Amizade colorida
top 10 | Os piores filmes de 2011
Depois do ranking de Melhores Discos de 2011, aqui seguimos com a minha exaustiva (mas não muito) retrospectiva do ano. Se tudo der certo, o top dos melhores filmes vai ficar pronto semana que vem. Enquanto isso não acontece, vocês ficam com a temível, aflitiva, arrepiante… a lista dos piores filmes de 2011.
Geralmente não tenho paciência para relembrar os filmes que me deixaram com vontade de trocar a cinefilia por outro hobby qualquer (jardinagem, por exemplo). Mas vi tanta coisa ruim durante o ano que fiquei verdadeiramente enfezadinho e resolvi partir para a vingança. Não me culpem – também sou humano.
Funcionou assim: entre os filmes que foram lançados nos cinemas brasileiros durante o ano, reuni todos aqueles que me irritaram (cerca de 80) e cheguei, depois de um processo penoso de seleção, aos 10+1 unlucky ones.
Os títulos que sobreviveram ao mata-mata (vaso ruim, como diria minha vó, não quebra) formam um ranking até bem diversificado, com comédias românticas made in Brasil, caça-níqueis sobre sexo sem amor, heróis esverdeados (a cor da náusea), um castor de pelúcia e (pobre dele) Nicolas Cage.
A ideia não é escrever sobre os filmes superestimados que embrulham meu estômago (O Discurso do Rei), nem sobre os que me frustraram porque eu esperava muito deles (Inquietos), nem sobre aqueles que não dão conta de ambições celestiais (Árvore da Vida), mas apenas sobre os piores-piores-de-verdade, que ocupam as últimas posições na minha lista dos cerca de 230 filmes vistos deste janeiro deste ano.
Recomendo, por isso, que vocês não vejam estes filmes (este post é um serviço de utilidade pública). Ou que vejam por conta e risco. Ou que vejam pra dar umas risadas.
Antes, as menções horrorosas (em ordem alfabética; e não vejam estes também, por favor): Bruna Surfistinha, Burlesque, A Chave de Sarah, Cilada.com, Desenrola, A Garota da Capa Vermelha, Mamonas pra Sempre, O Turista.
10 Amizade Colorida | Friends with Benefits | Will Gluck
Sexo sem Compromisso | No Strings Attached | Ivan Reitman
Nosso ranking começa com duas comédias românticas sobre as coisas estranhas que acontecem quando as pessoas fazem sexo sem amor com um parceiro fixo (resposta: elas acabam se apaixonando). Os filmes não são exatamente idênticos – um tem Natalie Portman, o outro Mila Kunis -, mas não consigo me decidir sobre qual seria o menos sexy. Sexo sem compromisso tem Ashton Kutcher (nunca convincente no papel de Ashton Kutcher). E Amizade colorida tenta vender tantos produtos que saí do cinema com o desejo imenso de dar uma passadinha num free shop, antes de embarcar pra um planeta onde não fazem comédias, nem fitas românticas, nem mershandising da Apple, nem sexo sem amor com parceiros fixos.
9 Eu Queria Ter a Sua Vida | The Change-Up | David Dobkin
Em 2011, não foi apenas Se Beber, Não Case 2 que tentou desesperadamente ser Se Beber, Não Case. Algumas comédias chegaram perto (Quero Matar Meu Chefe). Outras chegaram perto demais, capotaram e explodiram: é o caso de Eu Queria ter a sua Vida, um filme-de-machos que troca a fórmula ressaca + camaradagem + confusões pela equação (menos divertida, diga aí) família + caganeira + confusões. A sequência inicial, que termina com um close no ânus de um bebê, redefine o humor americano, e em poucos minutos – é tão grotesca que tem um quê de vanguarda, a ser admirada num futuro mais ou menos distante por espectadores mais, digamos, radicais. Para o público brasileiro, deixou uma lição dura: Se Eu Fosse Você 2, no fim das contas, não é o pior filme sobre gente desinteressante trocando de corpos.
8 Reféns | Trespass | Joel Schumacher
Esta variação mambembe de Horas de Desespero foi exibida tão rapidamente nos cinemas americanos que talvez nem possa ser tratada como o maior fracasso das carreiras de Joel Schumacher, Nicolas Cage e Nicole Kidman. Mas vamos fazer de conta que é sim, porque todos os envolvidos colaboraram para o colapso de um filme que desaba logo nos primeiros 10 minutos de projeção. A trama tem um quê de comédia nonsense (e Nic Cage, com o look de um vendedor de produtos da Herbalife, é o único a entender tudo isso muito bem): bandidos atrapalhados assaltam a casa de um pai de família camicase. Mas Schumacher trata essa trama como uma atualização de Shakespeare: o clímax é tão pirotécnico quanto as cenas de ação de Transformers, e as revoravoltas do roteiro provocam gargalhadas de sarcasmo na plateia. Todos, principalmente o público, conseguem sentir o quão terrível deve ser ficar preso numa casa, na companhia de pessoas estúpidas.
7 O Besouro Verde | The Green Hornet | Michel Gondry
Michel Gondry fez videoclipes bacanas, não fez? Fez sim. E dirigiu aquele filme do Charlie Kaufman, não dirigiu? Dirigiu sim. Mas nada disso – nem os clipes, nem os filmes, nem os comerciais de tevê – nos preparou para o humor dolorosamente infantil deste O Besouro Verde, uma fitinha de super-heróis que agoniza em verde-musgo, implorando ao espectador que a tratemos como um episódio vagabundo de seriado de tevê (e aqui começa, neste ranking, a seleção de longas que quase me mataram de tédio em 2011). O carisma do herói é nulo (mesmo quando ele se transforma num herói supostamente carismático) e os efeitos 3D só servem para obscurecer as cenas de ação ineptas. Mas a melhor piada fica pro fim: as invencionices visuais de Gondry só aparecem na sequência de créditos de encerramento (boa sequência, aliás). E Seth Rogen… Ele fez aquele filme bacana, não fez?
6 Os 3 | Nando Olival
Os 3 é um filme sensual e atrevido para adolescentes de 14 anos de idade. Isso significa que: 1. quase não tem sexo ou atrevimento, e que 2. os personagens se comportam como adolescentes de 14 anos de idade. Nando Olival, o diretor, tem experiência no mercado publicitário. Talvez por isso tenha planejado o filme para atingir um determinado segmento do público – ainda que esse segmento talvez prefira ver filmes sensuais que mostrem um pouco mais de sensualidade e atrevimento. Os personagens, jovens e bonitos, são publicitários recém-formados que se submetem a uma experiência de uma agência publicitária: fazem da própria rotina um reality show. O longa, porém, não sabe (ou não quer) manusear essas camadas de metalinguagem: lá pelas tantas, não fica muito claro se o cineasta quer vender uma ideia de juventude, um filme supostamente sensual, uma história de amor a três ou uma coleção de roupas transadas. Talvez tudo isso, a um preço baratinho.
5 Qualquer Gato Vira-Lata | Tomas Portella
O pior filme brasileiro do ano transfere para os cinemas toda a ginga e malemolência daqueles espetáculos teatrais que, encenados para servir de vitrine para atores famosos de tevê, nos deixam com muito medo de voltar ao teatro. Ainda não consigo ver nada minimamente plausível ou interessante (muito menos engraçado) num personagem como o de Malvino Salvador: um professor boa-praça que usa argumentos da biologia para explicar aos alunos sobre padrões de relacionamentos amorosos (hem?). Num Rio de Janeiro em que os únicos modelos de masculinidade disponíveis para uma mulher solteira são o machista bem intencionado (Malvino) e o machista cafajeste (Dudu Azevedo),a personagem de Cléo Pires obviamente se sente muito confusa e perdida. Só que ela demora tempo demais (98 minutos!) para notar que o príncipe encantado não é o malandro sarado imaturo bronco semi-alfabetizado. Tempo demais, mulher.
4 Sucker Punch – Mundo Surreal | Zack Snyder
Sucker Punch seria, em tese, o Clube da Luta de Zack Snyder – o filme comercial subversivo sobre temas subversivos, com uma lição importante sobre o sistema cruel onde vivemos. O problema é que não é nada disso. O que se ouve na tela é o som de grandes ambições caindo por terra. Ou: um caso a ser usado por executivos de grandes estúdios para exemplificar o perigo que é dar carta branca a cineastas fora de controle. Não sei o que me deixou mais irritado: o drama teen sobre loucura, com um quê de Garota, Interrompida, as cenas de ação no esquema videogame-over-the-top (com um mashup cansativo de blockbusters de fantasia) ou a revelação final, que tenta nos surpreender com um golpe brutal, radical (sinto dores até agora), nos nossos neurônios. Muita areia pseudofilosófica pro caminhaozinho do cineasta.
3 Lanterna Verde | Green Lantern | Martin Campbell
Não sou fã de quadrinhos (há muito-muito tempo, doei toda a minha coleção do Batman para uma biblioteca pública). Talvez por isso eu tenha me esforçado tanto para encontrar as diferenças entre as adaptações de HQ que chegaram aos cinemas em 2011. À exceção de Thor, um tantinho desembestada, as outras não me pareceram tão vibrantes quanto um episódio qualquer de Smallville. Mesmo dentro esse contexto desanimador, no entanto, Lanterna Verde se destaca: se gibi fosse, eu provavelmente o devolveria na banca de revistas, antes de chegar à terceira página. O prólogo é a rave multicolorida e abstrata que deve passar na cabeça de nerds em coma: uma mitologia erguida a fórceps, e com todos os personagens exóticos/patéticos que sobraram na sala de montagem da série Jornada nas Estrelas. O restante do filme, ufa, renega uma parte dessa estética kitsch purpirinada para se transformar, deus!, no típico action movie engraçadinho e inofensivo que Ryan Reynolds se amarra em fazer. Só não abandonei o cinema, juro, porque estava chovendo.
2 Um Novo Despertar | The Beaver | Jodie Foster
Vamos falar sobre humor involuntário? Um Novo Despertar, um drama intimista (!) sobre a amizade entre um homem deprimido e um fantoche de castor, me fez rir enquanto eu lia a premissa no jornal. Mel Gibson contracenando com um bichinho fofo para crianças? Imperdível. No quesito “vergonha alheia”, o filme supera expectativas: de um lado, temos a performance (profundamente séria) de Gibson; de outro, a direção (profundamente séria) de Jodie Foster, que faz questão de tomar cada uma das cenas como chances valiosas para emocionar o espectador, matando-o lentamente com musiquinhas doces na trilha sonora, personagens que balbuciam palavras bonitas e um roteiro tomado por lições supostamente tocantes sobre perseverança e superação. De qualquer forma, contém a cena mais arriscada do ano: um embate físico entre Gibson e, sim, o castor de brinquedo. Profundamente engraçada, claro.
1 Cowboys & Aliens | Jon Favreau
O ponto de partida desta superprodução (produzida por Steven Spielberg, quem mais?) é promissor: e se combinássemos dois gêneros populares – o faroeste e a ficção científica – para criar um combo pós-moderno de entretenimento? A trama também tem algo de interessante, já que promete contorcer a mitologia de um western típico (desta vez, com caubóis, índios e ETs). Então percebam: eu estava até esperançoso quando comprei ingresso para ver este filme. O que encontrei na tela, pro meu azar, foi uma terra desolada, pobre, governada por um cineasta sem pulso (e aí ficou claro que Homem de Ferro era um filme de Robert Downey Jr, não de Jon Favreau) e habitada por uma equipe que parece ansiosa para encerrar as filmagens e voltar para casa. Não estou exagerando: foram raras as vezes em que experimentei a sensação de mofar numa sala de projeção, diante de imagens menos atraentes que o carpete vermelho do cinema (recentemente, só aconteceu algo parecido com Matrix Revolutions). Um filme com duas ou três ideias (que talvez justifiquem resenhas elogiosas, vá saber), mas sem força vital. Não houve sessão mais deprimente em 2011.
cine | Amizade colorida
Era uma daquelas tardes eternas, impossíveis de quinta-feira: dezenas de e-mails engarrafavam o Microsoft Outlook, meu Nokia smartphone E5 detonava mil torpedos de SMS e os envelopes pardos com cópias de divulgação de livros da Editora Record e da Companhia das Letras se amontoavam na mesa, numa pilha alta que me lembrou um vulcão de projeto escolar. Minha cabeça apitava, ardia em lava. Decidi: “vou sair um pouco mais cedo e pegar um cineminha”.
Daí que tomei um comprimido de Tylenol, guardei alguns dos livros na minha mochila Adidas, conferi meu saldo (constrangedor) no caixa eletrônico do Bradesco, comprei uma barra de chocolate Talento com amêndoas (amargo, sem lactose), engatei meu Fiat Palio e notei que precisava abastecer o tanque do carro. Parei no posto BR, onde torrei 50 reais em gasolina aditivada.
No carro, ouvi um bom trecho do CD Tha Carter IV, de Lil Wayne, um lançamento Young Money/Universal Republic. Quando cheguei ao estacionamento do Carrefour, onde estacionei o carro, tive que parar a audição na faixa 6. Não consegui me concentrar na música. No mais, o cheiro de carne da Churrascaria Pampa acabou me distraindo. A sessão começaria em 15 minutos; foi com pressa, e passadas longuíssimas, que caminhei até o ParkShopping.
Apesar da aflição para chegar a tempo, não fiquei esbaforido: o treino diário na academia Smart Fit do Sudoeste, pensei (muito satisfeito comigo mesmo), fez de mim um sujeito com ótimo preparo físico.
Para não enfrentar a fila da bilheteria do Kinoplex Severiano Ribeiro, usei o terminal eletrônico, onde comprei o ingresso com meu Visa Electron. Saiu por 17 reais. Havia tempo para comprar o combo pipoca+guaraná (Antarctica), mas optei por uma garrafinha de Mate Leão — para não criar pança, todo cuidado é pouco. Já dentro da sala, pedi licença a uma mulher que bloqueava o corredor com uma imensa bolsa Louis Vuitton. Ela foi gentil e me deu passagem. Em seguida, apagaram as luzes parcialmente.
Na tela, eu e os outros 10-15 espectadores assistimos a anúncios de Coca-cola e uma seleção de notícias rápidas do IG. Após os trailers da sequência de Missão: impossível, uma produção Skydance/Bad Robot/Paramount Pictures, apareceram cenas de uma comédia em que um homem gorducho leva um chimpanzé para se divertir no restaurante Friday’s.
O filme, enfim, começou. Amizade colorida (em inglês, Friends with benefits), uma produção da Castle Rock Entertainment, distribuição da Sony/Screen Gems, que custou 35 milhões de dólares e arrecadou, até hoje, 74 milhões. Se não é um grande sucesso de bilheteria, diriam os especialistas, não chega a ser um fracasso.
O começo do longa, de alguma forma, se confunde com os anúncios que haviam aparecido antes dele. Mas sabemos que o filme começou porque agora as luzes apagaram totalmente e os personagens falam atendentes de telemarketing, numa velocidade assombrosa (eles habitam o mundo pós-A rede social, produção da Sony sobre a criação do Facebook).
O herói, Dylan (Justin Timberlake, o ídolo pop que lança discos pela gravadora Jive Records), é o diretor de arte num blog em Los Angeles. Numa das primeiras cenas, ele instrui a equipe a escolher a fotografia mais atraente para a página principal do site. Mais adiante, ele explica que a página dá uma média de zilhões, centenas de zilhões de visitas por dia. É um homem jovem, bem sucedido, atlético, que veste ternos justos e bem aparados, corta o cabelo curtinho e tem “talento visual”.
A heroína, Jamie (Mila Kunis, uma das 102 mulheres mais sexies do mundo, segundo a revista Stuff), é uma headhunter também muito bem sucedida, que mora sozinha num apartamento em Manhattan e tem uma mãe hippie. Dylan e Jamie estão desiludidos com o amor. Para eles, histórias românticas só acontecem no cinema, em filmes como Uma linda mulher e similares. Como bons consumidores antenados de cultura pop, eles curtem George Clooney, detestam John Mayer e conhecem todos os truques baratos das comédias românticas (se Amizade colorida fosse um filme de terror, ele chamaria Pânico).
Me perguntei se eles teriam visto Sexo sem compromisso, uma produção Spyglass Entertainment com Natalie Portman e Ashton Kutcher sobre um casal que decide praticar a atividade sexo-sem-amor. Acho que não viram (e nem era um filme legal, então tá).
São “pessoas reais”, os personagens de Amizade colorida. Mas isso se você, caro leitor, é daqueles que consideram o “mundo real” um Starbucks jeitoso que fica aberto 24 horas por dia dentro do cérebro de Steve Jobs ou de Mark Zuckerberg.
Mas ok: vamos supor que este seja o mundo desejado pelo público potencial deste filme, uma faixa formada por jovens entre 14 e 25 anos, que talvez sonhem em morar em Nova York e já se decidiram por um dos lados no conflito tecnológico de iPhone versus Android. Para esse público, o filme funciona como um anúncio fulltime: quem não quer ser Mila Kunis ou Justin Timberlake? Nos primeiros 15 minutos, quando Jamie apresenta Manhattan a Dylan, admito que bateu a vontade de comprar um pacote turístico da CVC (parcelado em seis prestações).
Anyway. A missão de Jamie é atrair Dylan para a função de editor de arte na revista GQ. Dylan não parece muito animado com a ideia. Ele gosta de Los Angeles, onde as ruas são largas e a vida flui como um churrasco de domingo. Mas a moça dá um golpe fulminante ao levá-lo para conhecer a Times Square. Nesse ponto da trama, o filme mostra um turbilhão de letreiros luminosos de marcas que não conheço (mas talvez já tenha sonhado em conhecê-las). Reconheci a fachada do Friday’s, mais uma vez. E, desta vez, a imagem abriu meu apetite.
(E aí refleti: é uma pena que trocaram o Friday’s do shopping Pier 21 pelo Fifties. Às vezes dá uma saudadezinha. Se bem que o Fifties não me parece desonesto, então ok)
Onde paramos? Sim. Na Times Square. Nos letreiros luminosos. Dylan não está convencido por eles. Ele quer algo mais puro, algo mais verdadeiro, algo que o inspire e o tire do chão. Eis que, numa sacada espertíssima, Jamie o apresenta a um legítimo flash-mob. Sim! Uma manifestação bacanérrima de afetuosidade urbana. Ao sinal dos acordes de uma canção de Frank Sinatra, os engravatados e as executivas dançam e fazem coreografias complicadas nas ruas de Nova York. Dylan se emociona e (como não?) decide ficar.
É um pouco complicada a adaptação à rotina nova-iorquina, já que, por exemplo, as pessoas não costumam esperar o sinal de trânsito fechar para atravessar a rua. E elas são tão estressadas e práticas, às vezes tão transgressoras, e de uma forma tão natural e desencanada (o editor de esportes, vejam só, parece machão mas é gay!). Ainda assim, Dylan chega ao escritório da revista GQ e cria uma bela companha publicitária que mistura a espontaneidade dos flash-mobs com a elegância da marca GQ. Fica muito joia, porque, cê sabe, propaganda boa é aquela que inspira verdade, humanismo e graça.
Para ambientar Dylan na nova cidade, Jamie prepara uma festa onde jovens atléticos e antenados se reúnem para beber cervejas Heineken e se divertir com um joguinho de videogame que lembra muito o Kinect do Xbox (com sensores de movimento! Onde vende?). Na trilha sonora, toca Janelle Monae, uma artista da Atlantic Records que faz relativo sucesso de público e grande sucesso de crítica.
Eis que Dylan e Jamie, dois corações despedaçados pelo cinismo bacana da era pós-Napster, se tornam amigos. Depois de assistir a uma comédia romântica na tevê (que, na verdade, é uma paródia de comédias românticas, com todos os clichês à flor da pele), eles decidem fazer um trato: transar só por diversão, como faziam os hippies. Nada de compromisso amoroso, nada da encenação carinhosa que os casais de verdade fazem quando se amassam sob lençóis. Nada disso. Só sexo. E sexo pragmático, mais ou menos como num treino de academia de ginástica. Eles curtem.
Antes de transar pela primeira vez, Jamie pede para Dylan jurar que eles não serão namorados. Ela não tem uma Bíblia em casa (quem tem Bíblias em casa? Estamos em 2011, deus!), mas tem o aplicativo-Bíblia no iPad. Dylan jura com a mão grudada no touchscreen da Apple, mas, antes disso, faz uma piadinha sobre a interface mais ou menos inteligente do iPad. Nesse momento a plateia ri, porque aparentemente todo mundo tem iPad, e todos já viveram aquele probleminha na vida real quando tentaram usar o aplicativo-Bíblia com a fuckfriend da ocasião.
Ou algo assim. E Dylan, que é um amor, confunde uma música do Semisonic com um hit do Third Eye Blind (bandas que, notem a sacada do roteiro, são tão descartáveis quanto este roteiro aqui).
Jamie e Dylan transam “a lot” e, quando tomam fôlego e decidem parar com a brincadeira, tentam entrar em relacionamentos de verdade. Não se sabe por que tentam (talvez por tédio, ironia), já que pareciam cansadíssimos do ritual romântico. Dylan encontra mulheres insuportáveis, chatérrimas. E Jamie encontra um médico perfeitinho, que consome cultura pop e cuida de crianças com câncer, mas ele se revela um crápula como todos os outros. Não acontece como nos filmes.
Nesse ponto da trama, quando a narrativa perde o ritmo e caminha para o inevitável happy end, aproveitei para checar meu smartphone. Havia duas mensagens no WhatsApp e um SMS da minha mãe, que pedia um sanduíche do Giraffa’s. Nessa altura, eu já havia bebido toda a minha garrafinha de Mate Leão, e pensava em ouvir com atenção o disco novo do Wilco, uma banda da Nonesuch Records.
Quando dei por mim, Dylan já havia levado Jamie para passar o feriado de 4 de julho na casa dos pais dele, em Los Angeles. E o filme havia ficado mais sério: descobrimos com o pai de Dylan tem Alzheimer. É o personagem mais verdadeiro em cena, mesmo quando tira as calças num restaurante, antes do almoço. Pena que o filme não esteja tão interessado nele: mais importante é mostrar os “problemas de intimidade” de Dylan, que também é péssimo em matemática.
Porque Dylan, na lógica do filme, parece mesmo bastante real.
Uma noite, depois de brincar alegremente (Jamie o espezinha com o livro Maths for dummies, daquela coleção bacana de capa amarela que vendem nas melhores livrarias), eles se conectam de um jeito, hmm, romântico. A trilha sonora do filme fica melosa, o sexo se torna mais lento e “amoroso”, os lençóis são de seda e, de repente, o amor está no ar. No dia seguinte, porém, Dylan não percebe nada disso e faz comentários infelizes sobre Jamie — que ela, a amiga, acaba ouvindo. Tá feita, como diria o locutor da Sessão da tarde, a confusão.
Num rompante, Jamie decide pegar um voo noturno para Nova York (cartões de crédito servem para isso), e o filme se torna melancólico. O amor é mesmo um curto-circuito terrível e frustrante, não é mesmo? Dylan liga para o telefone de Jamie, mas ela não atende. Quando Jamie decide enfim ligar para o telefone de Dylan (já que apareceu uma oferta de emprego para ele na Barnes & Noble), é o telefone dele que está desligado. Dá vontade de ter aqueles telefones (ainda que eu odeie touchscreen), mas não dá vontade de estar naquele relacionamento sem fio.
Quando Dylan percebe que está mesmo apaixonado (o filme, afinal, tem que terminar em algum momento), mexe os pauzinhos e organiza um flash-mob supimpa na estação de trem que serviu de cenário para o filme romântico babaca que eles viram na noite em que decidiram transar pra valer. Ufa. O importante é que a declaração romântica dá certo, e o filme termina mais ou menos como aquelas comédias românticas artificiais e quadradinhas que ele queria satirizar. A diferença é que, em vez de tomar a carruagem branca, o casal bate um papo num café confortável, que lembra o ponto de encontro da turma da série Friends.
E aí a gente pensa: ah, deve ser bom frequentar esse café, mas talvez ele só exista em Nova York. Talvez, pensamos, ele só exista em filmes que parodiam outros filmes e que, ainda assim, sentem saudade daqueles filmes que estão parodiando. Um cinismo cheio de nostalgia e afeto. Se é retrato de uma geração, Amizade colorida (dirigido por Will Gluck, que nunca vi mais gordo) me parece revelador: seria bom se trocássemos esta geração no balcão da megastore, porque as peças estão em curto-circuito e não haverá assistência técnica que dê jeito.
Na saída da sessão, comi um sanduíche de peito de frango no Giraffa’s (sem queijo), dei uma espiada na vitrine da loja da Nike (lembranças da minha conta bancária castraram o meu id) e chequei se o preço do Macbook Air permanecia altíssimo (permanecia). Duas horas depois, eu lembrava mais do sanduíche de peito de frango que do filme. Com uma dose menos exagerada de maionese, seria perfeito.