Americanos

Deerhoof vs. Evil | Deerhoof

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Preciso fazer uma confissão, meus amigos: nos últimos meses de 2010, não foi tão complicado escrever para este blog. É. Não foi. Nos momentos mais sinistros, quando o meu mundinho tão sólido começa a desmanchar no ar, é nestas páginas que me penduro. Os dedos agarrados ao teclado, gritando socorro. Fica até fácil.

Acontece que depois, quando o apocalipse esfria, os parágrafos voltam a uma condição de repouso. Ou, pior, de movimento retilíneo uniforme. Aí descubro que não sei mais lidar com eles. Os dedos hesitam no teclado. A maré tranquila não faz bem à canoa.

Nas últimas semanas, fiquei nesse impasse. A vida está boa, larguei meus problemas na porta. 2011, para mim, é uma comédia romântica às avessas, abrindo com o happy end (cenas felizes que me impressionam dia após dia). O blog, que sempre foi um pouco triste, destoou do contexto. Até pensei: talvez ele tenha que mudar.

Fiquei aflito, pra ser sincero: o site me parecia confuso, indeciso demais. Ainda não sei a quem interessa um blog como este, que não é isso nem aquilo, que não tem RG, que anda sempre na beira do telhado. Que não fala exatamente sobre música nem sobre cinema, que não é só um diário (de um sujeito mediano) nem um laboratório de textinhos ingênuos com ambição literária. Talvez tenha um pouco de todas essas coisas, mas essa equação (pouco + pouco + pouco) passou a me incomodar.

Fiz planos que facilitariam a minha vida. Passou a parecer uma questão de foco. Por exemplo: fazer deste um blog de música, quadradinho (mas talvez eficiente), com notícias e resenhas. Ou: fazer deste um blog de cinema, sisudo e cheio de pensamentos um tiquinho arrogantes. Ou: abandonar os discos e os filmes para escrever sobre o meu dedão do pé e minhas lembranças de adolescência, de um jeito arreganhadamente narcisista porém amável, com a possibilidade de fazer sucesso com a gurizada. Ou: listar episódios de seriados. Ou: rankings non-stop. Ou: mixtapes para sempre!

Nada parecia satisfatório, nada. Mas, em meio à confusão, brilhou um farolete onde eu menos esperava. Sim, no disco novo do Deerhoof.

Explico: o Deerhoof (que era um trio, hoje um quarteto) é daquelas bandas que atraem pela gana como defendem visões de mundo muito particulares. Lindas e loucas idiossincrasias. No caso, os principais mandamentos do grupo são: 1. Nunca se repetir e 2. Nunca se domesticar (pelo menos não totalmente, ou não da forma como esperamos). Eles gravam discos que soam simultaneamente dóceis e selvagens. Não nos deixam seguros.

“I’m not fucking around”, diz Sufjan Stevens. Pois o Deerhoof é o contrário disso. Qualquer álbum deles poderia se chamar To fuck around, já que o estilo da banda soa como uma colagem de experiências que, mesmo quando produzem faixas perfeitinhas, sempre sugerem um ensaio na garagem. É brincadeira, brodagem, vontade de tentar algo diferente. Uma disposição para a desordem que lembra esquisitices como The Fiery Furnaces e os primeiros discos do Super Furry Animals.

Tudo pode dar certo. Mas pode dar errado.

As liberdades da banda fizeram com que eu deixasse de me preocupar com as liberdades do blog. Sem querer comparar um ao outro (meu blog é quase nada; este disco é às vezes muito). Não acredito que seja um blog corajoso ou importante, ou que vá ser reconhecido em 2040, nada disso: o que me conectou ao site desde o início foi a possibilidade de usar estas páginas para fazer qualquer coisa. E fazer tudo errado, só que do meu jeito. Parecia simples. Mas admito que às vezes isto se torna um buraco de coelho.

No décimo disco do Deerhoof, noto um dilema parecido. Quanto mais a banda se aventura (sem itinerário, já que tudo é possível), mais ela queima possibilidades que pareciam promissoras e opta por desvios nem sempre animadores. É um álbum que, em comparação ao anterior (Offend Maggie, lançado há três anos) soa compacto, com anomalias curtas que cruzam referências dos anos 60 (a psicodelia) e 70 (o hard rock) enquanto beliscam de vez em quando as melodias mais coloridas, mais agradáveis.

Ao contrário de Friend opportunity (2007), no entanto, não é cajuzinho, não é uma moça exótica que nos chama para dançar. Deerhoof vs. Evil me parece mais arredio, uma jam com remela nos olhos, nas primeiras horas da manhã.

No mais, apesar de todas as voltas que este quarteto dá, o estilo da banda permanece intacto: os versos infantis que se repetem em ciclos (a ótima Secret mobilization abre com um sugestivo “Isto não é baseado numa história real”, e há as bombas atômicas caindo do céu de The merry barracks, outro estouro), os riffs inesquecíveis que avançam sobre nós apenas por alguns segundos, antes de sair correndo, a voz miúda de Satomi Matsuzaki e os momentos completamente inesperados, como a balada hippie No one asked to dance.

Talvez pareça insignificante. Mas quer saber? Não me importo. Não abandono o Deerhoof porque a banda incorpora, de certa forma, tudo o que eu queria ser: um homem capaz de, apesar de todas as expectativas criadas pelos outros, defender com firmeza as minhas convicções e as minhas alegrias — as mais estranhas e caóticas, principalmente.

E este blog, um campo minado, ainda é uma das minhas felicidades. Então sigamos.

Décimo disco do Deerhoof. 14 faixas, com produção da própria banda. Lançamento Polyvinyl Records. 7/10

Superoito express (21)

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Subiza | Delorean | 7

O Delorean é um quarteto espanhol que soa como uma banda sueca de electropop. Eles saíram em turnê com o jj e o Miike Snow (que são suecos), foram remixados The XX e Franz Ferdinand (que são britânicos) e criam trilhas sonoras para fins de tarde em Ibiza (uma ilhota espanhola que os turistas europeus a-do-ram). Sabe aquilo que chamam de pop global? Pois bem. Se você ouvir este disco numa tarde chuvosa, ele vai te transportar para uma praia exótica, com areia branquinha e macia. E, claro, frequentada por gringos pegajosos que curtem house e farofada.

Resumindo: Subiza não é exatamente o paraíso. Se você encana com a superficialidade escancarada (e meio cínica) do indie-dance sueco, não recomendo esta pílula doce. Mas admita: não são muitos os que conseguem criar esse tipo de atmosfera delicada/arejada/ensolarada sem descambar para a lounge music de desfile de moda que encontramos naquelas coletâneas da boate Café del Mar (que fica em Ibiza, veja lá). E há lindos cartões-postais, como Real love e It’s all ours, que soa como as férias secretas do Animal Collective. Eis o paradoxo deste disquinho de vento: quanto mais você ouve, menos rasteiro parece.

jj nº 3 | jj | 7

O segundo LP do jj começa tão bem que deixa qualquer um com vontade de sugerir que a dupla regrave todas as outras oito faixas. E My life, o grande início, não deveria ser mais do que uma introdução. Mas, para roubar a cena logo nos créditos de abertura, a continuação de Ecstasy soa como uma homenagem ainda mais estranha à marra do hip-hop americano (eles se apropriam de versos do Lil Wayne gravados pelo rapper em uma música do The Game) e o mais próximo que a banda chegou do espírito noir típico do trip hop. A letra, sobre prisões e crimes, é veneno azedo no refrigerante do duo, que vai se aproximando aos poucos da soul music. Uma delícia. O restante do álbum é quase tão irresistível quanto, ainda que pareça um esboço para o próximo disco (And now e Let go são flechadas no peito). De qualquer forma, é muito bom conhecer uma banda que só precisa de 27 minutos para nos conquistar.

The wonder show of the world | Bonnie “Prince” Billy & The Cairo Gang | 6

Apesar de acompanhar com muito interesse o rastro de Bonnie ‘Prince’ Billy, reconheço que os melhores momentos do caubói são os solitários. O estilo dele, creio eu, até se beneficia dessa imagem de isolamento: o que ouço em discos como The letting go e Ease down the road é um homem (no máximo, ao lado de uma mulher misteriosa) numa pequena sala. A exceção é o ótimo Superwolf, com Matt Sweeney. No projeto com o Cairo Gang (do guitarrista Emmett Kelly), Billy volta a cantar o tema preferido (a vida em família, com tudo o que há de sublime e assustador) sem a força de um disco muito parecido com este: Lie down in the light, de 2008. A guitarra jazzística de Kelly deve ter atraído o compositor a experimentar uma sonoridade um pouco diferente e espairecer um pouco. Mas, à exceção da primeira música (Troublesome houses), o álbum dá giros lentíssimos em torno de uma ideia já desgastada.

Head first | Goldfrapp | 5.5

Fico com a impressão de que, desde o momento em que se assumiu como uma banda pop (Black cherry, de 2003), o Goldfrapp passou a se preocupar demais com a necessidade de acompanhar “tendências” de pistas de dança e de surpreender o público com mudanças abruptas de figurino. Depois de Seventh tree, o “álbum folk” (no auge do neo-folk americano), este Head first pega a onda do electropop oitentista que voltou às rádios inglesas como o La Roux e o Little Boots. Novamente, me parece apenas uma tentativa desesperada de não perder o bonde. Rocket é um single divertido, mas o disco soa apenas como o lado B de um greatest hits da Kylie Minogue. Rasteiro. E agora, com o retorno do Portishead e do Massive Attack, quem sabe Alison não resolve retornar ao ponto onde o disco de estreia parou?