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2 ou 3 parágrafos | O reino do amanhã

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O reino do amanhã (8/10) parece ter sido escrito para acompanhar uma sessão de O despertar dos mortos, de George A. Romero. No livro de J.G. Ballard, um monstruoso shopping center (chamado Metro-Centre) devora uma pequena cidade no subúrbio rico da Inglaterra. É o resort, o templo, o paraíso, a redoma de vidro onde os moradores de Brooklands oram e comungam diariamente – entre máquinas de lavar, canais de tevê a cabo, praias artificiais e ursos de pelúcia.

Do autor de Crash e Terroristas do milênio (ambos impressionantes, recomendo), eu não esperava um olhar menos demolidor para a humanidade. Como os zumbis de Romero, os figurantes da trama zanzam feito sonâmbulos em escadas rolante e praças de alimentação. O personagem principal é um publicitário que, como poucos, entende as engrenagens daquele refúgio de concreto e ar condicionado – não há marketing mais eficiente, ele sabe, que a crueldade associada a espetáculos esportivos.

O livro foi criticado por repetir procedimentos típicos da obra de Ballard: a distopia quase cega, o clímax megalomaníaco (novamente, o primeiro capítulo é lúcido; o último é doentio), a crítica feroz ao consumismo e uma queda pelo camp (em vários momentos, o discurso é pura auto-paródia). Mas existe uma novidade importante: o protagonista não é apenas vítima de um novo tipo de fascismo, mas atua (cinicamente) como um arquiteto do mal. É aí que Ballard elege os grandes alvos da vez: os intelectuais que, com boas ou más intenções, lançam lenha no inferno do ser humano. Como de costume (e como o Romero de Diário dos mortos), leva esse ataque às últimas consequências.