30 anos

(sábado, no carro, 14h20)

Postado em Atualizado em

Minha irmã: Não. Não, mãe. É conservador pra burro, totalmente atrasado dizer um negócio desses. Chegar dizendo que a menina abandonou o colégio, namorou aquele estúpido e começou a usar crack ou sei-lá-que-bagulho só porque, olha isso, só porque a mãe dela resolveu assumir o caso com uma mulher? Ó, conheço umas três pessoas que viveram esse tipo de draminha e sei de umas duzentas que estão cagando pra isso. Imagina se vão se preocupar com quem a mãe fica ou deixa de ficar. A vida da mãe é a vida da mãe. E ponto final, meu deus! Pode acreditar: ninguém tá nem aí.

Eu: Você acha? O que eu noto hoje é que os pais se preocupam demais com esse tipo de coisa, enquanto que os filhos estão pensando em outros assuntos. Quer dizer: é claro que, se minha mãe começasse a sair com uma mulher, eu perguntaria: como assim? Mas eu tenho 30 anos, não sei o que eu pensaria se tivesse 12. Na verdade, acho que não sei mais nada sobre os meninos de 12 anos. Pra mim é meio que um outro mundo, e eles estão mil anos à frente de mim. Outro dia eu tava entrevistando um cabeleireiro totalmente afetado e daí entrou o filho dele, um rapazinho de 15 anos, enganchado numa menina de uns 18. O garoto todo marrento, aquela voz de ‘não mexe comigo que sou machinho’, foi lá e deu um beijo no pai, brincou com a cabeleira do homem, e eu fiquei pensando: caramba, alguma coisa aconteceu, alguma coisa está acontecendo, ou talvez não esteja acontecendo nada e eu seja o cara mais conversador do planeta. Ou talvez não esteja acontecendo nada e este seja um caso muito específico.

Minha irmã: Está acontecendo, Tiago. Já aconteceu.

Minha mãe: Não é tudo isso.

Eu: Aí eu fico pensando no que acontece com o garoto que é criado por duas mães, como funciona? De verdade, na real, como acontece? Sei que não é nada extraordinário, que tem família de todo tipo, boas e ruins. Que as pessoas se viram, seguem em frente do jeito como conseguem. Mas fico pensando se o menino vai tentar compensar a ausência do pai, se ele vai buscar o pai em algum lugar. Se ele vai precisar do pai em algum momento. Se ele vai tentar compensar isso de outra forma. Cê entende, né? Falo sobre pessoas como nós dois… Nós, com os nossos pais. Dois pais, e todos esses problemas. O pai ausente, o outro que passou a vida inteira meio distante. E eu senti isso, você sentiu isso. Essa falta. Então me pergunto se, quando superarmos todos os nossos preconceitos e aceitarmos todo tipo de formação familiar menos convencional, se não vamos voltar a essa velha discussão sobre a figura paterna, sobre o quão importante ou desimportante ela é para nossa vida. Esse debate vai voltar à moda? Quando? Ainda quero saber muito sobre isso, sobre esse tema, ele me persegue todos os dias, e é como se estivessem encerrando o assunto, dizendo: não é grande coisa, Tiago, é uma questão ultrapassada. Entendem?

Minha mãe: Você devia arrumar uma namorada.

Minha irmã: Não tô nem aí, sinceramente.

Before today | Ariel Pink’s Haunted Graffiti

Postado em Atualizado em

Ariel Marcus Rosenberg tem 31 anos e nasceu no dia 24 de junho de 1978. Eu tenho 30 anos e nasci no dia 25 de julho de 1979. Isto é: não somos exatamente irmãos gêmeos, mas há um cordão invisível que nos une. Há sim. Nós dois, talvez na mesma época, fizemos loucas viagens ao mundo mágico do pop doméstico.

Não é incrível?

É claro, há algumas (pequenas) diferenças entre nós dois: eu gravei umas 20 fitas-cassete incrivelmente toscas, prestei vestibular, consegui um emprego, encostei a guitarra e hoje economizo cada centavo para pagar o aluguel e a tevê a cabo. Já Ariel Pink gravou umas 500 músicas lindamente toscas, fez amizade com o Animal Collective, assinou contrato com o selo 4AD, foi a Abbey Road e, no fim do ano, estará em um punhado de listas de melhores discos de 2010.

Mas voltemos ao mundo mágico do pop doméstico, ok?

A sonoridade de Ariel Pink — mais lo-fi do que o lo-fi — me transporta para 1999, 2000, quando descobri como transferir minhas canções para o computador e, depois submetê-las a cirurgias digitais tortuosas, transformá-las em criaturas esquisitas. Elas continuaram soando incrivelmente toscas, só que também muito bizarras.

Minha carreira musical tornou-se tão obscura quanto a dos candidatos rejeitados nas primeiras sabatinas do American idol. Eu não deveria estar me comparando a um ídolo indie que, de acordo com o Wikipedia, faz “outsider music”. Mas só forcei a barra para explicar que o estilo de Ariel não é uma novidade efêmera (repito, princemaníacos: 1999!) nem algo exatamente original, que surgiu como uma faísca de vida em Saturno. Aos meus ouvidos, soa como uma evolução daqueles testes muito inocentes que eu, Ariel e milhares de outros adolescentes desocupados fazíamos em nossos PCs antiquados.

Entre 2004 e 2008, Ariel lançou uma série de discos longos (cada um dura em média 60 minutos) e desarranjados que são mixtapes cujo objetivo é recriar essa pré-história do indie-digital-de-garagem-suja. Admito que tentei ouvir um desses discos e parei no meio: são experimentos tão particulares que me lembram das primeiras gravações do Pavement. É como se Ariel gravasse por tentativa e erro, sem destino, sem ambições, procurando um som que não sabia bem se conseguiria encontrar.

Mas encontrou. Daí a importância de Before today, que congela essa descoberta em 12 faixas adoráveis que soam como resíduos do apocalipse digital. É como se um vírus perverso resolvesse corromper e embaralhar uma playlist composta por cacos de pop oitentista, soul music dos anos 1970 e rock psicodélico dos anos 1980.

Nos primeiros discos, Ariel soava confuso. Agora, soa como se estivesse no controle de um estilo que, entre outras propriedades, desorienta quem ouve. É um grande avanço.

Cada pedacinho das canções parece estar no lugar certo (e, pela primeira vez, o compositor é acompanhado de uma banda muito afiada, que entra na brincadeira), ainda que o efeito do disco seja o de uma obra espontânea, uma jam siderada. A comparação parece absurda, mas Ariel joga no mesmo time do velho Bob Dylan e do jovem The XX: antes de se preocupar com canções, eles criam atmosferas que remetem a determinados períodos do passado do pop.

Ariel também tem algo em comum com o Super Furry Animals de álbuns ensebados e “datados” como Love kraft e Hey Venus. Mais do que remeter a ídolos da psicodelia, o vocalista tenta reprisar o espírito sacana e mutante de discos do T-Rex, de David Bowie e do Love. Daí que, quando as guitarras explodem em Butt-house blondie, elas nos lembram menos de noise pop e mais do som caloroso (mesmo quando pouco barulhento) de antigos vinis. E o discurso andrógino de Menopause man bate como uma ousadia perdida no tempo, como que tirada de uma cena perdida de Hedwig and the Angry Inch.

O mais divertido, no entanto, é quando Ariel leva uma mochila de vanguarda ao estúdio Abbey Road e sai de lá com Round and round. Uma canção áspera e doce. E tão bonita que me deixou com vontade de desenterrar minhas antigas fitas-cassete e — coragem! — ouvi-las mais uma vez.

Disco de Ariel Pink’s Haunted Graffiti. 12 faixas, com produção de Sunny Levine, Rik Pekkonen e Michael Wagener. Lançamento 4AD. 8/10