pessoa ou evento. Merecem, portanto, o ostracismo.

O termo tem tantas utilidades que me pergunto: o que não é sombrio? Há canções sombrias em discos do Green Day e da Beyoncé. Há quem observe, aqui e ali, a faceta sombria da Lady Gaga. Aposto que há dissertações sobre a fase sombria de Madonna. O visual de Trent Reznor é definitivamente sombrio. Radiohead circa Amnesiac? Sombrio de chorar.

A little bit longer, do Jonas Brothers? É um cadinho sombria, sim senhor.

Mas, se retornarmos à raiz musical da expressão, na pré-história do chavão, tropeçaremos em Unknown pleasures. Será um tombo inevitável – o disco praticamente criou um estilo (e de um clichê, de um lugar-comum) que perduraria nas décadas seguintes, aplicado como modelo para dezenas, centenas de álbuns sombrios.

Closer, o disco posterior do Joy Division, me parece ainda mais tenebroso. Quase insuportável de tão ocre. Ele poderia estar nesta lista. Mas Unknown pleasures me atingiu como uma tentativa de sufocamento. Quando ouvi pela primeira vez, a minha vontade era de não ouvi-lo nunca mais. “É o suficiente”, pensei. Me parecia uma viagem sem volta – a um lugar muito, muito escuro.

Na época (18 anos de idade) eu era fã de fitas de horror, e ficava todo prosa quando desenterrava um italiano mais medonho, obscuro. Mas o terror de Unknown pleasures me assombrou de uma forma mais incômoda que qualquer longa-metragem. Era uma história terrível, mas com que eu me identificava. Não era um tempo feliz.

Há quem trate Closer como uma carta de suicídio ou um bilhete de despedida. Ian Curtis morreu dois meses antes do lançamento do disco, aos 23 anos — o que só fez engrossar um halo macabro que nunca o abandonaria. Unknown pleasures, em comparação, é um álbum até vibrante: o som de uma nova banda inglesa ansiosa para registrar canções de punk rock (mas sem saber exatamente como).

Após o lançamento, a própria banda estranhou o disco. Ele soava ruidoso, abrasivo e abafado demais, como se gravado dentro de uma quitinete apertada, e sem janelas. Quando ouvi pela primeira vez, pensei em pedir outro CD para testar a qualidade do som – talvez o meu estivesse com defeito. Mas não. Em 1979, uma banda de rock tinha o direito de lançar um long-play com aquela sonoridade “errada” e, ainda assim, ser admirada em semanários. Obviamente, no entanto, o álbum foi um fracasso de vendas.

O que não reduz em nada (talvez só aumente) o desconforto que ele provoca. Se produzidas com polidez esmerada, canções como Isolation e She’s lost control estariam entre os hits da época. Existe algo corajoso, contudo, na forma como elas são esmagadas pela mixagem, afogadas num lodo instrumental de teclados, baixo e bateria eletrônica que, apesar de arrancar o couro das melodias, compõem um ambiente único, original, que distancia o Joy Division de todas as grandes bandas daquele período.

E talvez nem seria correto incluí-los entre os grandes, porque o Joy Division ainda soa como uma experiência. Que serviria de rascunho para uma ótima banda pop (o New Order) e de referência para grupos extraordinários, mas que não ousaram desafiar o público tão frontalmente (o Radiohead, por exemplo, não gravou um disco tão sujo, e taí uma adjetivo-clichê que também renova o sentido quando associado a um álbum do Joy Division).

Não bastasse isso, Unknown pleasures (tal como Closer) está entre os discos mais desencantados que ouvi. Não existe disfarces para a sofreguidão de Ian Curtis: ele materializa uma persona romântica, atropelada e arrebentada, em canções que desabam abraçadas a ele. Não existe alívio, não há remédio: o disco vai quebrando aos poucos, se segurando para não cair.

A diferença é que, ao contrário de Closer, este álbum ainda tenta se inscrever no salão da música pop. Tente tocar as canções no violão: elas têm início, meio e fim. As danadas, apesar de arredias, convidam os fãs a criar versões que as banalizem (Moby e The Killers, por exemplo, tentaram simplificar o jogo e se deram mal). Mas não, não há sensações iguais às que encontramos num disco do Joy Division. Eles nos machucam, é verdade. Mas álbuns sombrios não deveriam, pelo menos de vez em quando, nos ferir de verdade? Top 3: She’s lost control, New dawn fades, Disorder.

Após o pulo, confira os discos que já apareceram neste ranking.

Leia o resto deste post »

Os discos da minha vida (37)

Postado em Atualizado em

Há uma semana, aconteceu algo especial neste ranking, mas perdi a cabeça e esqueci de avisar: chegamos ao top 30, meu povo! Top 30! Há 15 anos, quando começamos esta saga, quem imaginou que chegaríamos a este ponto? É um momento importante na história deste blog.

Diga aí: é ou não é? É ou não é?

Ok, NÃO é. Não é um momento importante. Afinal, este é apenas um ranking dos 100 discos da minha vida. Apenas uma lista cheia de idiossincrasias e escolhas duvidosas, tudo muito pessoal e sentimental. Ugh!

Apenas uma lista de álbuns que foram importantes para mim e provavelmente não surtiram o mesmo efeito na sua rotina, amigão. Apenas isso, apenas aquilo, apenas aquilo outro. Arg!

Bem, nas minhas andanças por São Paulo aprendi uma gíria que me agrada muito e que combina muito bom a fase atual deste blog: estar zuado. Há vários usos para o termo, que na maior parte das vezes tem conotação negativa. Por exemplo: hoje eu acordei todo zuado, ou o tempo está zuado, ou este é um disquinho muito zuado (sobre o novo do Strokes, por exemplo). Ou, na real: este blog anda extremamente zuado. Espero que as coisas melhorem em breve (também estou na torcida, acredite).

Lembrei da palavrinha porque um dos discos desta lista é apelidado com uma das gírias mais bacaninhas da língua portuguesa: transa. Que quer dizer uma série de coisas, com conotação geralmente positiva. Daqui para o fim desta lista você vai encontrar dois discos brasileiros, que são (obviamente) os discos brasileiros mais importantes da minha vida. O primeiro está aqui. O outro chega aparece mais.

Já o outro disco do dia chegou enfezado, foi se instalando, e praticamente ensinou tudo o que sei sobre indie rock (na época já chamavam de indie rock?). É o disco mais lindamente tosco que eu conheço, e você devia conhecê-lo.

Sem mais firulas, vamos à dupla desta segunda-feira azulada em Brasília, cinzenta em São Paulo e blue dentro do meu coraçãozinho cheio de saudades. Top 30 goes on.

028 | Transa | Caetano Veloso | 1972 | download

Na época do lançamento, Caetano rodou a baiana quando descobriu que, na confecção do encarte, esqueceram de incluir os nomes dos músicos que participaram das gravações. Injustiça gravíssima, de fato, já que este é o disco cuja sonoridade foi inventada em grupo e registrada como que para simular um ensaio livre e muito espontâneo, sem cronômetro ou prazos (um esquema que se repetiria em outros grandes álbuns dos anos 70, como Tábua de esmeralda, de Jorge Ben, e Ogum xangô, de Ben e Gil). Com Jards Macalé, Tutti Moreno, Moacyr Albuquerque e Áureo de Sousa, Caetano finalmente atingiu um ponto de equilíbrio entre as ideias mui cerebrais (e quase intransitivas) dos discos anteriores e um formato mais solto, transitivo – e a (boa) impressão é de que às vezes o compositor se deixa perder dentro da onda sonora, como quem desce num longo mergulho. You don’t know me, ele avisou, submerso no transe londrino. E um cara rejuvenescido, menos controlado e mais satisfeito com a própria arte, parecia ter sido partejado ali. Top 3: You don’t know me, Nine out of ten, Triste Bahia.

027 | Zen arcade | Hüsker Dü | 1984 | download

O fã de Green Day que descobre este disco do Hüsker Dü pode ficar com a impressão de ter assistido a uma versão censura-12-anos para o teen movie mais desiludido de todos os tempos. Este é o mundo de Bob Mould, Grant Hart e Greg Norton: um álbum “conceitual”, na visão distorcida do grupo, é um disco duplo de 70 minutos de duração (e 23 faixas) sobre um moleque que, ao fugir de casa, descobre que o mundo lá fora é mais cruel ainda. “Algo que aprendi hoje:”, ele conta, logo na primeira faixa, “preto com branco dá sempre cinza”. E está explicado. No álbum, o Hüsker Dü experimentou com folk, jazz e psicodelia. Mas o som que nos maltrata é o de guitarras sempre muito secas, e de vocalistas que cantam como se a garagem estivesse sempre prestes a cair em centenas de pedaços. Um disco de rock que soa como um monumento feito de sucata, peças antigas, máquinas de pinball defeituosas, brinquedos velhos encontrados no quintal. E a infância chegando ao fim. Top 3: Something I learned today,  Never talking to you again, Somewhere.

Depois do pulo, confira os discos que já apareceram neste ranking.

Leia o resto deste post »

Os discos da minha vida (36)

Postado em Atualizado em

Os 100 discos da minha vida, edição especial. Edição comemorativa. Ou algo assim.

Minto, minto. Todas as edições deste ranking são especiais. São porque elas mexem aqui na minha essência, no meu eu interior, nas profundezas das minhas sensações, no lado esquerdo do peito. Você sabe como é, meu irmão. Admito que tenho um pouco de medo de escrever sobre esses disquinhos. Medo de ter um ataque cardíaco e desabar aqui no chão gelado do apartamento.

Sério! Ok. Não tão sério.

É que (repetindo toda a ladainha que vocês curtem à beça) este é um ranking estritamente pessoal, com os discos que abalaram a minha vida, portanto não espere encontrar indicações lúcidas sobre as obras fonográficas mais influentes, importantes, ambiciosas (deus!) da música pop. Não. É só uma listinha modesta, criada com um tanto de orgulho e outro de desleixo, mui sentimental, honesta, digna e que (ainda) está na flor da idade.

Ninguém quer saber dela, mas ela não tá nem aí. Se é que vocês me entendem.

Novidade! A partir desta edição, você pode clicar num linkzinho ali embaixo e conferir o restante do ranking. Pra refrescar a memória. Recordar é viver.

No mais, os dois discos de hoje não são apenas obrigatórios. São incontornáveis. Históricos. Fundamentais. São diamantes. São coisinhas tão bonitinhas do pai. São créme de la créme. E tudo o que mora acima desses elogios todos.

030 | Nashville skyline | Bob Dylan | 1969 | download

Em 1969, este não era o disco que o mundo queria de Bob Dylan. Ele, o auteur folk que trocou violões por guitarras, deveria estar matutando algo mais complexo: era uma época em que o rock era a arte moderna que todos os garotos sabidos da classe queriam experimentar. Mas nosso herói resolveu sacar não o álbum que esperavam dele, mas aquele que queria gravar. Que parecia, em tese, uma bolachinha singela: uma coleção curta de country rock sobre os momentos felizes na vida de um sujeito que (por um momento) encontrou na vida doméstica uma espécie de idílio. Nashville skyline se entrega já na capa: Dylan sorri como nunca antes, segura o chapéu num gesto elegante, encara a câmera sob o sol de um dia quente. Pois é nesse álbum tão banal, tão pouco inventivo, que o homem o conforto, a plenitude, a paz de espírito e o amor. É tão bonito que machuca (já que nós, pobres ouvintes melancólicos, estamos sempre à procura desses momentos totalmente felizes). E, se vocês buscam um motivo prático para colocar este disco pequeno entre os seus favoritos, Dylan canta como se estivesse descobrindo a própria voz. Uma interpretação serena, despreocupada, sublime – de um jeito que não existe em nenhum outro álbum do homem. Top 3: Tonight I’ll be staying here with you, Lay lady lay, Girl from the North Country

029 | Low | David Bowie | 1977 | download

Quando descobri a discografia de Bowie (aos 15, 16 anos), decidi seguir o itinerário sem grandes estripulias: em ordem cronológica, álbum a álbum. Parecia que eu havia embarcado num foguete que se afastava lentamente do solo. Desde o começo da carreira, o compositor se cercou de símbolos de ficção científica, talvez por não encontrar outra forma de definir uma sonoridade ao mesmo tempo mutante e imprevisível, lost in space, flutuando em gravidade zero. Quando cheguei a Low, bateu em mim a desconfiança de que não havia mais para onde ir: a nave chegou ao ponto mais extremo da viagem. Era como se nosso comandante tivesse decidido abandonar todas as convenções mundanas que ainda apareciam nas jornadas anteriores para se escorar num estilo ainda virgem, ainda em gestação. Work in progress. Expedição inacabada. Nos discos posteriores, o encontro com o produtor Brian Eno ganharia um formato mais preciso, mais palpável. Mas foi em Low que Bowie dividiu com o público o prazer da descoberta de um planeta exótico, de um som novo. Ele gravaria ainda meia dúzia de belos discos: nenhum tão insólito quanto este. Top 3: Sound and vision, Speed of life, Warszawa.

Após o clique, confira os discos que já apareceram neste ranking.

Leia o resto deste post »

Os discos da minha vida (33)

Postado em

Só por hoje, vou simplificar a equação. Os discos + Minha vida = Saga dos 100 discos da minha vida. Capítulo 33. 

Facinho.

Sem pormenores, então. Que não tá fácil pra ninguém, a vida. Tenho uma montanha de livros para ler, muitos discos para ouvir, filmes para três vidas, séries de tevê que adormecem na dimensão dos desejos que não serão realizados. No meio tempo entre uma e outra coisa que não vou fazer, ainda tenho que aprender a fritar ovo e a talhar madeira. Hoje, o que me resta é escrever este post, esticar as pernas na cama e dormir. Que o tio aqui está pregado. 

E ainda tem que peça pra eu escrever mais sobre cinema. Vocês, hem.

Os dois discos deste post são insubstituíveis. Caso contrário, não estariam entre os meus 40 favoritos de todos os tempos. Darei um jeito de encher uma caixa de papelão com os 40 disquinhos, daí vou carregar todos comigo para uma ilha deserta. Vamos ficar bem.  

036 | Daydream nation | Sonic Youth | 1988 | download

Este é um dos raros discos de rock que a Biblioteca do Congresso, nos Estados Unidos, selecionou para efeitos de preservação. É justo. Mas imagino o que vai acontecer quando, daqui a 50 anos, um menino muito curioso, 12 anos de idade, se aventurar numa pesquisa sobre a música pop do fim do século 20 e esbarrar nisto aqui. Certeza: um tanto de susto será inevitável. Ainda mais se ele tiver crescido na companhia de bandas que se acostumaram ao conforto das escolhas óbvias, dos pequenos riscos, dos hits de efeito imediato e curta duração. O Sonic Youth de Daydream nation é um esporte inseguro: as longas jam sessions que deram origem ao disco transformam cada música em cruzamentos de pop e vanguarda, Jimi Hendrix e Joni Mitchell, Neil Young e Andy Warhol. O estilo da banda já estava criado, mas aqui ele é amplificado numa moldura monumental. Para museus de arte contemporânea, garagens encardidas e afins. Top 3: Teen age riot, Providence, Silver rocket.  

035 | What’s going on | Marvin Gaye | 1971 | download

What’s going on é soul music naquilo que, a partir dos anos 70, o gênero teria de essencial: um homem perplexo diante do mundo. Depois de se tornar uma das vozes mais populares da Motown, Gaye ignorou as obrigações do pop-para-rádios para compor um disco que pode ser “lido” como uma carta aberta, uma crônica pessoal sobre o início dos anos 1970. O personagem principal – um veterano que retorna do Vietnã e encontra um país despedaçado – era um reflexo do cantor, perdido numa década que não prometia ilusões. A pergunta que guia o álbum ecoava, por isso, com o poder de um emblema: “O que está acontecendo?”. Ainda ecoa, aliás. Hoje, pode não ser fácil a identificação com versos que comentavam um período histórico muito específico. Mas o sentimento de inadequação que transborda nessas canções é universal, eterno, e continua a nos emocionar. Top 3Mercy mercy me, What’s going on, Inner City blues.

Os discos da minha vida (30)

Postado em Atualizado em

É carnaval, afinal: a saga dos 100 discos que jogaram serpentina na minha vida apresenta dois clássicos para ouvir antes da quarta-feira de cinzas.

O blog está um pouco combalido, coitado, numa eterna ressaca de viver, mas este ranking não nega fogo. É muito chão, ó folião. Muito samba, suor e download.

Se este blog fosse uma escola do grupo especial, estes discos desfilariam na velha guarda, ensinando à ala dos novatos como é que se dança.

O download é obrigatório. Minto: não é obrigatório nada, já que obviamente vocês conhecem os disquinhos como a palma da mão.

E perdoem o desânimo. Este post foi escrito quando o trio elétrico passou na poça de lama e deu um banho no sujeito que estava ali no calçamento. O sujeito era eu. Em outras palavras: muito trabalho e pouca diversão fazem do Tiago um blogueiro sem paixão.

E chega de concentração.

042 | Younger than yesterday | The Byrds | 1967 | download

“Então você quer ser um astro de rock ‘n’ roll?”, provoca o Byrds, logo na faixa de abertura deste disco. Antes de inventar o country rock (e Sweetheart of the rodeo é desses discos indispensáveis), a banda de Jim McGuinn e David Crosby ajudaram para criar a ideia de juventude que fez dos anos 60 uma década fundamental para a música pop. Genial já no título, Younger than yesterday é todo dedicado a essa mescla de ingenuidade e atrevimento, como se dissesse adeus a um tempo que estava prestes a mudar. No lado B, a versão para My back pages (Bob Dylan) funciona como uma declaração de intenções: uma banda de rock um tanto saudosista, mas que nada pode fazer além de olhar para frente — quase por acaso, ia deixando discos extraordinários no meio do caminho. Top 3: Have you seen her face, My back pages, So you want to be a rock ‘n’ roll star

041 | Exile on Main St. | Rolling Stones | 1972 | download

Ninguém deve entrar na discografia do Rolling Stones por esta porta aqui, mas foi o que aconteceu comigo. Não me arrependo, mas audições compulsivas de Exile on Main St. podem lançar uma luz dura, cruel, sobre os outros álbuns da banda. Seria melhor tratamos como uma espécie de hors concours: nas primeiras audições, soava como pura selvageria — a longa jornada de um grande grupo de rock rumo à selva do blues. Literalmente: soul music. Depois, já conhecendo a história do disco, percebi que ele vai muito além de uma homenagem a certas tradições americanas. Este mamute registra os humores de uma banda que é sim gigantesca, por vezes caótica, e, por isso tudo, se revela por completo quando numa sala espaçosa, com tempo livre, dezenas de guitarras coloridas para brincar. Um retrato ampliado, este aqui. Top 3: Shine a light, Tumbling dice, Rocks off.

Os discos da minha vida (27)

Postado em Atualizado em

O capítulo de hoje da indomável saga dos 100 discos vai ao habitat de uma espécie perigosa: os discos aparentemente mansos sobre sentimentos selvagens.

Cuidado com eles.

Antes de escrever alguns garranchos sobre esses dois álbuns tortuosos – e extraordinários – preciso lembrar-lhes das regras deste ranking. Isto aqui é uma seleção absolutamente pessoal de discos que foram pontilhando alguns dos momentos mais importantes da minha vida. É isso e só isso.

Portanto, nada de vir reclamar que o disco X está muito atrás do disco Y, ou que o disco Z foi subestimado e que o disco K, ignorado. A brincadeira não tem nada a ver com isso. E, sem querer ser grosseiro, tem muito pouco a ver com você – ainda que eu recomende com força o download de desses álbuns, que continuam me emocionando ano após ano.

Muitos dos discos desta lista fazem parte do cânone da música pop. Vocês o conhecem ou ouviram falar sobre eles. Há uma parte desse ranking, no entanto, que correu pelas bordas dos top 10s e, na opinião deste blogueiro, merece um pouco da sua atenção, ó leitor. É o que acontece neste episódio de número 27. Um deles é o clássico. O outro é aquele que, num mundo perfeito, seria um clássico.

Não estamos num mundo perfeito, eu sei, mas este blog tem uma missão a cumprir.  

048 | Mighty Joe Moon | Grant Lee Buffalo | 1994 | download

Muito antes de integrar o elenco de Gilmore Girls e de gravar discos com alguma maquiagem pop, Grant-Lee Phillips era o homem dos falsetes infinitos, que parecia ter encontrado um atalho secreto para conectar a rusticidade do country rock com a sensualidade do glam. Fuzzy, da estreia, é a canção indie mais sexy dos anos 90 – mas é no segundo álbum que o som do Grant Lee Buffalo explode em milhares de cores numa tela gigante de Drive-in, sem a vergonha de nos seduzir com efeitos de estúdio e riffs que se lambuzam com as apelações do hard rock. Como os discos que Elliott Smith gravou para a Dreamworks, este também apresenta uma versão compacta, pontiaguda (talvez polida) de um estilo já totalmente pronto. Talvez não seja o melhor da banda, mas é aquele que esconderemos para sempre nos nossos armários, junto com os velhos gibis soturnos e as blusas de flanela: um disco perfeito para uma época que menosprezava discos perfeitos. Sugiro o seguinte: dane-se a época, fiquemos com o disco. Top 3: Mockingbirds, Rock of ages, Drag.    

047 | Astral weeks | Van Morrison | 1968 | download

Talvez o disco mais difícil da minha adolescência: não foi na primeira, nem na segunda, nem na terceira tentativa que finalmente consegui comprar o tíquete para a terra nebulosa – mágica, não duvide – de Van Morrison. É um dos álbuns mais importantes dos anos 60, principalmente por catalisar uma série de signos da contracultura: o lirismo beat, o folk à Dylan, o jazz e o blues, o misticismo riponga e a imagem de liberdade anexada à figura de um homem que inventa a própria bússola e assim desbrava o mundo, sem lenço ou documento. Mas (e vocês querem sinceridade, certo?) eu só consegui me afeiçoar por ele quando percebi que ele pode ser compreendido como uma das seções de O som e a fúria, de Faulkner: um narrador que, com uma voz muito particular, tenta dar conta de um ambiente. Admita: você nunca vai entender verdadeiramente o que Morrison quer dizer. Mas olhar o mundo através dessas canções ainda pode ser uma experiência fascinante. Top 3: Cyprus Avenue, Madame George, Astral Weeks.

Os discos da minha vida (26)

Postado em Atualizado em

A saga dos 100 discos da minha vida chega a um episódio histórico. Sim, meu amigo, aqui começa o tão aguardado, o tão especial, o irresistível, o atraente, o galante… Top 50.

Sim, meninos e meninas! Estamos exatamente no meio do caminho. Sabe quando você espia o retrovisor e está muito longe para voltar? É a estrada que tomamos. 

A partir de agora, este ranking passa a contar a história dos 50 álbuns que estariam na cabeceira do meu quarto se nela coubessem 50 álbuns. Lembrando (e nunca é tarde para que você aprenda as regras do jogo) que esta é uma lista absolutamente pessoal, que obedece critérios que só eu compreendo. Os discos da minha vida, capiche? Não serve para coisa alguma, mas ganha automaticamente o direito de fazer o download de álbuns nada vulgares.

No capítulo de hoje, dois discos atrevidos. Um bom negócio, garanto. Boa metade de viagem pra você. 

050 | Ramones | Ramones | 1976 | download

Um álbum que acompanhou toda a minha adolescência sem que eu precisasse parar e ouvi-lo com atenção. Essas músicas simplesmente estavam por toda parte: nas festas dos colegas de colégio, no walkman da minha primeira namorada, na MTV e na abertura do showzinho de rock. Depois, aos 20 e poucos, decidi que era hora de tratá-lo com algum cuidado, e foi só o começo da maratona: virei noites ouvindo a discografia completa do Ramones, me apaixonando e desapaixonando por um som que sempre me pareceu primário (hey, ho! let’s go!) e essencial. Dizem que o punk nasceu aí. Há controvérsias, mas este também é um disco cujo punch não perde o sentido quando destacado do contexto daquela onda musical. Talvez seja mais prudente encará-lo sem tantas complicações: o som dos rapazes que se vestem de preto, matam aula, enfrentam o bons hábitos, dão de ombros para os penteados simétricos e contam as melhores piadas. Tudo o que queríamos ser e não fomos. Top 3: Blitzkrieg bop, Let’s dance, Judy is a punk

049 | Histoire de Melody Nelson | Serge Gainsbourg | 1971 | download

Um homem de meia-idade atropela uma adolescente angelical e o que segue é a obra de arte mais provocativa, perversa e, vá lá, sexy desde Lolita. Ou seria mais justo tratá-la como uma versão pop art do romance de Nabokov, com o colorido das latas de sopa Campbell e as melodias familares, adocicadas da muzak? Isso ou aquilo, de uma forma ou de outra, é o álbum mais escandalosamente tocante de Gainsbourg – não à toa, influência óbvia para disquinhos também enloquecidos de desejo como Moon safari, do Air, e Sea change, do Beck. É curto (27 minutinhos) e sedutor: já na segunda audição, nos prendamos por livre e espontânea vontade nesse delírio infernal, o sonho de um homem que não conhece os próprios limites. E o Super-ego, desta vez, teve que esperar. Top 3: Ah! Melody, Melody, Cargo culte.

Os discos da minha vida (25)

Postado em

A saga dos 100 discos que conheço como a palma da minha mão chega a um capítulo especialmente doméstico. Vamos esfriar a cabeça e conversar sobre família? Só por um minuto?

Sei que há temas muito mais urgentes (questões sobre gagueira em O discurso do rei, para ficarmos num tópico muito quente), mas este ranking já é grandinho e anda com as próprias pernas. Deixem o moleque ser feliz, ok?

Voltando ao tema: família. Os discos de hoje se aninharam na minha vida graças às influências da minha mãe e do meu padrasto. Eu disse que seria uma listinha muito pessoal, certo? Sejam bem-vindos à sala de estar.

Também são discos que, durante a infância, eu detestava até a morte. Detestava até debaixo d’água. Detestava até com cobertura de chocolate. Detestava até com geleia de framboesa. Detestava. Detestava.

E detestava porque eles sempre estavam lá. Eles sempre estavam rodando na vitrola. Produziam ruídos familiares. Acredito até que fui um pouco alfabetizado por eles. Primeiro em português, depois em inglês. Quando comecei a crescer, e a rejeitar tudo o que pertencia aos meus pais, esses dois discos sofreram muito, pobrezinhos.

A redenção veio muito depois, quando eu fiz 20, 25 anos, e voltei aos álbuns que soavam como parte do meu organismo. Fui ouvir os discos a sério e descobri que eles eram velhos companheiros. Irmãos briguentos, mas adoráveis. Irmãos que desaparecem e depois voltam. Irmãos que, quando a gente menos espera, começam a fazer falta.

É esta a história. Vamos a eles, esses bastardos cheios de glória.

052 | Construção | Chico Buarque | 1971 | download

Entre os discos do Chico, não é aquele de que minha mãe mais gosta (de longe, o preferido é Almanaque), mas é aquele que gravei numa fita cassete e levei comigo. Com o tempo, quando abandonei os traumas de infância e me familiarizei com a discografia inteira do homem, descobri aquele que talvez seja o mais valente dos discos brasileiros. Destemido em tudo: nos arranjos épicos de Rogério Duprat (que o aproximam de uma sonoridade tropicalista, impensável nos álbuns anteriores, muito comprometidos com a tradição do samba), em versos que confrontam o regime militar com uma proximidade quase suicida, nas canções que descortinam um país tomado por um certo mal estar (mas um Brasil também infinitamente lírico, vasto). Tudo isso e sim, claro: um disco mais moderno do que 90% do que é gravado hoje no país. As mães, acredite, têm razão. Top 3Deus lhe pague, Valsinha, Construção.

051 | The dark side of the moon | Pink Floyd | 1973 | download

O disco favorito do meu padrasto sempre me pareceu de uma pompa insuportável. Lembro que, aos 12 anos, eu reclamava sempre que os sinos começavam a soar na sala – e isso acontecia praticamente todo fim de semana. Era o álbum que, na época, representava tudo o que eu queria combater: os enormes monumentos erguidos por meus pais. Eu me trancava no quarto e ouvia grunge, punk rock. Foi muito tempo depois, quando até o meu padrasto parecia ter se cansado do tilintar da máquina registradora (e de outros efeitos especiais), encontrei nas canções o lado obscuro da minha adolescência. O som que batia à porta do meu quarto. Foi como voltar àquelas tardes tão banais: meu padrasto encostado na janela, sugado por melodias que irradiavam de outro planeta. Uma parte da vida também foi engolida por este disco, e aí não importa mais se acho uma grande de uma chatice cósmica (mas fiquem tranquilos: não é). Top 3Breathe, Us and them, The great gig in the sky.

Kiss each other clean | Iron & Wine

Postado em Atualizado em

Eis a reviravolta mais chocante deste estranho início de 2011: as vidas do Iron & Wine e do Decemberists, que habitavam cidadezinhas americanas tão distantes uma da outra, acabaram se cruzando.

A terra de Samuel Beam, que atende por Iron & Wine, era silenciosa, menos de mil habitantes, arejada por uma brisa morna e delimitada por árvores amareladas. Um outono sem fim. Muitos motivos para ficar em casa, amparado no violão, sussurrando ao gravador.

Já o lar de Colin Meloy, o macho-alfa do Decemberists, era extravagante de uma forma um tanto decadente, cenário desgastado de um musical dos anos 1950. Os moradores usavam roupas de outras épocas e desfilavam em carros grandões, démodé. Toda semana, tios e tias dançavam no baile da primavera.

Resumindo, sem encenações esdrúxulas: há cinco ou seis anos, o Iron & Wine nos obrigava a apertar o fone de ouvido para captar cada detalhe de um estilo sutil, introvertido. Já o Decemberists se tornava cada vez mais barroco, perdendo as estribeiras disco a disco.

A novidade é que, em 2011, ambos se mudaram para o Sul. São vizinhos num bairro “família”, confortabilíssimo, onde os tiozinhos abrem as janelas e regam jardins enquanto escutam os greatest oldies de uma juventude que acabou nos anos 1980.

Os famosos da comunidade lançaram discos que podem até não compartilhar as principais referências, mas inspiram a imagem de um entardecer desbotado, capturado por uma câmera fotográfica antiga. Em película. São álbuns que nos acolhem, nos afagam, nos convidam para jantar e nos recebem com uma fatia de bolo de chocolate.

Samuel comentou que, em Kiss each other clean, a intenção é sintonizar o climão aveludado, melodioso, dos primeiros hits de Elton John. Estamos no início dos anos 1970, pois bem. Já Meloy, nos comentários sobre The king is dead, apontou para o período de formação do R.E.M. Início dos 1980. A primeira coincidência aparece aí: são lançamentos que tentam recuperar o frescor, a inocência, o otimismo dos Primeiros Discos.

As semelhanças ficam ainda mais claras nas estruturas das canções, que, nos dois casos, optam por formas simples, cores primárias, como se tentassem reproduzir (e amaciar, atualizar) o que há de mais básico no folk: são canções que sobrevivem porque assimiladas e amadas pelas pessoas, que as armazenam na memória e as presenteiam naturalmente aos filhos e netos. Canções de domínio público.

As duas bandas usam estratégias quase opostas para cumprir esse objetivo. Em The king is dead, o Decemberists se despiu do figurino rococó e trocou o romantismo pelo bucolismo. Em Kiss each other clean, o Iron & Wine acrescentou sacarose pop — e saxofones brejeiros à soft rock que deixariam Dan Bejar, do Destroyer, muito orgulhoso — a um estilo antes esquelético. É uma transformação que começou no anterior, The shepherd’s dog (2007), mas que agora finalmente desabrocha.

São transformações cujos resultados querem provocar quase o mesmo tipo de efeito: são discos arredondados, galantes, e elegantemente antiquados, e devem soar especialmente bonitos quando em vinil ou jukeboxes. Como se cobrassem do indie rock de 2010-2011 um pouco mais de formosura.

Difícil não sorrir para eles.

Só percebo que, enquanto o Decemberists aplica esse corante a uma superfície fina (é um disco de beleza unidimensional, que vai perdendo densidade quanto mais voltamos a ele), o Iron & Wine trata essas intenções todas de uma forma mais profunda, e Samuel deixa a impressão de que passou anos e mais anos refletindo sobre as estruturas dessas canções. Cada faixa do disco soa como o trabalho de um mês. Páginas escritas e depois reescritas.

É um disco que se impõe refrão a refrão, palavra a palavra, com a segurança e a concisão que encontramos em álbuns como The greatest, da Cat Power, ou The reminder, da Feist.

É, sobretudo, um disquinho muito bem editado. Não é longo (tem apenas 10 faixas), mas abre frestas para um ambiente amplo, de muitos cenários e possibilidades. Visita, sem vergonha, a singeleza indie de um The Shins (Walking far from home), a precisão de uma velha canção da Tin Pan Alley (Half moon) e brincadeiras psicodélicas que lembram a fantástica fábrica de Jon Brion (os barulhinhos fofos de Monkeys uptown).

E é um álbum que não se cansa nunca, que parece sentir prazer com a mudança que operou. Um temperamento de criança diante de brinquedo novo. Na penúltima faixa, Glad man singing, toma um desvio e paquera as baladas inglesas pomposas do The Verve, do Stone Roses. Nem parece que estamos na cidade, no mesmo país de onde essas canções partiram.

A unidade do disco, no entanto, está na leveza. O Iron & Wine já lançou projetos mais desafiadores, que nos conquistam quando estamos prestes a abandoná-los. Os mais desconfiados podem acusar a influência da Warner, a grande gravadora que controla a tesouraria do álbum (já o Decemberists lança pela Capitol; dois ex-indies). Mas essa não é a praia de Kiss each other clean. Estamos falando de um disco pop que prefere o coração ao cérebro, que se entregam no primeiro encontro. Sorvete vermelho derretendo.

Quando ouço logo depois do álbum do Decemberists, soa como o início de um movimento. Um ato de protesto. A favor das canções agradáveis. Contra os garotos cínicos da classe.

Quarto disco do Iron & Wine. 10 faixas, com produção da própria banda. Lançamento Warner Bros. 8/10

Os discos da minha vida (19)

Postado em Atualizado em

Ninguém pediu, mas cá está ela. Depois de uma pausa mais ou menos longa, voltamos a sintonizar a saga dos 100 discos que sonorizaram a minha vida.

Notícia triste: o fim não está próximo.

Explicando as regras do jogo, mais uma vez: este é um ranking totalmente pessoal, cheio de idiossincrasias, serve tão somente para que você entenda quem eu sou. Há, por exemplo, mais discos dos anos 1990 do que de qualquer outra década — foi a época em que comecei a ouvir discos compulsivamente. Um lista que não faz muito sentido, entende? Que não ordena o caos. Que não orienta nada. Por isso, liberte-se da lógica e deixe a vibração fluir.

Neste capítulo, dois discos que não têm nada em comum além do fato de que voltei a eles recentemente, e com muito entusiasmo. Daí que confirmei o seguinte: além de importantíssimos para a minha vida, são obras-primas que poderiam estar em qualquer lista séria de grandes discos que você precisa ouvir antes de se mandar para a Lua.

Não que alguém esteja pensando em se mandar para a Lua, mas é um plano interessante.

064 | Ladies and gentlemen we are floating in space | Spiritualized | 1997 | download

Foi lançado na Inglaterra exatamente junto com Ok computer (16 de junho de 1997, anote no calendário dos Dias Que Abalaram a Música), só consegui ouvir muitos meses depois, quando o CD desembarcou na loja de importados. Acabei construindo uma aura em torno dele que a primeira audição quase destruiu. Quase. Talvez um garoto de 17 anos não saiba (ou não queira) entender o quão desesperado é o desejo de Jason Pierce por “um pouco de amor para mandar a dor embora”. Um pedido de ajuda, sim. Mas também um dos álbuns de rock mais imponentes da minha adolescência, que transportou o rock britânico dos anos 1990 a outras galáxias e nos deixou flutuando no ar. Top 3: Stay with me, Ladies and gentlemen we are floating in space, Electricity.

063 | American beauty | Grateful Dead | 1970 | download

Um dos discos mais queridos (e mais amáveis) do Grateful Dead talvez não represente tão bem o alcance da banda (Workingman’s dead, o anterior, talvez seja ainda mais redondo), mas é o meu preferido. A começar pela faixa de abertura, Box of rain, que contém tudo o que me atrai no country rock (e não é só um gênero musical, certo? É um estilo de vida). Um daqueles discos em que ouço o som de uma banda totalmente feliz com o som que consegue produzir. Dá um pouco de inveja: todas as faixas importam, e elas acabam retratando o clima de uma época sem que isso pareça um fardo, uma missão pesada demais. A perfeição pode ser doce. Top 3: Box of rain, Sugar Magnolia, Truckin.

Superoito express (34)

Postado em Atualizado em

Tron: Legacy | Daft Punk | 6.5

Pode soar como uma trilha sonora muito funcional, daquelas que só fazem sentido quando anexadas às imagens do filme. Mas é um disco mais engenhoso do que isso: como de costume, o Daft Punk vai ao laboratório e altera a composição de gêneros já muito conhecidos. Em Discovery, a matéria-prima era a disco music. Em Human after all, os riffs de hard rock. Agora, a pompa cinematográfica de maestros como Maurice Jarre e Vangelis.

A orquestra de 85 integrantes não intimida os nossos robôs favoritos, que vão alternando elementos de música erudita com a eletrônica mais comercial. O mix não soa agressivo, pelo contrário (a sensação é de que já ouvimos esta trilha outras vezes), mas a ideia de recombinar vários clichês de soundtracks explica muito sobre os métodos da dupla. As faixas aterrissam aceleradamente – às vezes desembarcam sem que as notemos. Quase impossível amá-las. Mas brilham feito vagalumes.

Body talk | Robyn | 8.5

Quando escrevi sobre os dois ótimos minidiscos que Robyn lançou durante o ano, comentei que, unidos num mesmo pacote, eles dariam no grande álbum pop de 2010. Pois bem: aí está ele. As novas faixas deste Body talk redux podem não provocar dependência química, mas o set já soa como greatest hits. Pelo menos 80% das músicas entende o que há de mais poderoso na música pop: cumplicidade e catarse. Com arranjos introspectivos, seria um dos discos mais melancólicos da temporada (reparem nos versos sobre amores perdidos, crises de identidade, depressão e solidão). Mas o clima é festivo de doer. Blood on the dancefloor.

Come around sundown | Kings of Leon | 5.5

Remete aos dois primeiros discos da banda — sob uma brisa de country rock setentista —, mas o Kings of Leon continua gravando álbuns que me parecem unidimensionais: uma única ideia não muito particular aplicada repetidas vezes, com um estilo reto, plano, “honesto”. Ainda não me convence, mas fico muito satisfeito que eles tenham abandonado alguns dos artifícios dos álbuns mais recentes, principalmente aquele verniz genérico de “modern rock” que os transformou quase que numa boy band. De qualquer forma, aposto que muitos dos fãs vão tratar este disquinho amarelado, despreocupado, como uma pausa para admirar a paisagem. Tem lá alguma beleza.

Happiness | Hurts | 5

Uma estreia que sofre de excesso de informação, como se cada faixa tivesse a obrigação de servir como carta de intenções para a banda. Pior é quando se nota que a banda em si nada tem de extraordinário: apesar do hype da imprensa britânica, o duo de Manchester não é o primeiro (nem será o último) a atualizar o synthpop dos anos 1980 — no caso, mais para New Order do que para Pet Shop Boys. Três singles muito fortes (Wonderful life é daqueles que não se esquece nunca), mas deixa a sensação de que eles ainda precisam encontrar alguma tesouro no mar de purpurina. De qualquer forma, confirma a tendência da imprensa inglesa para superestimar projetos imaturos.

Innerspeaker | Tame Impala

Postado em Atualizado em

Sempre me senti cúmplice dos discos febris, complexados, aqueles que ardem de dor e não se aguentam em pé. Talvez em contrapartida, não consigo esconder certa inveja (às vezes ocultada em despeito) dos álbuns confiantes, esguios, que falam alto e miram a garota mais bonita da festa. Eu os admiro, mas quase nunca entendo como eles funcionam.

Essa minha relação patológica com a música pop explica por que não consigo me conectar com o Kings of Leon (conheço dois ou três chapas que me lembram os irmãos Followill, e nunca tenho assunto para conversar com eles) e por que subestimei este álbum perfeitinho do Tame Impala, Innerspeaker, que foi lançado em maio e só chega a este blog agora.

Vou tentar não ser tão passional desta vez, ok?

Preciso ser honesto, no entanto (e este é um blog terrivelmente honesto, no fim das contas): tento me aproximar deste disco há alguns meses e, durante esse tempo todo, não consegui superar a impressão de que havia algo frio na pompa psych-prog, no escopo largo e caleidoscópico dessas canções. Não há, mas os meus preconceitos em relação às Bandas que Agarram o Mundo pelo Pescoço quase me fizeram a acreditar que eu estava com a razão.

Em matéria de ambição, o Tame Impala me transporta ao mundo em degradê (e, para mim, tedioso, quase insuportável) de bandas como Kula Shaker e The Music: os australianos também tecem um edredom espesso de referências psicodélicas dos anos 60 e 70, com algo de Beatles-67 e muito das primeiras experiências do Pink Floyd. Cada uma das faixas parece ter levado cinco anos para ficar prontas – exprimem obsessão com detalhes, zelo com arranjos e produção. Entre as referências, o quarteto também fala em Josh Homme e Beck, dois sujeitos que se importam tanto por melodia quanto por criar as atmosferas que as mereçam.

Quanto mais se ouve o disco, no entanto, mais se nota que essa aparência rococó esconde canções diretas e pegajosas, com a doçura onírica do garage rock britânico do fim dos anos 1960 (como tantas bandas, entre elas o The Coral, o Tame Impala deve muito ao box Nuggets, que restaurou a produção mais obscura da época). Três singles – Solitude is bliss, Lucidity e Expectation – têm refrões tão arredondados e acessíveis que justificam o lançamento do disco por um selo indie da Austrália ligado à Universal Music.

Selo indie + Universal Music = Tame Impala, e a equação explica quase tudo o que deveríamos saber sobre a banda.

Voltemos ao Kings of Leon, então: o Tame Impala tem em comum com os irmãos Followill o gosto muito sincero, legítimo, por um formato de canção e de álbum que agradaria a executivos de grandes gravadoras nos anos 70. São discos que em alguns momentos se arriscam, mas sempre retornam a um ponto firme de diálogo com um público mais amplo (um modelo mais parecido com aquele que rendeu What’s the story morning glory, do Oasis, do que para o que gerou obras do Animal Collective ou Beach House).

O Tame Impala me parece uma banda enorme e lucrativa que, por enquanto, é consumida por um público pequeno (mas eu não duvidaria nada se eles dessem o salto de popularidade que o Kings of Leon deu com os últimos dois discos).

Innerspeaker, a “certidão de nascimento” deles, é um disco correto em tudo. Quase inatacável. Tão correto que pode parecer um truque: alguns versos são sentimentais e frágeis, quase adolescentes (ouça Why won’t you make up your mind?), mas o tom do álbum é de uma segurança de doutorando. E, até para um sujeito como eu, que desconfia dos primeiros da classe, é empolgante acompanhar uma banda nova que está tão certa de onde quer chegar. Que é tão confiante e esguia e saudável.

Imagine isto: você é o responsável por uma sessão de testes de elenco para uma peça de teatro. Você testa um, dois, três, vinte atores. Eis que o candidato de número 26 não apenas cumpre rigorosamente as suas expectativas como mostra que aquele espetáculo é pequeno para um performer tão determinado. Você fica admirado, ainda que talvez não muito comovido, com a demonstração de técnica, esforço e talento.

O Tame Impala é assim: um aspirante aplicado, que parece ter estudado centenas de referências de pop rock e que as organiza como um catálogo de sentimentos fortes, ops, universais (cortesia do vocalista Kevin Parker). Há momentos em que se torna impossível evitar o contágio: faixas como It is not meant to be e Alter ego são de beleza quase sufocante, o tipo de veneno irresistível para qualquer roqueiro indefeso que se pegou chorando com uma canção de Brian Wilson.

Mas a diferença entre Wilson (e os discípulos mais autênticos e sangrentos de Wilson) e o Tame Impala é que, por enquanto, os australianos demonstram mais habilidade com a técnica do rock psicodélico do que com o desejo de espontaneidade siderada, de invenção louca, de viajar ao “lado negro da lua”, que os ídolos da banda demonstravam.

É aí que Innerspeaker passa a me perturbar: soa como uma jornada que não nos oferece tantos perigos. Mas que, é claro, admiro: sem muita comoção e com uma ponta de inveja, talvez por não encontrar nele os defeitos que eu esperava encontrar. Ou talvez por ser o tipo de disco precocemente maduro que eu nunca conseguiria fazer.

Primeiro disco do Tame Impala. 12 faixas, com produção de Kevin Parker. Lançamento Modular Recordings. 7.5/10

Os discos da minha vida (13)

Postado em

Bom dia, amiguinhos, cá estamos nós: mais uma segunda-feira, mais um capítulo do enorme folhetim sobre os 100 discos que enevoaram a minha vida, mais um post escrito diretamente de São Paulo, mais um dia nublado.

Por coincidência, no capítulo de hoje, dois discos para manhãs nubladas. E não vou explicar mais nada – vocês sabem como esta máquina funciona, e prometo que ela vai funcionar exatamente deste jeito até o fim.

076 | Deserter’s songs | Mercury Rev | 1998 | download

Em 1998, Deserter’s songs era o álbum de ‘space rock’ que despertava paixões fulminantes e encabeçava listas de melhores do ano. Hoje, até entendo quem o trata apenas como um herdeiro psicodélico da primeira fase do Pink Floyd: tal como Syd Barrett, Jonathan Donahue escreve versos surrealistas para melodias que nos transportam a outras galáxias. O que pode passar despercebido (e seria uma pena se isso acontecesse) é como o Mercury Rev enquadra essas referências num ambiente cinematográfico, em scope, que amplia cada canção até transformá-las em épicos para uma América sonhada, impossível. Ao mesmo tempo, um disco tão franco quanto os trechos finais de Holes, quando Donahue quase que sussurra: “Bandas são planos tão engraçados que nunca funcionam bem”. Top 3: Holes, Tonite it shows, Goddess on a Hiway.

075 | On the beach | Neil Young | 1974 | download

Neil Young tem pelo menos 10 álbuns que entrariam neste ranking, mas On the beach é aquele que, quando tentamos organizar a discografia do homem, não se acomoda em nenhuma classificação: não soa exatamente como um disco de rock (muito menos como um disco de country rock ou de blues), mas como o registro íntimo de uma crise – página rasgada de um diário. A crueza do álbum se aproxima do tom de Tonight’s the night (que, rejeitado pela gravadora, foi lançado um ano depois), mas o que encontramos nestas canções é um Young quase sempre furioso, indomável, socando a parede do showbusiness. “Sou um vampiro, babe”, ele resume, num dos discos mais assombrados que eu ouvi. Top 3: Ambulance blues, Motion pictures, Walk on.