Dia: fevereiro 28, 2014

ATLAS, Real Estate

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“Musically, we are who we are. We’re not going to sit down and decide to make some drastic change in our instrumentation and change our sound, really, because we all see ourselves as the kind of band that just stays with a guitar-heavy, timeless sound. I wouldn’t want to change that. If anything, I personally did not want to fall into a rut. The things that people said about us — “Well, they’re very nostalgic” — that became a cliché with a lot of bands.

I got married right after we finished the Days cycle — living in Brooklyn and not really being happy with living in Brooklyn because it’s, like, I have an urge to live in the suburbs and settle down like an old man or something. That’s kind of who I am deep down” (Martin Courtney à Grantland)

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A sonoridade do Real Estate muda pouco de um disco para outro e, por isso, será difícil perceber o quanto a banda se tornou mais complicada desde o álbum anterior, Days, lançado há três anos.

Principal transformação: antes, o Real Estate criou um repertório inteiro para dar conta de sensações de nostalgia, da saudade da adolescência. Atlas, em comparação, vai a um tema bem mais escorregadio: o fluxo entre memórias (de um passado recente e outro mais distante) e planos; questões da vida adulta, em resumo.

O disco oscila, em grande parte, entre dois tempos: o período em que o vocalista e letrista Martin Courtney viveu no Brooklyn, em Nova York (detestou cada minuto, diga-se), e a sua adolescência saudosa em uma cidadezinha em que quase nada acontecia. Há momentos em que essas duas linhas temporais se cruzam – em Past Lives, Martin retorna a esse Shangri-La e, desapontado, sente o peso da idade. Estão todos – ele e a cidade – diferentes e não há como recuperar o que perdeu.

Há, por outro lado, as canções que lidam diretamente com o dia a dia numa metrópole hostil: The Bend, a mais potente delas, fala sobre o medo de perder o controle num ambiente que deixa a impressão de estarmos ao volante de um carro cujas rodas não giram. Outra, Talking Backwards, é uma crônica muito breve sobre relacionamentos à distância. “Estou fazendo algum sentido para você?”, ele pergunta. Não faz muito sentido – e, em The Bend, ele explicará que precisa encontrar esse eixo antes que perca mais um ano.

Mais adiante, encontramos as músicas sobre o futuro ideal, que representaria um retorno ao subúrbio: “Não quero morrer sozinho e nervoso”, diz o refrão de Crime, sintetizando a crise com absoluta economia. Em Primitive, essa espécie de conto de fadas se repete, ainda mais pueril. Mas a história não acaba aí: o disco voltará ao passado recente e depois ao passado mais longínquo – às vezes dentro de uma única música. O álbum não encontra conforto nem nas musiquinhas mais adoráveis.

E estou, até aqui, divagando apenas sobre as letras das músicas. Gastei alguns parágrafos as analisando para sublinhar o choque entre esses versos conscientemente confusos e as melodias perfeitinhas – são quase sempre convidativas, fáceis de memorizar, bastante cantaroláveis – é o que o álbum tem de mais sagaz. Sim, já que, enquanto as letras transitam entre linhas de tempo, as melodias estão sempre apontando para uma direção: o futuro idealizado pela banda. É tudo matéria de sonho, o som. A melodia é ela própria a fantasia – o refúgio mágico que se encontra diante de uma realidade que pode ser desesperadora.

Nesse aspecto, pouca coisa mudou: a música do Real Estate ainda soa como uma caverna superagradável e familiar, isolada de interferências externas e com poucos ruídos que desviem a nossa atenção do que lhe é essencial. A estrutura das canções, quase sempre com duas guitarras duelando entre solos delicadíssimos e arranjos quase crus de quatro acordes, se repete quase de forma monótona, como se nos obrigasse a menosprezá-las. O trecho final do disco redunda, soa até um pouco desinteressado, um pouco aguado. Não é um disco perfeito.

Depois da quarta, quinta audição, quando memorizamos todos os refrãos (e é inevitável: eles serão memorizados), essas melodias superficialmente tão modestas passam a revelar uma série de detalhes muito precisos. O desfecho de The Bend é o melhor exemplo desse cuidado como a banda manipula e arredonda as mínimas arestas de suas pequenas canções: ele poderia explodir num grand finale psicodélico, mas não. Existe um esforço de conter excessos porque, no caso, o exagero musical anularia a imagem de paraíso que a banda tanto preza. Um paraíso de subúrbio e não de cidade grande.

Em entrevistas, o grupo faz questão de se mostrar muito satisfeito com um estilo que eles próprios definem como “apenas indie rock” e “boa música ambiente”. Falta de ambição, talvez? Talvez não. Depois de ir à cidade grande (e descobrir que não há nada lá), o Real Estate parece muito certo do sonho que quer para si. É uma questão de escolha: no caso, a opção de viver não da forma como querem (e estamos falando numa banda que nada tem nem terá de cool, que grava com o produtor do Ryan Adams no estúdio do Wilco), mas de um jeito que permita a eles uma certa felicidade.

As letras de Atlas admitem a dificuldade de colocar essa escolha em prática – isto é a vida adulta. Nesse meio-tempo, a banda cria um ambiente sonoro que, ao menos simbolicamente, facilita o happy end.