Animal Collective

mixtape! | de maio?

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A mixtape de maio está muito mais nervosinha e sortida que a de abril porque… porque… hum, porque (difícil explicar essas coisas)… porque chega de melancolia, certo?

Estava eu ouvindo a coletânea do mês passado quando enfim percebi: “Céus, que seleção musical mais sombria!” Curiosamente, naquele cedêzinho a minha intenção era gravar canções otimistas, cheias de afeto e doçura. O que aconteceu?

A mixtape anterior, creio eu, acabou por mostrar o estado de espírito de um sujeito em conflito, ao mesmo tempo entusiasmado com um período de mudanças extraordinárias, mas ainda numa luta terrível para lidar com a morte de uma das pessoas mais importantes da vida dele. Aquele cedê me mostra hoje que a temporada não foi simples.

A coletânea nova é bem diferente, e acredito ter a ver com o ritmo da cidade de São Paulo, onde moro há dois meses, e com uma tentativa (meio desesperada, admito) de seguir em frente. Ela tem alguns vestígios cinzentos, não vou negar, ainda que ma pareça mais agressiva, talvez mais vibrante. Não sei como vocês – os três leitores ainda nesta sala – vão avaliá-la. Só sei que estou satisfeito com o que ouço.

Aqui vocês encontram El-P (que tá lá na foto), Animal Collective, Death Grips, Of Montreal, Santigold, M.I.A., Howler, Damon Albarn, The Walkmen, Schoolboy Q. Algumas das músicas não são especificamente de maio, e entram nesta coletânea porque não conseguiram se encaixar nas anteriores. Encare-a como uma mixtape de outcasts. A lista de músicas está na caixa de comentários.

Espero que vocês apreciem.

Faça o download da mixtape de maio.

Ou ouça aqui:

Vídeos do VodPod não estão mais disponíveis.

Mixtape de maio, posted with vodpod

Tomboy | Panda Bear

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Quando eu era mais novo, abandonei os livros para viver só de blogs.

Me transformei em leitor fiel: de blogs.

A obsessão durou mais ou menos um ano. Dos 16 aos 17. Talvez dos 17 aos 18. Não lembro direito. Nos blogs, encontrei aquilo que os livros não me davam: a impressão de que eu lia textos escritos diretamente para mim.

Parágrafos imperfeitos, toscos, ingênuos, sem rigor nem arte, às vezes sem coisa alguma. Mas verdadeiros, secretos. Havia os impublicáveis, os constrangedores. Era como virar páginas de diários.

Depois cansei da exclusividade e voltei aos livros, que me ofereciam muito mais do que espiadas no buraco da fechadura. Foram poucos os romances, no entanto, que conseguiram simular o efeito de um legítimo texto de blog: palavras íntimas, como impressões digitais, marcando a tela.

Já um tanto farto dos blogs, descobri que esse tipo de contato — sem filtros, franco, às vezes desajeitado — existe mais na música pop do que na literatura. O pop permite os desabafos, as confissões, o verso espontâneo, o pensamento mais vago e juvenil. Talvez porque o pop não se leva muito a sério, não quer imortalizar nada.

Há discos que, de tão sinceros, me tomam de cúmplice. Pink moon, do Nick Drake. Plastic Ono Band, do John Lennon. Sea change, do Beck. Os ouço e penso: estou entrando na casa, no quarto, no espírito desses compositores.

É claro que existe, em todos os casos, uma encenação muito bem feita (gravada e regravada em dezenas de takes) daquilo que conhecemos por sinceridade. Mas são discos que, antes de obras de arte, querem ser entendidos como autorretratos. “Essas canções são eu”, é como se os autores dissessem.

O caso de Noah Lennox, o Panda Bear, explica muito sobre essa tradição de songwriters. O Animal Collective, o grupo de que ele participa, é uma banda cujos versos se tornam cada vez mais reflexivos, mundanos. Mas, paralelamente, Noah foi um pouco além: gravou uma série de discos em primeira pessoa, domésticos, que pareciam ter sido escrito apenas para um grupo pequeno de amigos e fãs. Diários sonoros.

O segundo desses álbuns, Young prayer (2004), foi concebido como uma série de cartas para o pai de Noah, que morreu pouco depois de ouvir algumas das canções do filho. As faixas não têm títulos.

O terceiro, Person pitch (2007), também espelha questões cotidianas do músico: casado, pai de um filho, ele se mudou para Portugal e encontrou-se com o mar. Numa torrente de samplers, as faixas criam um fluxo sonoro circular, aquoso. Ondas batendo nas pedras, num dia de sol.

Discos que soavam como ideias muito particulares de prazer.

Noah não contava com o sucesso de Person pitch (na mesma época, o Animal Collective lançou um disco áspero, acimentado, Strawberry jam). Mas, de repente, a plateia cresceu, a crítica o elegeu favorito e o álbum se tornou uma referência para o uso de samplers e referências de psicodelia sessentista no indie rock.

E vocês sabem o que acontece quando um blog pequeno, sem muitas ambições, se agiganta: quanto mais gente lê, maiores são as cobranças e expectativas sobre o pobre sujeito que escreve.

Resumindo: de um dia para o outro, Noah se viu obrigado a tratar o Panda Bear mais como um trabalho do que como um hobby. “Tive que lidar com duas forças: as expectativas das pessoas e os meus sentimentos”, explicou, numa entrevista. Tomboy, o sucessor de Person pitch, é uma resposta a esse tumulto.

Melhor: é um disco sobre esse tumulto. Nas entrelinhas, ele conta a história de um homem que se vê diante de responsabilidades talvez incompatíveis com os próprios desejos. Os álbuns anteriores eram conversas sussurradas, de amigo para amigo, de pai para filho. O novo é um discurso ao microfone: e nós, nas poltronas, estamos em silêncio, esperando ansiosamente. No ar, dá para sentir o quão tenso é o momento.

Aqui, Noah tenta dar conta de se aproximar de dois “públicos”: a plateia numerosa, anônima, e as pessoas mais próximas, que o conhecem. Na primeira canção, You can count on me, ele se dirige ao filho (“Quero colocar uma bolha ao redor de você, como um campo de força, mas eu sei que manter uma criança em segredo é um truque bobo”) e, ao mesmo tempo, aos fãs. “Você sabe que pode contar comigo”, ele avisa, e promete se esforçar.

Musicalmente, no entanto, a faixa é uma das mais acessíveis que ele já gravou, com vocal cristalino sob areia de sintetizadores à Beach Boys. Está feito o pacto: ele não quer dificultar a vida de quem ouviu Person pitch e gostou.

O peso desse acordo chega na segunda faixa, Tomboy, que apresenta a nova aventura musical de Panda Bear: as experiências com riffs de guitarra (inspiradas, segundo ele, em Nirvana e White Stripes), que vão achatando a mixagem numa repetição hipnótica. Logo aí disco trata de criar um cenário diferente do anterior. Um outro capítulo, pois.

É nessa faixa que a angústia aparece pela primeira vez – e chega para ficar. E Tomboy não é um disco de maré baixa. Aos 32 anos, Noah carrega nos ombros mais de uma dezena de questões sobre a idade adulta, os deveres de pai e artista pop: “Como é minha vida? Como é o meu trabalho? Como eu gasto meu tempo?”, ele vai perguntando, sem respostas, enquanto o mantra eletrônico o envolve numa concha.

Em Slow motion, ele duvida da sabedoria popular. “Quando eu diminuo o ritmo, fica claro: o que conta é aquilo que as pessoas não costumam dizer com frequência”, avisa. Cada verso da canção é um dito popular, que logo cria uma massa de som em que a voz do cantor se confunde com os barulhinhos dos sintetizadores. O homem e a música se transformam numa coisa só.

As incertezas seguem em Surfer’s hymn (os versos vêm bronzeados de filosofia e parafina) e ganham um tom pop na faixa mais direta do disco, Last night at the Jetty. “Quem pode dizer que nós não hoje somos da forma como éramos?”, pergunta Noah, ainda em crise. “Não quero esconder as minhas esperanças”, avisa. Soa como um recado aos que cobram mais do que ele pode ou quer oferecer.

O temperamento de Noah, no entanto, não é de confronto. Tomboy, ao contrário até de Person pitch, é um disco que se mostra generoso, de fácil compreensão (até certo ponto, mais a primeira metade que a segunda), com faixas que duram no máximo seis, sete minutos e que, em alguns casos, se aproximam de formatos mais convencionais (é o caso da sublime Alsatian darn). Ele vai tentando agradar aos dois públicos, ora arredio (Drone, Scheherazade), ora mais comunicativo (Friendship bracelet).

Noah comentou que, em Tomboy, a intenção era, ao entrar num território musical por ele desconhecido, provocar tanta surpresa quanto o disco anterior. Se não soa tão extraterrestre (já que a sonoridade de Panda Bear agora nos é familiar), o álbum mostra a dedicação de um artista que, trancado num sótão, sozinho, num “pesadelo diurno” (o quarto era iluminado apenas por uma lâmpada), tenta transformar e amplificar uma arte que nunca disse respeito a muita gente.

“Alguns podem dizer que vencer não é o mais importante. Mas não há nada mais verdadeiro ou natural do que a vontade de vencer”, ele explica, na faixa que encerra o disco, Benfica. “Não lamento as opções que fiz. Algo se ganha, algo se perde”, resume, em Friendship bracelet.

Tomboy não é o Panda Bear que conhecíamos, não é um álbum tão iluminado quanto Person pitch. Algo daquela velha liberdade se perdeu, mas não deixa de ser o registro frontal de um momento: Noah tenta conciliar o disco que esperávamos dele com o disco que ele queria ter feito. Não soa tanto como um blog ou uma confissão, mas como uma negociação: séria, sim, fascinante (é claro) e tão íntegra quanto tudo o que ele gravou.

Quarto disco de Panda Bear. 11 faixas, com produção de Noah Lennox. Lançamento Paw Tracks Records. 8/10

Superoito express (32)

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The age of adz | Sufjan Stevens | 8.5

Quem ouve apressadamente este The age of adz pode ficar com a impressão de que Sufjan Stevens escolheu um itinerário semelhante àquele que M.I.A. e MGMT tomaram recentemente: a aventura da autosabotagem. Afinal de contas, esta zoeira de ruídos eletrônicos, orquestrações pomposas e arranjos sinuosos é o sucessor de  Illinois (2005), o disco que fez de Stevens uma espécie de Colombo indie. Uma parte numerosa do público, que não acompanha os “projetos paralelos” do músico, possivelmente ainda espera dele uma nova fornada de crônicas americanas narradas com uma caligrafia delicada e pessoal. Esses continuarão esperando, já que The age of adz é um desvio de rota.

Se Illinois era uma viagem de dentro para fora (o homem investiga o país e se enxerga nele), The age of adz se volta a um território sentimental, íntimo. Viagem ao redor do próprio quarto. Mas, ao contrário do EP All delighted people (que apontava para a sutileza folky de Illinois e especialmente de Seven swans), The age of adz envolve essas confissões de Stevens numa colcha de excessos – com barulhinhos, coros angelicais e furacões de sintetizadores -, numa explosão cósmica que nos atira diretamente ao buraco negro do prog rock dos anos 70. 

Quanto mais ouvimos o disco, mais fica claro que a provocação não é gratuita – ele não foi planejado como um suicídio comercial, mas como afirmação de princípios. É como se as faixas, quase sempre incontroláveis, refletissem um compositor de pulsos abertos, afetado por decepções amorosas (e I walked é uma canção de despedida muito direta e tocante), desejo de espiritualidade (Get real, get right), medo da passagem do tempo (Now that I’m older) e outras crises que se enfrenta aos 35 anos. A reação de Stevens a esse cataclisma informa a música que ele produz, mais tensa e caótica do que de costume: The age of adz vai desagradar a quem o conhece como o bom-moço capaz de escrever melodias agradáveis que inspiram publicitários e fãs de Belle and Sebastian; e vai confirmar a fé dos que procuram em Stevens um artista.     

Pop negro | El Guincho | 7

Pop negro soa como o “lado A” de Alegranza! (2008), um disco mais labiríntico (e que me parece mais denso e interessante) do que este aqui. O espanhol Pablo Diaz-Reixa continua combinando loops siderados como um legítimo herdeiro do Animal Collective, mas desta vez ele usa esse método a serviço da sensação de conforto e euforia que se espera de um disco pop. É um álbum que, por isso, deve até incomodar os fãs do anterior – muitas das canções soam como remixes nada radicais para o repertório do Mutantes ou de bandas como Café Tacuba e Aterciopelados. Dito isso (e quebrada essa resistência em relação ao disco), o que fica é a ótima impressão de que Pablo sabe como extrair o sumo de boas canções comerciais e contaminá-lo com psicodelia. É uma festa boa, quente, e que não nos aborrece em momento algum. E ela termina tão rapidamente que dá vontade de ficar ouvindo o disco sem parar.    

Maximum Balloon | Maximum Balloon | 6

Um disco criado para nos provar que Dave Sitek (o “cientista louco” do TV on the Radio) também curte a vida adoidado. Não que ele consiga nos convencer totalmente disso (o pop “desencanado” do sujeito se revela tão engenhoso, tão excessivamente maquinado quanto qualquer outra coisa que ele produziu), mas consegue algo raro em discos superpovoados por participações especiais: ele dá ao som do Maximum Balloon uma unidade forte, como se adaptasse as referências do TV on the Radio (Bowie, Byrne, pós-punk) ao clima febril de uma pista de dança. Agora é esperar que, nos próximos discos do projeto, ele consiga usar essa sonoridade para criar canções tão boas quanto Young love, das poucas que me interessam aqui.

Postcards from a young man | Manic Street Preachers | 6

Depois de reencontrar a fúria (e a ansiedade adolescente) no ótimo Journal for plague lovers (2009), o Manic Street Preachers retorna ao ponto em que haviam parado em Send away the tigers (2007). Isto é: de volta às tentativas de fabricar rock de arena, comercial até a costela, com alguma dignidade. Sabemos que, nesse aspecto, eles não têm noção de limites: daí momentos constrangedores como Hazelton Avenue, que rouba o riff the It ain’t over til it’s over, de Lenny Kravitz. Mas o disco anterior parece ter energizado a banda, que parece mais confiante do que nunca na luta para voltar ao trono do britrock. Quantos euros o Bon Jovi pagaria para escrever uma canção como (It’s not war) Just the end of love? De volta à realidade, pois.

Bluish | Animal Collective

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Tudo azul (e um pouquinho vermelho) no novo clipe do Animal Collective. Dirigido por Jason Oliver Goodman, o vídeo tem constelações, bolhas de sabão, dançarinas exóticas e tudo aquilo que a gente imagina quando ouve esta que é uma das minhas canções favoritas do grande Merriweather Post Pavilion. Boa viagem.

Os discos da minha vida (6)

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Esta semana, na infinita saga dos discos que assombraram a minha vida, um parzinho insólito: um álbum que representa muito bem a minha infância e outro que explica quase tudo sobre o período em que (creio eu) virei adulto de vez. Tiago aos sete versus Tiago aos trinta. Um confronto que, para mim, é muito emocionante, muito profundo. E que, para vocês, é só mais um post de blog.

E é óbvio que você, leitor inteligente deste sítio, vai fazer o download desses disquinhos tão especiais. Semana que vem (se o mundo não se transformar em geleia cósmica) tem mais. 

090 | Merriweather Post Pavilion | Animal Collective | 2009 | download

Em dezembro de 2008, logo que este disco vazou na internet, eu o levei para uma viagem que fiz ao Rio de Janeiro. Foi um feriado em grande parte tranquilo, mas naquela época eu só conseguia pensar (em vão, é claro) no meu futuro. O que eu faria dele? Qual seria o próximo passo? Não foi a primeira vez em que eu me vi na pele de um adulto – de um homem responsável pelas próprias escolhas, sozinho no mundo -, mas naquele momento eu pude sentir claramente que algo estava se transformando na minha vida. Lembro que, enquanto esperava o voo de volta (que atrasou uma eternidade), este era o disco que eu ouvia repetidamente. Todas as músicas tentavam conversar comigo. Com meus medos (Also frightened), minha nostalgia (Summertime clothes), minhas inseguranças (My girls) e, finalmente, meus desejos mais inocentes (No more running). Enquanto ouvia, me percebi adulto. Talvez seja um álbum também sobre essa sensação. Top 3: Bluish, My girls, No more running.

089 | Selvagem? | Os Paralamas do Sucesso | 1986 | download

É um disco essencial para o rock brasileiro dos anos 80, eu sei – mas ainda não consigo encará-lo com distanciamento. Ainda soa, para mim, como um grão da minha infância. Principalmente a Melô do marinheiro, que entrou tão lá no fundo da minha memória e hoje está no mesmo compartimento onde guardo as canções de ninar que eu ouvia quando muito pequeno. Eu não desgrudava do lado A (quem conta isso é minha mãe) e é dele que sinto saudades: Alagados e A novidade têm o cheiro do bairro carioca onde eu vivia – e a cor de um daqueles verões fervilhantes, ingênuos, que não se consegue esquecer. Top 3: Melô do marinheiro, Alagados, A novidade.

Guys eyes | Animal Collective

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Talvez seja o clipe mais simples do Animal Collective: um velho filme caseiro reeditado por um sujeito com febre. O tipo de vídeo que, se ainda estivessemos nos anos 90, encontraríamos nas madrugadas da MTV. A direção é de Joey Gallagher, que entendeu direitinho o espírito de uma das faixas mais espaçosas de Merriweather Post Pavilion. Transes de uma tarde de verão.

Por falar em tardes de verão, vale lembrar que a curvilínea, sedutora e delicada mixtape de junho (relativamente ensolarada, também) já está vestida para matar. Ela chega ao blog amanhã, quarta-feira, às 21h. Então fiquem atentos, e depois não digam que não avisei.

Superoito express (20)

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Volume 2 | She & Him | 6

O fã-clube de Zooey Deschanel que não me pendure praça pública, mas eu esperava encontrar, neste segundo disco do She & Him, a personagem que ela interpretou com tanta convicção em 500 dias com ela: Summer Finn, a musa imprevisível que atormenta os fãs românticos (e panacas) de indie rock. Mas (que vida!) meus desejos não foram realizados. Neste conto de fadas folky, ela ainda vive a mocinha indefesa, a heroína que caminha melancólica, inconsolável pelos campos ensolarados da Califórnia.

Tudo bem. Nem tudo é perfeito. E talvez a Zooey popstar se aproxime da Zooey real (o que seria uma pena, mas enfim). O problema é que essa (ops) personagem me parece cada vez mais monocórdica. Este Volume 2 é um disco do Camera Obscura, só que sem ironia ou finesse. Parece fácil fazer pop vintage, com aquela sonoridade quente de vitrola velha, mas o risco do diluir efeitos está sempre ali. Daí que o disco, comportadíssimo, só brilha quando o vinil de M. Ward ganha um outro colorido, uma doçura à Jon Brion. São duas músicas: In the sun e Don’t look back. Mas elas mostram que, sim, Zooey é capaz de virar o disco. Ao terceiro volume, então.

Dear God, I hate myself | Xiu Xiu | 7.5

Ao contrário do projeto de Zooey e M. Ward, o estilo de Jamie Stewart é um caso tão particular que parece projetado para provocar estranhamento. As canções, com mudanças abruptas de andamento e efeitos dissonantes, soam às vezes como arquivos corrompidos de MP3. Stewart vai picotando um punhado de referências (synthpop, lo-fi, indie, goth rock) até fazer com que o disco perca completamente o eixo, numa colagem doméstica, frágil, agoniada, que ressalta a franqueza do discurso. Como acontece com os álbuns do Why? e do Eels, este também cria um ambiente de intimidade quase sufocante. Pode soar simplesmente doentio. Mas, se não é tão forte quanto Fabulous muscles (2004), no mínimo serve para comprovar que Stewart ainda não encontra conforto nem no rock, nem em nada. É bonito, garanto. E recomendo que você tente pelo menos três vezes antes de desistir.

Big echo | The Morning Benders | 7

O Morning Benders pode ser considerado uma espécie de primo do Local Natives, outra banda californiana que usa a massa bruta do indie rock americano (no caso, o folk barroco de um Grizzly Bear) para criar uma sonoridade generosa, próxima do pop. Mas, antes que os acusem de oportunismo, aviso que eles se apropriam desses novos chavões sem cinismo. Estão verdadeiramente dispostos a disputar um espaço entre os ídolos. Big echo é, por isso, um álbum muito esforçado. Sei que a palavra é terrível, mas taí um quarteto que faz tudo para agradar a um público muito específico. E consegue, mesmo sem personalidade. Eficiência e bom gosto, no caso. Califórnia é uma grande nação (como diz a música do She & Him) e é interessante acompanhar uma banda tentando encontrar um lugar nesse mundo.

Fang Island | Fang Island | 7

Mas claro: mais interessante do que acompanhar uma banda deslumbrada com as próprias referências é descobrir aquelas que tentam criar todo um vocabulário. O Fang Island, de Rhode Island, é dessas. Eu definiria o som deles como um monstrengo prematuro nascido de uma rapidinha entre o Van Halen (os solos de guitarra a mil por hora, a pompa hard rock) e o Animal Collective (os corinhos infantis, o espírito comunitário). Para o Wikipedia, eles cabem no rótulo “progressive rock”. Talvez seja isso, ainda que tudo acabe soando tão frenético quanto um disco de hardcore. Ainda não sei se amo essa bagunça (e, se é para quebrar tudo, Dan Deacon me parece muito mais radical), mas reconheço que não ouvi nada igual.

Life is sweet! Nice to meet you | Lightspeed Champion | 6

Para quem conhecia e gostava do projeto anterior de Devonté Hynes (a banda de dance-punk Test Icicles, praticamente um tigre), o Lightspeed Champion vai continuar provocando muita frustração. No segundo disco, o texano (criado na Inglaterra desde os dois anos de idade) continua a enquadrar o próprio som de acordo com algumas convenções pop quase caducas: brit pop, easy listening, new wave. Tudo o que ele quer, aparentemente, é mandar um abraço para Jarvis Cocker e Morrissey (e quantos outros não querem?). A boa ideia deste Life is sweet é o olhar positivo para temas que costumam ser cantados com fatalismo (Dead head blues, por exemplo, é uma faixa alegre sobre o fim de um relacionamento). O oposto de A vida é doce, do Lobão. Nas recaídas, no entanto, Hynes escreve obviedades como I don’t want to wake up alone, que só reforça os clichês associados ao tal “som da Inglaterra”. E aí as piores do Morrissey soam pelo menos mais divertidas.

Brothersport | Animal Collective

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O Felipe Queiroz postou logo ali nos comentários do clipe ‘No you don’t’, mas o Tiagão aqui não poderia deixar esta doideira passar: dirigido por Chris Beegle, o vídeo psicodéééélico de Brothersport (uma das melhores do tão pouco comentado e elogiado Merriweather Post Pavilion) é a fazenda delirante que os Novos Baianos ocupariam com a maior alegria. Alguém tem um pouco disso aí que essas criancinhas tomaram?

Adeus, 2009 | Superoito’s mixtape, parte 2

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Meu segundo best-of de 2009 saiu um pouco menos sombrio do que o primeiro, mas não tanto quanto eu esperava. Talvez o ano tenha sido assim mesmo: meio bizarro, osso duro de roer. Paciência.

Aos menos melancólicos, fica a dica: da sétima faixa em diante, a pista esquenta.

E tem pra todo mundo – uma óbvia do Dirty Projetors (eles estão ali em cima, na foto que abre o post), uma não tão óbvia do Animal Collective, um balanço charmoso do Basement Jaxx, a “devoradora de homens” Neko Case, o hit improvável do Phoenix e, claro, Fever Ray (para Diego e Filipe). Espero que vocês sofram um pouco, mas se divirtam.

Ei:  um abraço a quem baixou a primeira coletânea. O número de downloads me surpreendeu. E, já que a ideia não é um fiasco completo, em janeiro de 2010 começo a preparar coletâneas mensais.

Eis a tracklist desta nova mixtape:

1. Stillness is the move – Dirty Projectors
2. When I grow up – Fever Ray
3. Crystalised – The XX
4. Laura – Girls
5. Bonfires on the heath – The Clientele
6. Bluish – Animal Collective
7. People got a lotta nerve – Neko Case
8. 1901 – Phoenix
9. Ecstasy – JJ
10. Feelings gone – Basement Jaxx
11. Moth’s wings – Passion Pit

Faça o download (via Rapidshare): Superoito’s mixtape 2009, parte 2

E, ainda nesta semana, devo terminar minha lista de melhores filmes do ano. Até.

Adeus, 2009 | Os melhores álbuns do ano (parte 2)

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É isso, meus irmãos: o top dos melhores discos de 2009 está aí, galante e inteirinho para quem quiser ver. Mas lembro que, até o fim da próxima semana, a série Adeus, 2009 segue com a lista dos meus filmes favoritos (que será fechada assim que eu conseguir me livrar do trabalho e assistir a Avatar) e mais uma mixtape que, espero, será um pouco menos acinzentada do que a anterior. Espero que tudo termine bem. Enquanto isso… 

10. The Pains of Being Pure at Heart – The Pains of Being Pure at Heart

Certeza que o Pains of Being Pure at Heart nasceu mesmo em Nova York? Para mim, ainda soam como quatro galeses que, depois de passar o inverno ouvindo The Jesus and Mary Chain e Belle and Sebastian, resolveram passar o verão na Suécia: leram livros cabeçudos, gravaram um disco de rock, e lembraram dos dias calorosos de adolescência. Tipinhos blasé. Que sabem como matar o tempo de uma forma produtiva.

9. Together through life – Bob Dylan

O tempo de Dylan é ontem? É hoje? Não me pergunte. Together through life é mais um álbum que ri sarcasticamente das regrinhas do pop contemporâneo e inventa o som de uma época que talvez nunca tenha existido. Atenção para a sinopse: este é um road movie (em sépia) sobre a pré-história do rock, encenado por um ator/diretor que, impertinente, insiste em esnobar nossas expectativas. Moral da história: mais uma vez, o gênio ri por último.

8. Fever Ray – Fever Ray

A estreia solo de Karin Dreijer Andersson (a mulher-mutante-zumbi à frente do The Knife) é um breu. Não deve, por isso, ser ouvida de luzes apagadas. Como numa produção de horror alemã dos anos 1920, seres estranhos se movimentam lentamente sob sombras. Mais assustador é notar que, na tradição de um Portishead, trata-se de um álbum sobre o terror do cotidiano — que nos aflige entre quatro paredes de concreto. Sabe qual? Aquele que não poupa ninguém.

7. XX – The XX

Quatro moleques de 20 e poucos anos. O que eles teriam a dizer sobre o estado do rock britânico? Praticamente tudo. Mesmo sem querer, o primeiro disco do The XX soa como uma resposta a anos de grandiloquência, ambições épicas e uso descontrolado de fumaça artificial. Com fé quase cega na sutileza, a banda grava lindos esqueletos de love songs que, para nossa completa surpresa, soam mais sensuais que qualquer hit da Kylie Minogue. Sem exageros: um tesão de disco.

6. Dragonslayer – Sunset Rubdown

Pobrezinhos de nós, fãs do Wolf Parade. Depois do tufão chamado Dragonslayer, eu não me impressionaria se os canadenses resolvessem tirar recesso por tempo indeterminado. No disco, o exército de Spencer Krug renasce como uma criatura à parte, ameaçadora e misteriosa. É caminho sem volta: em apenas oito faixas (monumentais, ambiciosas), a banda cobra um lugar espaçoso no mundo. E não deixa que sintamos saudades daquele outro projeto de Krug.

5. Album – Girls

Conhecer a história de Christopher Owens não é fundamental para amar deste álbum (e amá-lo é muito fácil). Mas ela nos ajuda a entender por que um sujeito que passou a infância e a adolescência trancado num culto religioso estupidamente radical resolveu gravar um disco que soa como um grito de liberdade. Do rock ‘n’ roll ao noise, o Girls metralha canções com a alegria angustiante de quem finalmente abre um baú que havia sido trancado à força. Catarse. Ou, se preferir, apenas o som de uma juventude perdida.

4. Two dancers – Wild Beasts

No rock contemporâneo, muitas são as bandas conservadoras que se fazem de ultramodernas. Mas poucas tentam entender o que faz do “rock clássico” um porto seguro tão atraente para fãs de música pop. O Wild Beasts é, por isso, uma raridade: uma banda que abandonou tiques do indie para estudar a arte da canção. Two dancers parece familiar (e tipicamente britânico) desde a primeira audição. Mas a fórmula é revigorada de tal forma – pelas performances lânguidas dos vocalistas, pelos versos enigmáticos, pela atmosfera sombria e decadente que envolve as músicas – que, perto dele, qualquer hit do Coldplay parece desonesto. Nada de novo nessa história. Mas não é sempre que a tradição soa tão urgente.

3. Bitte orca – Dirty Projectors

Não importa quanto tempo você invista no álbum-revelação do Dirty Projectors: ele sempre deixará a sensação de uma obra aberta – uma narrativa sem desfecho. O processo criativo de Dave Longstreth é tão caótico que deixa a impressão de haver vários projetos em estágio embrionário dentro de Bitte orca. Essa profusão de ideias (quase todas inusitadas: há folk, pós-punk, afropop e o diabo) permite ao ouvinte um prazer incomum: somos convidados a nos perder dentro de um álbum de rock. Como nas melhores aventuras, o desafio é totalmente recompensado.

2. Veckatimest – Grizzly Bear

Veckatimest é o contra-ataque que não esperávamos do Grizzly Bear. Muitos fãs do disco anterior, Yellow house, talvez teriam apostado num álbum mais extrovertido e pop (ou, num sentido oposto, mais radical, experimental). Mas a banda – mais madura do que eu e você, possivelmente – preferiu seguir uma trilha mais enigmática. Sob neblina seca, o disco condensa as experiências anteriores (do rock californiano a uma psicodelia dura, quase entorpecida, quase fria) num molde absolutamente compacto. É como se todas as canções inesperadamente decidissem narrar uma só história, com a atmosfera desolada (mas com momentos de esperança e beleza) de um conto de fadas para adultos. Talvez seria melhor ouvir este disco em meio à leitura de A estrada, de Cormac McCarthy. Ou após uma sessão de Deserto vermelho, do Antonioni. Quem sabe aí começaríamos a entendê-lo?

1. Merriweather Post Pavilion – Animal Collective

Escrevi meus primeiros comentários sobre MPP (e o chamo assim porque somos íntimos) há exatamente um ano. Naquele dezembro, já dava para notar que seria quase impossível encontrar um concorrente à altura do impacto provocado por um disco que soa extraordinário até para os padrões (muito altos) do Animal Collective. Muito se falou sobre como a banda trata a música eletrônica – da mesma forma curiosa (infantil, no melhor dos sentidos) como brincou com elementos do folk e da música experimental. Mas o álbum ainda me deslumbra por outro motivo: por mostrar com clareza a face humana do trio.

Como sempre, não há limites para a invenção musical. O que faz de MPP uma obra-prima, no entanto, é como essa sonoridade irrequieta dialoga com os versos mais francos e emotivos que eles já gravaram. Depois da viagem ao fundo do coração selvagem, eis que encontramos a maior surpresa: Avey Tare, Panda Bear e Geologist, artistas do inusitado, também se sentem perdidos diante das incertezas do nosso mundo. Exatamente como quase todos nós.

50 discos para uma década (parte final)

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Em Brasília, são 22h. Vamos terminar esta novela?

Primeiro, devo lembrar (até para os que chegarem depois) de mais uma fornada de discos que ficaram de fora da lista. Infelizmente, não tem lugar para todo mundo entre os meus 50 favoritos da década. Mas vejam a situação com otimismo: se muita coisa boa foi limada da lista, isso significa que vivemos uma década (musicalmente, pelo menos) muito inspirada e devemos ficar felizes com isso. Certo?

E, também para a posteridade: os vencedores foram anunciados ao vivo, com o apoio de uma conexão precária e ao som do greatest hits do Blur.

São eles (em ordem alfabética): Boy in da corner, Dizzee Rascal, For Emma, forever ago, Bon Iver, From a basement on the hill, Elliott Smith (hors-concours), The Futureheads, The Futureheads, Good news for people who love bad news, Modest Mouse, Heartbreaker, Ryan Adams, The hour of bewilderbeast, Badly Drawn Boy, In search of…, N.E.R.D., Jim, Jamie Lidell, Microcastle, Deerhunter, Myths of the near future, Klaxons, Parachutes, Coldplay, The runners four, Deerhoof, Since I left you, The Avalanches (heresia ter ficado de fora!), The Carter III, Lil Wayne, Vampire Weekend, Vampire Weekend, XTRMNTR, Primal Scream.

E prometo não demorar muito entre um post e outro (sabe como é: tem muito texto, isto deu um trabalhão e eu gostaria de verdade que vocês lessem pelo menos a primeira frase de cada um dos comentários, por favor).

brianwilson

10. Smile – Brian Wilson (2004)

A história ainda parece inacreditável: quase 40 anos depois, Brian Wilson finalmente concluiu uma das grandes obras fantasmagóricas da música pop. Só por isso – esse esforço obsessivo, heroico – Smile já seria um monumento. Mas não fica nisso. Os fãs dos Beach Boys já conheciam as músicas que estão no disco, mas não faziam ideia de um detalhe fundamental: juntas, as peças do quebra-cabeças finalmente se encaixam numa sinfonia pop que, além de soar deslumbrante do início ao fim, esclarece as ambições do projeto e (ainda que tardiamente) leva adiante as loucuras de Pet sounds. Curiosamente, em tempo de Flaming Lips, Animal Collective e Fiery Furnaces, as experiências de Wilson soaram novas. De novo.

daftpunk

9. Discovery – Daft Punk (2001)

“O disco tem muito a ver com a nossa infância e com as memórias que temos daquela época. É sobre nossa relação pessoal com aquele período. É menos um tributo a uma era musical (de 1975 a 1985) e mais a forma que encontramos de focalizar o tempo em que tínhamos menos de 10 anos de idade. Quando você é criança, você não julga ou analisa música. Você gosta porque gosta. Você não quer saber se é cool ou não é. Este disco encara a música de uma forma brincalhona, divertida e colorida. É sobre a ideia de olhar para algo com a mente aberta, sem fazer muitas perguntas. É sobre a relação verdadeira, simples e profunda que temos com a música”, Thomas Bangalter (e só tenho duas coisas a acrescentar: é o grande momento do Daft Punk e um modelo para quase tudo o que foi feito em electropop na década).

animalcollective

8. Merriweather Post Pavilion – Animal Collective (2009)

Uma lista séria sobre a década deve conter pelo menos dois álbuns do Animal Collective, uma banda que gravou o primeiro disco exatamente em 2000 e chegou madura a 2009. Além de Merriweather Post Pavilion, que é a obra-prima deles, eu escolheria Feels, o auge da psicodelia folk que eles experimentavam desde o início da carreira (e que deu no também genial Sung tongs). Em Strawberry jam, outra cria excelente, a sonoridade pesou num tom áspero, mecânico e quase sempre perturbador. Difícil escolher um só. Mas Merriweather, dois passos a frente dos outros, consegue sintetizar tudo o que eles fizeram e apontar para o futuro. Um disco que brinca com uma eletrônica feérica, eufórica, e explora o lado mais emotivo dos versos, que, mesmo quando voltam-se às memórias de infância, não deixam de enfrentar as incertezas do mundo. Uma banda em progresso, crescida, segura de si mesma – e ainda sim, ainda estamos assustados.

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7. Funeral – Arcade Fire (2004)

Visto de longe, o primeiro disco do Arcade Fire não parece muito complicado: conhecemos muitos álbuns sobre a morte. Além do mais, os canadenses não foram os primeiros a fazer indie com escopo e vocação para estádios. Ainda assim, Funeral ainda soa como um disco peculiar, inimitável (e não foram poucos os que tentaram imitá-lo). Poucas obras confessionais têm um conceito tão bem definido – e todas as cinco primeiras faixas soam como a trilha de um filme – e um desejo tão intenso de criar melodias inesquecíveis, perfeitas (e aí vale citar Pixies, U2, pop francês, space rock americano e o diabo a quatro). Uma marcha fúnebre que celebra a vida – eis a bela contradição deste belo disco, uma surpresa que a banda não conseguiu superar (no segundo eles seguiriam um caminho mais dark e épico).

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6. Yankee hotel foxtrot – Wilco (2002)

Até o fim dos anos 1990, o Wilco era uma banda de country rock insatisfeita com a camisa-de-força do gênero. Em Summerteeth, eles brincaram com a psicodelia sessentista, mas o resultado ainda soava polido, como se faltasse coragem para dar o grande salto. Ele viria com Yankee hotel foxtrot, um disco de certa forma maldito, já que rejeitado pela gravadora (dizem até que os executivos ouviram e acharam uma porcaria), e que mostra uma banda em transe. Foi lançado só depois de ter virado objeto de culto na internet, e ainda soa como uma espécie de milagre. Cada vez mais interessado no art rock dos anos 1970 (um estilo, nos discos seguintes, seria lentamente diluído em soft rock), Jeff Tweedy aproveitou-se da produção de Jim O’Rourke para criar uma obra instável, tortuosa, imprevisível e desiludida – um instantâneo da América do início do século. Ainda parece frustrante que a banda tenha optado por, depois disso, seguir um caminho confortável (ainda que o seguinte, A ghost is born, seja todo espinhoso e também belíssimo). Houve um momento, no entanto, em que eles encontraram a sintonia perfeita com o tempo em que vivem.

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5. The grey album – Danger Mouse (2004)

Por que não? Essa perguntinha meio banal deve ter motivado o DJ Brian Burton (Danger Mouse) a cometer a heresia mais brilhante da década: arrombar o cofre dos Beatles, pilhar o tesouro mais sagrado da música pop e combinar os clássicos do Álbum Branco com os hits do Black album, recém-lançado por Jay-Z. Dois discos separados por algumas décadas, mas que, um menos explicitamente que o outro, sugerem uma mesma atmosfera de despedida. A mutação genética não é perfeita (e há faixas truncadas, tortas), mas tem um valor histórico que ainda não conseguimos medir. O disco que esfregou a era da internet na fuça das gravadoras? Um ato de vandalismo artístico? Uma amostra de que nada mais é sagrado? Sinal dos tempos (e apenas isso)? Quem não se importa com esse tipo de análise ainda leva de brinde algumas das canções mais divertidas de todos os tempos. É aquela coisa: proibido é mais gostoso, né não?

whitestripes

4. White blood cells – The White Stripes (2001)

O White Stripes é a melhor gag da década: um homem e uma mulher que se vestem de vermelho e branco e soam como se uma banda de garage rock tivesse resolvido fazer versões toscas para o repertório do Led Zeppelin. A fórmula de Jack e Meg White ilustrou perfeitamente uma época que elegeu o minimalismo ruidoso como sabor da estação e contraponto aos excessos do rock do final dos anos 1990 (de certa forma, essa foi a nossa interpretação para o punk dos 70 e o grunge dos 90). E, para nosso espanto, White blood cells trazia algo além de contenção e explosão: revelava uma banda de rock com tutano e ambição – e capaz de citar Cidadão Kane em meio a um esporro pós-punk (cinco pontos só por isso!). Os dois discos seguintes são tão bons e relevantes quanto, mas esta aqui é a cápsula que contém todos os segredos e manias do casal 2000. E nem preciso comentar Fell in love with a girl. Preciso?

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3. Stankonia – Outkast (2000)

Olhe para a década: os grandes discos de hip hop lançados nos últimos 10 anos são os musicalmente irrequietos, que forçam os limites do gênero e saem furiosamente para a aventura. Jay-Z, Kanye West , à frente deles, o Outkast. Depois de ter implodido dentro de um maravilhoso e louco álbum duplo (Speakerboxxx/The love below), o duo acabou perdendo parte do poder de influência que tinha no início da década. Mas não custa lembrar: até 2003, eles ditaram quase todas as regras, até dominar o pop por completo (com o hit Hey ya!) e deixar a cena sorrateiramente.

Há quem prefira os primeiros álbuns, também alienígenas, mas Stankonia hoje soa como o auge criativo de Big Boi e André 3000 — numa comparação ridícula, é o Sgt. Pepper’s deles (e, naquela época, não conseguimos antever o Álbum Branco). E um período de colheita generosa, com 24 faixas, 74 minutos e clássicos absolutos como Mrs. Jackson e B.O.B. Já estavam claras as diferenças entre André (o soulman insano) e Big Boi (o mano apegado a boas tradições) — mas, ali, elas se uniam numa química imbatível. Um daqueles discos imensos que nos deixam muito pequenos.

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2. Is this it – The Strokes (2001)

Lembro a primeira vez em que ouvi um single do Strokes (acho que The modern age): apaguei o arquivo de MP3 e fui procurar outro. A qualidade de som parecia terrível. Depois, envergonhado comigo mesmo, notei que o jogo era aquele: a atmosfera ruidosa das gravações (que pareciam saído de uma fita demo largada num estúdio abandonado de Nova York por volta de 1967) contava tanto, talvez mais, que as melodias e as letras. De qualquer forma, todos os elementos se complementavam. Sabemos tudo sobre o hype criado em torno deles — e provocado por uma imprensa inglesa que ainda era poderosa nesse ramo —, mas (ao contrário de queridinhos como The Vines e Kings of Leon) eles sobreviveram heroicamente a tudo.

Hoje, fica claro por que: Julian Casablancas honra a tradição dos grandes band leaders, sempre prontos a se rasgar de angústia diante do público (e o disco posterior, o ótimo Room on fire, aprofunda o tom desesperado e pessoal das composições) e Albert Hammond Jr entende tudo sobre o poder hipnótico de um riff palatável (o projeto solo do sujeito não nos deixa mentir). Uma banda simplesmente real. E oportunista, no bom sentido. Nenhum outro grupo soube aproveitar com tanta gana o revival do rock de garagem e do pós-punk: endividados tanto com o Velvet Underground quanto com o Ramones, eles restauraram Nova York como um fervilhante laboratório de rock. Taí, então: um dos poucos discos da década que merecem entrar numa lista não tão longa de grandes álbuns de todos os tempos.

radiohead

1. Kid A – Radiohead (2000)

Não importa se você ouviu ou não ouviu Kid A (ou se você prefere Hail to the thief – ninguém é perfeito): nenhuma discussão sobre o rock do início do século se sustenta sem alguma referência a este disco. É grande assim. Produzido num período de transição para a indústria musical, foi um dos primeiros a se integrar intensamente à onda da troca de arquivos via internet (na lista de melhores discos de 2000, a revista Spin deu o primeiro lugar apropriadamente para o hard drive dos computadores dos leitores, e em segundo ficou Kid A) — e, para muitos fãs, o “último suspiro” da era do álbum. De qualquer uma das formas, é um triunfo do timing. O disco certo para um mundo errado.

Se Ok computer se deixa afinar por tradições do rock — o progressivo, o pós-punk, o goth rock dos anos 80 —, Kid A derruba os dogmas e barras de segurança em busca de uma sonoridade nova, radicalmente atual (e, com o excelente In rainbows, a banda novamente confrontou ideias dadas como intocáveis). Com o esforço de se reinventar, o Radiohead renasceu como um projeto de eletrônica e jazz-rock capaz de compor canções fragmentadas, tortas, que transportam para o processo de composição toda a confusão que Thom Yorke sempre imprimiu às letras de canções. Antes, ele comentava a paranoia urbana, a opressão tecnológica. Com Kid A, converteu todas essas angústias em pura música. Dos sintetizadores sufocantes de Everyting in its right place à metralhadora eletrônica de Idioteque, tudo é agonia. E o mundo (da música, pelo menos) acordaria perturbado desse pesadelo.

Summertime clothes | Animal Collective

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No novo clipe do Animal Collective, o diretor e editor Danny Perez convida a companhia de dança Flex, do Brooklyn, para encenar uma espécie de balé endoplasmático que soa como uma versão psicodélica para as feiras de ciências que apresentávamos aos 12 anos de idade. Também lembra perigosamente um certo clipe recente do Antony and the Johnsons. Quanto mais extravagante, melhor. E quem é aquele ser estranho que aparece num flash por volta dos 2 minutos e 30 segundos? Marilyn Manson?

Merriweather Post Pavilion | Animal Collective

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animalPára tudo. Sério isso? Verdade? O melhor álbum de 2009? Mas jáááááááááá?

Não estou exagerando (se bem que, ok!, esse tipo de entusiasmo é sempre um perigo). Panda Bear, o mais paparicado do trio, já afirmou que trata-se de “álbum mais bem gravado” da banda. É pouco.

Se os discos anteriores eram maravilhas psicodélicas (continuo ouvindo Feels três vezes ao dia), o novo tem o peso e a relevância de uma tardia carta de intenções, de um resumo de carreira e, simultaneamente, de um largo (e, ao mesmo tempo, coerente) passo a frente. O Animal Collective fecha o foco para enxergar longe. E isso é ouro, meus amigos.

Mesmo quem tem asco do trio (conheço uns três) deveria pensar três vezes diante de um disco com… uma capa que deixa a gente zonzo, meu deus!

Sem gozações ou complicações: é, por qualquer ângulo, de qualquer perspectiva, da cabeça aos pés, o maior álbum da banda. E tenho dito. Se eu fosse você, o aceitaria como um estranho (e duradouro) presente de Natal.  

Sei que este cedezinho não deveria ter me surpreendido desta forma. Disco após disco, o Animal Collective estilhaça a própria cartilha. Contra o rótulo de “freak folk”, trocaram os violões por um trator de ruídos duros (tente ouvir Strawberry jam em volume máximo sem dar entrada na ala de emergência do hospital). Contra a simplificação de quem os associam apenas ao espírito criativo das crianças, espelharam as responsabilidades da vida adulta em versos cada vez menos inocentes. Nesse caminho torto, Merriweather deveria parecer uma outra curva acentuada. Deveria.

Mas o que espanta aqui é o rigor como eles conseguem agregar, dentro de uma mesma atmosfera, muitas das experiências que apareceram nos discos anteriores – e ainda assim soar renovados, já que acentuam as estruturas de dance music como forte sustentação para o álbum.

Desde os primeiros discos (e com mais clareza em Person pitch, de Panda Bear), o Animal Collective está mais próximo da eletrônica que do rock. Mesmo quando picotava e colava acordes de violão. Em Merriweather, esse estilo chega a um estado de graça. 

Está tudo aqui, em versões que parecem até definitivas. Na primeira faixa, In the flowers, Avey Tare identifica nos movimentos de um dançarino uma experiência mística (“Se eu pudesse abandonar meu corpo por apenas uma noite”, deseja o narrador). A melodia, lentamente, vai do ambient ao caos. Eis que papai Panda Bear, mais caseiro que nunca, irrompe na linda My girls, com uma síntese para os mantras domésticos de Person pitch:  “Não me preocupo com bens materiais. Tudo o que quero é um lar para minhas meninas”, repete, repete, e repete.

Tão cedo, o principal tema do álbum está na mesa: contra a rotina mecânica de um mundo sem alma, a banda encontra refúgio no transe espiritual (ou lisérgico), no conforto do lar e na formação de uma comunidade de amigos. De certa forma, eles continuam a atualizar uma antiga filosofia hippie. Mas o interessante no Animal Collective (e neste disco em especial) é como, nessa fuga, ele constrói e habita um novo espaço musical.

Daí em diante, o álbum segue numa espiral de êxtase e desconforto. “Você também está assustado?”, eles desafiam, no corinho de Also frightened. Em Daily routine, Panda Bear lista atividades do cotidiano. E a delicada No more running parece um aceno distante para No surprises, do Radiohead: e um bilhete de despedida para um planeta sem eixo.

Tão agoniado e às vezes tão suave, como eles conseguem?

E esqueci de Bluish, a canção mais acessível que eles já gravaram? E Brothersport, a canção-testamento, e com ecos de tropicália? De tão rico em camadas e intenções, Merriweather Post Pavilion (o título vem de um tradicional palco ao ar livre em Columbia onde, nos anos 70, imperava o clima de jams comunitárias) exige diferentes interpretações – e aposto que haverá muita gente disposta ao desafio. Por aqui, e por enquanto, soa como uma verdadeira, sincera adaptação da psicodelia dos anos 60 aos ares confusos do século 21.

Nada pouco para um simples álbum de rock. 2009, desculpa aí, acabou de acabar.

Oitavo álbum do Animal Collective. 11 faixas, com produção de Ben Allen. Domino Records. 9/10

PS: Amanhã viajo para passar o ano novo no Rio de Janeiro. Enquanto dou uns mergulhos, o blog fica parado até semana que vem. Vocês nem vão sentir falta que eu sei. Desejo pra vocês, e pra mim também, um 2009 de boas vibrações. E que (façam figa!) eu consiga comprar uma estante pra sala ainda no primeiro semestre. Até!