TV
2 ou 3 parágrafos | Treme, primeira temporada
A trama é muito menos intrincada, mas, quando comparo com The wire (e a comparação é inevitável, já que David Simon sempre será conhecido com o homem de The wire), os desafios de Treme (4.5/5) me parecem um pouco mais complicados, mais delicados. E é espantoso como, em 10 episódios, a série consegue se esquivar de tudo o que há de mais perigoso (e simplista) na ideia de usar um punhado de personagens para acertar contas com uma grande tragédia (a ação é encenada em Nova Orleans, três meses após o Katrina).
A comparação, ora pois: The wire era uma série policial que ia subvertendo o gênero ao esquadrinhar o cotidiano de uma cidade (Baltimore, em Maryland). Enquanto que Treme, coescrita por Eric Overmyer, já nasce indefinível. É um drama musical com elementos de investigação policial, digamos, e que me lembra os filmes-coral de Altman. Mais complexo do que isso: os roteiristas estão sempre se equilibrando numa linha muito fina, entre o ensaio sociológico (é o retrato de uma comunidade abandonada pelo governo federal, que tenta sobreviver e, quando muito, se reerguer) e a crônica sobre pessoas que não aparecem nas planilhas oficiais.
A série triunfa de um jeito e de outro. A narrativa é um lago mais ou menos plácido, silencioso, que, quando menos esperamos, é atingido por pedradas (dois momentos violentíssimos têm a ver com a morte de pessoas comuns, em circunstâncias nada extraordinárias). The wire (ou pelo menos a primeira temporada, a única que vi) já era um pouco assim, uma série que permite aproximação gradual entre o espectador e os personagens. Mas, capítulo à parte, Treme usa a música como elemento essencial para narrativa. E já seria uma série grande apenas por mostrar como o sentido das canções tão típicas de Nova Orleans foi renovado pelas circunstâncias desastrosas. A vida, especialmente ali, soou como blues.
No Twitter | 1-9 de junho
Uma compilação dos comentários-relâmpago sobre séries e filmes que postei no Twitter durante a semana. Em alguns casos, com adjetivos e interjeições que não couberam nos 140 caracteres.
Hadewijch | Bruno Dumont | 3.5/5 | O lado político é dispensável (o filme me parece rasteiro quando toca nesse nervo), mas o sofrimento da protagonista soa verdadeiro. Tem os personagens mais humanos do cinema de Dumont, e parte do crédito é da interpretação de Julie Sokolowski (em particular) e das improvisações com o elenco.
Férias de verão com Coo | Kappa no ku to natsu yasumi | Keiichi Hara | 4/5 | Anime impressionante. Em 2h20, tem ideias para umas cinco superproduções da Pixar. E emociona. E é quase tão surreal quanto Alice no país das maravilhas.
Oceanos | Jacques Perrin e Jacques Cluzaud | 3/5 | Um panfleto ecológico para crianças com algumas cenas subaquáticas deslumbrantes. A projeção digital não ajudou.
Esquadrão Classe A | The A-Team | Joe Carnahan | 3/5 | Uma versão fast-forward da série, com mais ou menos 500 cenas de ação e uma trama pífia (mas o seriado tinha isso? Tramas?). Eu não fiquei entediado. Um filme sobre planos absurdos que dão certo e, é claro, sobre objetos que explodem.
O refúgio | Le refuge | François Ozon | 2/5 | Talvez com lentes Varilux eu enxergaria algo tocante no filme. Ozon, volte aos melodramas ultra-artificiais e aos superbebês, ok? Comentário que no fim da sessão: ‘é um filme tão bonito!’ Beleza calculada, na minha opinião.
O dia da saia | La journée de la jupe | Jean-Paul Lilienfeld | 2/5 | É Entre os muros da escola vs Um dia de fúria. Uma aulinha de como forçar a barra da ficção em prol do ‘social’.
Sex and the City 2 | Michael Patrick King | 1/5 | Faz qualquer um desistir de casamento, de ter filhos, de Nova York e das férias. O espetáculo mais vazio do ano, e dura 2h20.
Glee | s01e22: Journey | 4/5 | Desfecho exemplar. Ótimo mesmo. Golpe baixo atrás de golpe baixo, mas não consegui desviar de nenhum deles.
Glee | s01e21: Funk | 3.5/5 | Está para o episódio anterior assim como Beck está para Lady Gaga. Isto é: muito, muito melhor.
No Twitter | 22-31 de maio
Uma compilação dos comentários-relâmpago sobre séries e filmes que postei no Twitter durante a semana. Em alguns casos, com adjetivos e interjeições que não couberam nos 140 caracteres.
Príncipe da Pérsia: as areias do tempo | Prince of Persia: the sands of time | Mike Newell | 2/5 | Está duríssima a batalha dos blockbusters abobalhados. Não sei qual é o mais palerma, se Fúria de Titãs ou Príncipe da Pérsia – esse último, aliás, é mais uma prova de que fazer os personagens saltarem no tempo é ótima desculpa para roteiristas preguiçosos.
Godard, Truffaut e a nouvelle vague | Deux de la vague | Emmanuel Laurent | 3/5 | Um doc didático e quadradinho, mas recomendo muito: as imagens de arquivo são incríveis (dois exemplos: Os incompreendidos em Cannes e entrevistas com o público à saída das sessões de Acossado).
Treme | s01e06: Shallow water, oh mama | 3.5/5 | A trama pouco avança, o que não chega a ser um problema – taí um bom momento para notar as atuações, quase todas excelentes.
Treme | s01e07: Smoke my peace pipe | 4/5 | Agora que nos afeiçoamos aos personagens, a série finalmente nos atinge com uma pancada. A cena dos caminhões é de machucar.
FlashForward | s01e22: Future shock | 3/5 | Um desfecho muito coerente com a série: pulpy, frenético, às vezes ridículo, tão sentimental quanto Grey’s anatomy.
Glee | s01e20: Theatricality | 1.5/5 | O mais pobre da temporada. A celinedionização de Poker face é totalmente constrangedora.
No Twitter | 15-21 de maio
Uma compilação dos comentários-relâmpago sobre séries e filmes que postei no Twitter durante a semana. Em alguns casos, com adjetivos e interjeições que não couberam nos 140 caracteres (e uma faixa-bônus!).
Me and Orson Welles | Richard Linklater | 3/5 | Obrigado, Linklater, por um filme de época sem a sisudez ou a pompa de uma parada militar. Em matéria de fluência, um espetáculo. Mas Zac Efron, tio?
O inferno de Henri Georges-Clouzot | L’enfer d’Henri Georges-Clouzot | Serge Bromberg e Ruxandra Medrea | 3/5 | O doc termina e, ainda assim, mal consigo imaginar se o filme de Clouzot seria algo genial ou apenas enorme. Mistério.
Fúria de Titãs | Clash of the Titans | Louis Leterrier | 2.5/5 | Uma fantasia pulp carnavalesca mais divertida do que eu esperava. Sim, eu esperava Super Xuxa contra o Baixo Astral. E o 3D-que-não-dá-barato é apenas uma entre várias picaretagens do filme.
Palavras cruzadas | Wordplay | Patrick Creadon | 2.5/5 | Este doc nos mostra que as cruzadinhas do New York Times são mais sagazes do que o conteúdo noticioso de muito jornal brasileiro. Mas quando o filme se transforma num thriller sobre batalha dos nerds, vira jogo de sete erros.
Treme | s01e05: Shame, shame, shame | 4/5 | Quando chega a cena-chave (cruel!), percebemos o quanto gostamos daqueles personagens. Bela série, grande episódio.
V | S01e12: Red sky | 3/5 | “É season finale, minha gente, vamos matar alienígenas!” Mas aí o episódio vai ficando finalmente bom quando… é claro, ele acaba.
Lost | s06e16: What they died for | 3/5 | A salvação do episódio, soletrando: B-E-N. O resto é conversa ao pé da fogueira para ninar criancinha (e vamos torcer para que tenham guardado todas as melhores surpresas para o desfecho). E já deu, né?
FlashForward | s01e20: The negotiation | 3/5 | A agente infiltrada, Janis, é o trunfo da série. Aceito engolir o besteirol todo só pra saber como ela sai da encrenca.
Glee | s01e19: Dream on | 2.5/5 | Sempre me decepciono quando a série troca o humor pela chantagem sentimental. Este sonolento episódio sobre sonhos, sonhadores e sonhos-de-valsa é o caso.
No Twitter | 9-14 de maio
Uma compilação dos comentários-relâmpago sobre séries e filmes que postei no Twitter durante a semana. Em alguns casos, com adjetivos e interjeições que não couberam nos 140 caracteres.
Robin Hood | Ridley Scott | 2/5 | Esta versão aborrecida da lenda transforma todas as outras adaptações em fantasia bocó. Eu fico com a fantasia bocó. (Mas a última cena de batalha me impressionou: grau de brutalidade que não se encontra em livros para crianças).
O preço da traição | Chloe | Atom Egoyan | 2/5 | Egoyan chega ao fim da linha: Atração fatal com verniz autoral. Desta vez, nada de converter lixo em reflexão.
Querido John | Dear John | Lasse Hallström | 1/5 | Dramalhão medonho para fãs de Crepúsculo. Não tem vampiros, mas duvido que corra sangue nas veias do parzinho principal.
Lost | s06e15: Across the sea | 2.5/5 | Um megaflashback bíblico (lição do dia: a culpa é da mãe) com várias respostas que mereciam ter ficado em segredo. Deus!
V | s01e11: Fruition | 2/5 | Os visitantes alienígenas ameaçam, os rebeldes matutam estratégias de resistência. E é assim há uns cinco episódios.
Glee | s01e18: Laryngitis | 3/5 | ‘Você é Top 40, eu sou Rhythm and Blues’. Boa. No fim, eles assassinam One, do U2. Quase tantas intrigas amorosas quanto um episódio de Grey’s anatomy.
Justified | s01e06: The collection | 3/5 | Eu não me importaria nada se largassem as tramas policiais na sala de edição e transformassem a série num drama intimista (mas admito que ainda não consegui entrar na brincadeira).
FlashForward | s01e19: Course correction | 3/5 | Mais um daqueles episódios corridos, alucinados que mostram o quanto os roteiristas desta série veneram 24 horas.
Lost | LA X
(Cuidado, os próximos parágrafos contêm inúmeros spoilers da sexta temporada de Lost. Estão avisados)
Conversei com três ou quatro pessoas que, com bons argumentos, detestaram os dois primeiros episódios desta sexta temporada. Pode parecer mesmo muito difícil defender uma série que parece ter se contentado com a tarefa de explicar, um a um, os seus próprios enigmas (e os saltos temporais da quinta temporada ainda me parecem uma distração bem tola). Mas taí, discordo dos detratores: não só gostei deste recomeço como passei a acreditar que a série vai sim conseguir criar um desfecho capaz de remeter à atmosfera de mistério das primeiras temporadas.
Depois dos flashbacks e flashforwards, os roteiristas encontraram um jeito de fazer justiça ao jogo narrativo que marcou alguns dos melhores momentos do programa: agora, duas realidades se alternam. Existe a vida na ilha, em 2007, e a vida sem o acidente que derrubou no avião da Oceanic, em 2004. Seria uma temporada inteira dedicada a ilustrar o experimento do Gato de Schrödinger?
Lost segue frágil em vários aspectos: os diálogos são apenas razoáveis, as atuações não vão além do mediano e toda a encenação quase sempre acaba descambando para o kitsch (os defensores do templo, dentro da ilha, poderiam fazer parte do elenco de coadjuvantes de Piratas do Caribe). O trabalho coletivo de montagem, no entanto, continua bem afiado. E falem o que quiserem: não conheço outra série de tevê que tenha desenvolvido uma trama com uma estrutura narrativa tão livre, tão maleável. É, nesse aspecto (e continua a ser), um laboratório.
E, mais importante, parece que Damon Lindelof e Carlton Cuse vão compartilhar do sentimento prematuro de perda que acomete os fãs da série e criar uma temporada quase tristonha, melancólica. Foi que pressenti quando vi as cenas no avião, com a aparição de personagens que já não estavam em cena há algum tempo. Tem algo de bonito nisso: nessa realidade alternativa, com um quê de sonho, o espectador também realiza um desejo — o de voltar ao começo e reviver antigas sensações.
Entre aspas | Chris Marker e as séries americanas
“Para falar a verdade, eu já não vejo mais muitos filmes, exceto os dos amigos, ou as bizarrices que um amigo americano grava para mim no canal TCM. Há coisas demais para se ver na atualidade, nas reportagens, nos canais de música ou no insubstituível canal Animal. E minha necessidade de ficção se alimenta com o que é distante da fonte mais completa: as formidáveis séries americanas. Ali há um saber, um senso de narrativa, de economia, de elipse, uma ciência do enquadramento e da montagem, uma dramaturgia e uma atuação de atores que não possuem equivalente em lugar nenhum, sobretudo não em Hollywood.”
Chris Marker, em entrevista raríssima ao Libération, em 2003. Lembrando que hoje começa em Brasília, no CCBB, uma excelente retrospectiva com 31 filmes do cineasta – entre eles, Sem sol e O fundo do ar é vermelho, que vi e recomendo fortemente. Taí a programação completa.
(E a imagem que ilustra este post, Gay Lussac, é de maio de 1968, em Paris).
Intervalo | 100 mil e contando
Ainda não entendo como, mas este blog bateu a marca das 100 mil visitas. Deu tilt no sistema de contagem de acessos do WordPress? Será que essa soma de números corresponde à quantidade de pessoas que chegaram a este site modesto ao digitar no Google a frase “sexo selvagem com Leila Lopes”?
Pode ser que sim. Mas devo ficar contente? O blog começou em novembro de 2007 e, até agora, postei 671 textos irresponsáveis. No total, foram 3.168 comentários (nenhum deles rejeitado). A equipe de soldadinhos do WordPress baniu 708 spams – obrigado pela ajuda, gente. Ainda fico surpreso: nenhum dos meus blogs durou tanto tempo. O que aconteceu?
Abri este site na surdina, depois de ter decidido controlar meus impulsos autodestrutivos e escrever textos mais curtos, menos confessionais e desengonçados, sobre filmes e discos. Com o tempo, o plano foi para os ares: o blog engordou e, espaçoso, acabou se mostrando tão constrangedor quanto os outros. Admito, não mudei muito: ainda sou o sujeito que se incomoda profundamente quando ninguém comenta posts escritos com muito carinho e esforço – e que, de vez em quando, pensa seriamente em chutar o blog para a lata de lixo do canto do quarto e deixá-lo ali, quieto.
O que me impediu (e ainda impede) de fazer esse tipo de loucura é a colaboração de gente que frequenta este blog desde o início. Diego, Guilherme, Pilon, Filipe, Chico, André, Rodrigo e mais dois ou três desocupados (não é uma plateia muito numerosa!): sem vocês, isto não existe. Espero que continuem por aqui, mesmo quando meus textos inspiram apenas sentimentos de nostalgia. “Ah, como era bom quando ele escrevia sobre…”
Para comemorar (ok, me convenci de que trata-se de uma vitória), preparei listinhas bem curtas e até singelas dos filmes, discos e séries que fizeram de mim um apaixonado por cinema, música e televisão. Este blog não tem (nunca teve) grandes textos, mas eles são escritos com franqueza. É o único objetivo.
Um filme
Um corpo que cai (Vertigo, Alfred Hitchcock, 1958)
O favorito desde meus 16 anos de idade – por isso, sempre presente em todos os blogs que abri. Mais de uma década depois, revi o filme com cautela (é sempre perigoso mexer com esse tipo de lembrança): ele retornou como um sonho antigo, que não consigo analisar objetivamente.
+ 5 O demônio das onze horas (Pierrot le fou, Jean-Luc Godard, 1965, a sessão de cinema mais emocionante da minha vida), 2001 – Uma odisseia no espaço (2001 – A space odyssey, Stanley Kubrick, 1968), Minha noite com ela (Ma nuit chez Maud, Eric Rohmer, 1969), O espelho (Zerkalo, Andrei Tarkovski, 1975), Elefante (Elephant, Gus Van Sant, 2003).
Um disco
Pet sounds (The Beach Boys, 1966)
Outro guia para minha personalidade adolescente: conheci o disco mais ou menos na mesma época em que vi o filme do Hitchcock e, até hoje, não encontrei outro tão comovente. Mesmo depois de ter descoberto tudo sobre a importância história do álbum, continuei hipnotizado pela força sentimental, pela pureza das canções. Uma sinfonia divina para a juventude.
+ 5 White album (The Beatles, 1968), After the gold rush (Neil Young, 1970), The rise and fall of Ziggy Stardust and the Spiders from Mars (David Bowie, 1972), Doolittle (Pixies, 1989), Nevermind (Nirvana, 1991).
Uma série
Twin Peaks (David Lynch e Mark Frost, 1990-1991)
Comecei a assistir aos DVD, mas ainda não consegui seguir adiante: na minha memória, a série de Lynch e Frost é dublada em português e tem intervalos para comerciais. Foi a primeira que me mostrou as possibilidades criativas da televisão. Até hoje, todo filme de Lynch me leva a uma certa estrada vazia rodeada por montanhas assombradas.
+ 5 Além da imaginação (The twilight zone, Rod Serling, 1959-1964), Os Simpsons (Matt Groening, 1989-), Seinfeld (Larry David e Jerry Seinfeld, 1989-1998), Arquivo X (The X-files, Chris Carter, 1993-2002), Lost (Jeffrey Lieber, J.J. Abrams e Damon Lindelof, 2004-).
Lost | Quinta temporada
A vida me ensinou que (hum, pareço um velho, vamos começar de novo).
A experiência me ensinou que escrever textinhos opinativos sobre séries de tevê é um tiro que frequentemente sai pela culatra. Como devemos analisar um produto cuja autoria é diluída entre um punhado de roteiristas e diretores? Como tentar um olhar distanciado para um programa que, ao entrar na nossa rotina com a intensidade de um hobby (um hábito!), nos conforta mesmo quando tropeça nos 40 minutos mais desajeitados da história da teledramaturgia? Desisto.
Acompanho Lost há cinco anos e aposto que, se somarmos o tempo gasto nessa atividade totalmente improdutiva, eu poderia ter escrito dois ou três romances parrudos sobre tipos agoniados e crises existenciais. A quinta temporada (7.5/10) me parece a mais desastrada de todas: a necessidade de esclarecer mistérios é tamanha que muitos dos episódios soam simplesmente como explanações didáticas para fãs aflitos por entender de onde veio, o que significa isso ou aquilo. Mas não me arrependo: hobby é hobby, com ele vou até o fim.
O curioso é que, quanto mais responde as próprias perguntas, mais mirabolante a série parece. O que era insólito tomou proporções delirantes. Agora, os personagens saltam no tempo, morrem e ressuscitam, falam latim, alteram eventos do passado e atualizam trechos bíblicos com a naturalidade de quem vira páginas de gibis.
Lost pode ser acusado de tudo, vejam bem, mas taí uma série que lançou as próprias ambições à estratosfera. Nesse ponto, está à altura de Arquivo X, que definhou depois da quinta temporada. Em cinco anos, fomos obrigados a aceitar o que há de menos plausível no mundo da ficção-científica (se é que podemos chamar isso tudo de ficção-científica). E o que ganhamos em troca?
Quase nada, é verdade. Fico com a impressão de que, desde o início da quarta temporada, assisti a um longo aquecimento para o desfecho da série. Na quinta, essa sensação ficou um pouco mais intensa. Aceitar a premissa à De volta para o futuro, admito, foi o mais complicado: se os personagens podem voltar indefinidamente no tempo à mercê das vontades dos roteiristas, onde fica o mistério? Trata-se de um truque velho: mergulhar no passado da saga não resolve o que ela tem de inconsistente nem avança a trama. Só parece um flashback tamanho-família. Na maior parte do tempo, a narrativa girou em falso.
O episódio final resumiu os problemas da temporada (e não siga adiante neste texto se você ainda não assistiu ao episódio): o personagem mais abstrato da série ganhou corpo e os roteiristas gastaram parte do tempo explicando as relações entre aquele homem e alguns dos passageiros da Oceanic. Precisava? Como de praxe, os minutos finais deixaram ganchos forte para os próximos episódios (e o que foram as cenas tresloucadas envolvendo uma bomba meio enferrujada?). Mas, apesar de aguardar ansiosamente, ainda temo por eles.
2 ou 3 parágrafos | True blood, primeira temporada
Os primeiros episódios de True blood apresentam algo diferente: uma série com a grife “sofisticada” da HBO que, com plena noção do significado da palavra camp, chupa referências de dezenas de filmes B/livros baratos e joga esse caldo vermelho-sangue no ventilador. Um nojo, uma delícia.
Até a metade da primeira temporada, é o que Alan Ball fez de mais ousado: e nem estou falando da veia política da trama (que transforma os vampiros numa minoria, vítima de preconceitos, truculência, etc) ou das dentadas no conservadorismo americano (o sotaque sulista, carregadíssimo, é de dar dor de barriga – Anna Paquin está hilariante). Essas elementos garantem “respeito” à série, mas o espetáculo é de imagem e conceito: trata-se de um metaproduto pop, de um conto sobre contos de vampiro.
Isso, como eu dizia, até o meio da temporada (6.5/10). É decepcionante como a série vai diluindo essa estética trash para ir se acomodando ora num romantismo frouxo, ora num subplot de investigação policial que nunca engrena (e aí o desfecho soa obrigatoriamente como um anticlímax). De qualquer forma, vale como uma resposta debochada à ingenuidade de Crepúsculo – e prova de que há espaço para uma saudável dose de esculhambação no horário nobre.
2 ou 3 parágrafos | Dexter, terceira temporada
É comum que as séries aparem as próprias arestas lá pela terceira, quarta temporada. Nessa altura, o público já está familiarizado com os personagens e os roteiristas se sentem mais confortáveis (ou mais pressionados, em alguns casos) para tratar os conflitos da trama com um pouco mais de complexidade. De Arquivo X a Gilmore girls, a regra costuma ser essa. Mas não é o que acontece com Dexter, que vai envelhecendo mal.
A terceira temporada (6.5/10) é a mais frágil e desinteressante de todas, ainda que se dedique bravamente a explorar traços de personalidade do protagonista – acima de tudo a relação entre Dexter e o pai (agora transformado num espectro, quase um coadjuvante fantasmagórico). Ele próprio prestes a assumir a condição de papai e chefe de família, nosso herói serial killer vive um conflito introspectivo que a série – ainda sustentada em fórmulas de thriller – não dá conta de mapear (quem sabe na próxima temporada?).
Como se esse drama não fosse suficientemente forte (os roteiristas não acreditaram nele, essa é a verdade), as subtramas acabaram vencendo – o que dá a esta fase da série um tom quase descartável. São as Novas Aventuras de Dexter, apenas. A amizade entre o psicopata e um promotor tã-tã (Jimmy Smits) e a caça a um assassino que arranca a pele das vítimas dominaram os episódios – talvez por causa dessa narrativa pouco nutritiva, nunca os atores se destacaram tanto. E uma série com Michael C. Hall e Jennifer Carpenter quase não precisa de texto. Quase.
Lost | The life and death of Jeremy Bentham
A estranha lógica de Lost: depois de um episódio sustentado numa Grande Revelação (o retorno dos sobreviventes à ilha), The life and death of Jeremy Bentham deveria ter batido como um longo anticlímax. Aqui, os roteiristas da série recuam para acompanhar as aventuras de John Locke entre os pobres mortais. Surpreendentemente, o flashback rende os melhores 40 minutos desta temporada.
E uma prova bastante sólida de que Lost, mesmo em dias frenéticos, ainda consegue se dedicar decentemente aos perfis dos personagens.
O episódio confirma a fé dos seguidores de Locke: o salvador da humanidade (podemos cravar logo isso de uma vez por todas?) é torturado, morto, enforcado e (oh!) ressuscita para liderar os irmãos bem-aventurados. Confesso que, num primeiro momento, desconfiei das metáforas religiosas da trama. Mas agora, devidamente convertido, deixo o futuro desta saga nas mãos de Damon Lindelof e Carlon Cuse. Amém.
É que, apesar do recurso fácil de citar a Bíblia em vão (estratégia para fisgar os leitores de O código Da Vinci?), a série sai-se bem num período em que organiza as peças do tabuleiro para compor uma temporada de guerras e revoluções. E sério: se John Locke é nosso Jesus Cristo, podemos esperar o apocalipse… agora?
Enquanto os heróis estão em transe, saltitando no tempo, o jogo dos vilões parece cada vez mais interessante. Qual é o seu favorito? Flor… Widmore, que até agora assumia o posto de Satã, começa a se revelar estranhamente adorável. Já Donate… Ben, bem, para esse eu não emprestaria dois reais.
Sorte a minha: fiz primeira comunhão e crisma. Caso contrário, ficaria perdidinho.
PS: Ao contrário do que acontecia na quarta temporada, fico com a impressão de que os posts sobre Lost são um desastre de audiência aqui no blog. Para não desgastar nossa amizade, volto a escrever sobre o assunto no final da temporada. Certo?
Lost | 316
Um episódio que, para mim, pareceu tão divertido (um exemplo: ele começa exatamente da mesma forma que a abertura da primeira temporada) quanto difícil de engolir. Todas as peças do jogo estão se encaixando, mas, a cada novo flash de luz branca, me pergunto se o trabalho dos roteiristas não anda fácil demais.
Cadê a reviravolta que mudará novamente toda a nossa perspectiva sobre a série, hem? (Tudo bem que ninguém está prometendo algo do gênero, mas fico na expectativa).
É até chato especular sobre o desenrolar da trama, já que (pelo andar da carruagem) muitos mistérios serão explicados no próximo episódio. Gostei da ideia de reconstituir o momento do embarque no Oceanic, mas eu ficaria mais satisfeito (chamem-me de sádico) com uma nova cena de queda de avião. Tudo menos o maldito flash de luz branca.
O número do vôo da Ajira remete a uma passagem bíblica que fala em vida eterna para aqueles que acreditam em Jesus Cristo. No episódio, um bilhete monossilábico de John Locke dá a entender que o salvador da humanidade é careca, rabugento e pode ter se sacrificado para salvar os “escolhidos”. Faz sentido, não faz? Mas como explicar o violão que Hurley leva na bagagem? Teria sido encomendado por um certo roqueiro drogado metido a Noel Gallagher?
Nada, nada, nada desvia a atenção dos fãs do programa. Por isso, o episódio começa pela grande revelação (o retorno de alguns dos sobreviventes à ilha) e é desenvolvido como um longo flashback. Lembra os melhores momentos da série – isso se excluirmos toda aquela explicação furada sobre um certo pêndulo gigante que me fez lembrar de Stargate e outras nerdices afins. Que aí já é abusar da minha paciência.
Lost | This place is death
Até aqui, este poderia muito bem ser eleito o episódio-símbolo desta quinta temporada. Frenético e abarrotado de situações e informações, o capítulo esclareceu pelo menos três grandes mistérios antes mesmo dos créditos iniciais. Em pouco mais de 40 minutos, eis um exemplo de que Lost se sustenta como uma série simplesmente de ação, que nos impressiona mais pela agilidade da narrativa que por qualquer outro motivo.
Por enquanto não consigo prestar atenção às atuações nem ao trabalho dos diretores – as revelações de texto devoram tudo. Fica até difícil escrever sobre os episódios, já que eles parecem peças de um fluxo narrativo que só fará sentido (ou não!) na última cena da temporada. O máximo que podemos fazer é apontar alguns momentos surpreendentes e tentar prever o desenrolar das tramas – no fim das contas, muito pouco.
De qualquer forma, This place is death me espantou por resolver questões que poderiam ter se alongado por mais uns cinco ou seis episódios. Nunca vi um capítulo tão apressado para chegar logo ao fio da meada. Façamos as contas: ficamos sabendo sobre toda a história do desembarque de Rousseau à ilha (nos primeiros cinco ou seis minutos), acompanhamos a chegada dos losties à Estação Orquídea e a saída de John Locke para o “mundo real” (além disso, o que foi aquele encontro com o pai do Jack?) e, para completar, alguns dos Ocean 6 já se juntaram para, finalmente, tentar um retorno à ilha. É muito ou quer mais?
Em meio ao corre-corre, alguns momentos me agradaram mais que outros: a necessidade de juntar didaticamente todas as peças do quebra-cabeça incomoda um pouco, ainda que o retorno do “monstro de fumaça” tenha ajudado a nos mostrar que a série ocupa hoje o terreno da fantasia mais juvenil e absurda (a cada flash de viagem no tempo, fica a impressão de que a ilha está brincando com os sobreviventes). Eu não reclamo. E nem sou dos que querem comprar uma edição de Lost for dummies para entender logo os segredos da ilha.
O que me pergunto é: depois de resolver muitas das questões que atormentam os fãs, será que a série terá estofo para continuar de pé? Talvez esteja aí uma explicação para a intensa velocidade desses novos episódios de Lost: quanto mais velozes, menos pensaremos nesse assunto.