Anos 00

Os discos da minha vida (28)

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Sem tempo para os 100 discos, meus amigos. Escrevo este post enquanto devoro um prato de macarrão, telefono para minha mãe, organizo as contas do mês e preparo a lista de compras (supermercados congelam a minha alma). Parece simples. Não é.

Ainda assim, apesar de tudo, resistindo a chuvas e terremotos, cá está mais um episódio da saga dos álbuns que sequelaram a minha vida. Queimando pneus a 120 por hora.

Outro dia eu estava pensando em, depois deste ranking (que só deve terminar em 2020, mas não tenho pressa),  criar uma lista também muito pessoal com os 100 filmes que eu levaria para uma videoteca secreta. Mas aí pensei: será que compensa? Será que eu mereço? Toda essa batalha. Toda essa epopeia. Todo esse suor. Todo esse drama. Todas essas piadinhas infames. Não, não, talvez não.

Me afogo em trabalho e aí percebo que minha vida não é tão espaçosa quanto imagino. Não é furgão; é fusca. No mais, talvez eu tenha que pisar o freio e ficar parado no acostamento um tempinho, admirando a paisagem.

Enquanto isso não acontece, vamos à rotina.

Os álbuns de hoje representam duas vertentes desta lista. A dos discos que entraram na minha vida com um chutão na porta – impossível ignorá-los. E a dos discos que me ensinaram quase tudo o que sei sobre música pop.  Ambos fundamentais – e não sei se pra você também.

046 | Is this it | The Strokes | 2001 | download

Talvez tenha sido apenas um delírio coletivo, mas, quando Is this it foi lançado, soava como o melhor disco do mundo. Parecia tão primário e ao mesmo tempo tão irresistível – riffs e ruídos, verso e refrão -, e talvez por isso deixava a impressão de estarmos começando de novo. Esqueça todos os ídolos: o rock, no nosso rock (que, num surto de euforia, foi apelidado de novo rock), nascia ali. Com o passar do tempo, ficou até um tanto embaraçoso explicar por que este álbum tão sucinto, um resumo do pós-punk de Nova York (numa coleção de singles de dois, três minutos de duração) foi acolhido como um marco. Mas talvez devamos tomá-lo como o sintoma de um período muito específico – o início do século, o começo dos anos 00. Com o placar zerado, o Strokes entrou em cena como um bando de pioneiros. Posudos, estilosos, irônicos, ridículos. Nos tomaram pelo braço. E com eles nós dançamos como se fosse a primeira noite. Top 3Hard to explain, Last nite, Take it or leave it.

045 | The Who sell out | The Who | 1967 | download

Há, é claro, as gravações gigantescas, destemidas, ousadíssimas, que afirmam as possibilidades do álbum enquanto obra, enquanto conceito, enquanto aventura humana (e aí eu penso em Zaireeka, o disco quádruplo do Flaming Lips, que só consegui ouvir integralmente uma única vez, com a little help of my friends). Mas The Who sell out, apesar de ser geralmente incluído nesse Clube dos Grandes Álbuns (com maiúscula), tem uma história um pouco diferente: existe uma ideia forte que sustenta o projeto (soa como se transmitido por uma rádio pirata), mas o humor venenoso do grupo vai corroendo esse arcabouço até nos deixar confusos sobre as intenções do projeto. Autoparodia ou não, piada interna ou não, é um exemplo de que ambição nada tem a ver com sidudez: pode ser hilariante e prazeroso fazer um Álbum, principalmente se você tem à disposição algumas das canções mais saborosas dos anos 60. Top 3I can see for miles, I can’t reach you, Rael.

Forgiveness rock record | Broken Social Scene

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Se o dia durasse 42 horas, eu seria capaz de escrever um livro inteiro — de 500 páginas, não menos — sobre aqueles discos que, goste deles ou não, são pontos de referência para a história recente da música pop. Por que eles se tornaram tão relevantes? Eles fizeram por merecer tanto prestígio? Ou teriam apenas se beneficiado de uma conjunção muito feliz de eventos aleatórios?

Capítulo 34: You forgot it in people, Broken Social Scene.

Não vou arriscar uma explicação demorada sobre o “fenômeno” (isto é um blog, não é um livro de 500 páginas), mas trata-se um desses discos: de uma forma ou de outra, ele simboliza uma das cenas mais importantes dos anos 00. Quando se fala em rock independente do Canadá, é inevitável lembrar de You forgot it in people. Mesmo que você considere o som da banda um tanto irritante, esnobe e caótico. Mesmo que você prefira Wolf Parade.

E isso acontece por que, muito além de ter criado ótimas canções, o Broken Social Scene cristaliza o espírito de uma geração de músicos. No pôster do rock canadense, o que vemos não é um gênero musical específico, mas um mutirão de amigos talentosos que colaboram uns com os outros. You forgot it in people é um disco sobre essa imagem. Superpovoado, oversized. Em algumas canções, tenho a certeza de que ouço toda a população de Vancouver cantando e tocando em uníssono.

No auge do coleguismo, o Broken Social Scene reuniu 15, 16, 17 músicos no palco. Oficialmente, Keven Drew e Brendan Canning tomavam as rédeas da superbanda, mas sempre pareceu complicado, nesse caso, definir hierarquias. Feist, Jason Collett, Stars e Metric usaram o laboratório para aquecer embriões musicais. No disco homônimo, de 2005, a formação mutante e alucinada voltou à ação. Mas já soava como uma polaróide descolorida: timing é um dos principais méritos de You forgot it in people.

No fim da década, a própria banda começou a perceber que o impacto do Broken Social Scene estava atrelado a um período muito específico da música pop. E que aquele tempo havia passado. Brendan Canning e Kevin Drew lançaram discos solo e poucos agregados conquistaram uma carreira estável (Fiest, Metric e quem mais?). O novo disco, Forgiveness rock record, flutua nesse mar manso. Carrega os destroços daquela banda (ou melhor, daquela ideia) que marcou 2002.

Não é um álbum que mereceria um capítulo no meu livro de 500 páginas. Provavelmente, ele não terá importância nenhuma para 2010. Mas, para a trajetória da banda (e, especificamente, para Canning e Drew), soa como um senhor desafio. Os ventos mudaram. Antes, a ordem era fazer-se notar, criar o ruído, ferir nossos ouvidos, demarcar o território, organizar o movimento. Agora, o objetivos são outros, mais complicados: foco e longevidade.

Para nosso espanto, o Broken Social Scene retorna como uma banda quase comum: um septeto que prefere à arte da canção à composição de atmosferas. Produzido por John McEntire (de Tortoise e The Sea and Cake), é um álbum que deve chocar os antigos fãs do grupo: o que eles miram é uma sonoridade límpida, cristalina até nos momentos mais expansivos (caso mais explícito: Ungrateful little father), talvez “adulta”, sóbria. É essa a tela que delimita o disco.

O que emerge dessa transformação é uma reviravolta que, para quem nunca se interessou pela banda, soará como uma revelação muito positiva. É como se eles tivessem se “endireitado”. Admito que esse comodismo me incomoda um pouco (é como se o Wolf Parade tivesse decidido gravar um disco de soft rock, digamos), mas é interessante notar que esta não é uma guinada tão fácil quanto parece.

Desprotegida, longa de muralha de sons que criou para si, a banda poderia muito bem parecer fragilizada, desesperada, ingênua. Não é o que acontece. Forgiveness rock record se revela um disco muito seguro de si, que não sente o peso de uma longa duração (63 minutos) nem parece monótono, aborrecido. O que se nota é um esforço de destacar cada um dos elementos sonoros do grupo, como se fosse possível isolá-los uns dos outros. Daí resulta um álbum que navega do pós-punk ao power pop, que arrisca elegantemente e que ousa trair o movimento criado pelo próprio grupo.

Ouça mais vezes e ele soará até corajoso. O Broken Social Scene que surge aqui é uma banda muito igual a tantas outras. Mas com uma diferença: poucas aceitam a aventura de implodir o próprio mundinho. Eles aceitaram. E, quem diria, são bonitos os cacos que sobraram.

Quarto álbum do Broken Social Scene. 14 faixas, com produção de John McEntire. Lançamento Arts and Crafts. 8/10

The Monitor | Titus Andronicus

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Confesso que eu ainda estava me recuperando de um certo projeto sobre a vida e a obra Charles Darwin quando esbarrei no segundo disco do Titus Andronicus, The Monitor. Que trata da Guerra Civil norte-americana (1861-1865). Respirei fundo. Contei até dez.

É isso aí. Vivemos uma era de grandes, incríveis, mirabolantes realizações, meu irmão.

Antes que você abandone este texto (e este disco) para sempre, repare no que o próprio vocalista da banda, Patrick Stickles, tem a dizer sobre a ambição da coisa: “Não é um disco que se passa no passado. Os personagens não viveram necessariamente aqueles eventos. Na verdade, é sobre como aqueles conflitos, que levaram nossa nação à calamidade, ainda não foram totalmente resolvidos e como essa permanente divisão provoca efeito no nosso comportamento e em relacionamentos do cotidiano.”

Entendeu? Traduzindo: o Titus Andronicus é apenas uma banda de rock mais ou menos típica que, numa espécie de transe histórico, encontrou uma forma inusitada de falar sobre o Grande Tema do Rock — o quão complexas, trágicas (talvez épicas!) são as nossas vidinhas insignificantes.

Daí que as batalhas deste The Monitor (uma referência ao navio de guerra pioneiro USS Monitor) são travadas numa Nova Jersey até muito ordinária. Os heróis da saga são tipos adolescentes que, desencantados, soam como se estivessem verdadeiramente fartos de tudo. Interpretei os discursos de guerra, que intercalam as músicas, como o desejo desses personagens de domar um país hostil, violento, dividido. Mesmo quando não entendemos muito bem os versos das canções, o sentimento de insatisfação está sempre ali, em cores berrantes.

(E vejam isto: cheguei ao sexto parágrafo sem dizer que este é um dos meus discos favoritos deste início de ano. E que ele é algo raro, provocativo, um ‘statement’ de provocar espanto até em quem já conhecia esta banda. Mas ok, perdão, voltemos ao que importa).

A habilidade de usar referências “de época” para comentar sobre os anos 00 é uma habilidade que, para o Titus Andronicus, vem de berço. Já no disco de estreia, The airing of grievances (de 2008, que eu daria um 7.5), eles criavam diálogos imaginários entre Sex Pistols e Albert Camus, Hunther Thompson e Shakespeare — e sem deixar de soar como uma bar band fissurada em punk rock de 1977. Era um álbum ruidoso (e, ouvindo agora, parece um esboço deste novo disco), com vocais abafados e canções que já tentavam distorcer algumas regrinhas do gênero. No “lado B”, as canções No future e No future part 2 é o mais perto que o hardcore chegou do rock progressivo. Juntas, esbarravam nos 15 minutos de duração.

Em The Monitor, os garotos-perdidos surpreendem por ampliar, amplificar esse “lado B”. Um disco mais aventureiro, quase suicida (que rádio vai tocar canções com mais de 6 minutos e intensas variações de climas e andamento?), de alma punk, algo de glicose pop e espírito de explorador. A atitude é firme, bonita. E as canções, depois do estranhamento das primeiras audições, não fazem com que nos sintamos frios e mortos no tiroteio.

Um filme de guerra dirigido por Richard Linklater. Conseguem imaginar?

É que a banda aprendeu, talvez com os discos do Hold Steady (que faz participação especial) e do Bruce Springsteen (homenageado em The battle of Hampton Roads), que um álbum de estrutura tão calculada pode também ser caloroso, urgente. Mais do que surpreender pela “inteligência”, o Titus Andronicus quer criar hinos à moda antiga para um mundo novo. “O inimigo está em todo canto”, berram em Titus Andronicus forever. Em No future part three, que tritura corações, olham para o espelho e desabafam mil vezes: “Você sempre será um loser”.

The Monitor é um disco imenso — e de propósito. E fascinado por fundamentos do rock “clássico” americano. Essa dupla-face poderia parecer um paradoxo, mas não. Nunca sem paixão, o Titus Andronicus entende os desafios de uma banda de rock independente: aproveitar as liberdades do mercado para brincar com as convenções do gênero um tantinho mais, seja como for, com as armas que estão à mão — nem que apenas por um tipo diferente de diversão.

Segundo disco do Titus Andronicus. 10 faixas, com produção de Kevin McMahon. Lançamento XL Recordings. 8.5/10