Dia: fevereiro 20, 2014

PRESENT TENSE, Wild Beasts

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Wild_Beasts_-_Present_Tense

“It was our mission statement. From the Stone Age to now, we judge our whole past by the culture people have left behind. Wanderlust is almost a kind of war cry, asking, is this the best we’ve got – kids singing in accents that aren’t their own, singing about lives that aren’t theirs, and reaping huge rewards from it? So little is done with so much privilege. Music is really a class thing. It’s only the rich kids who’ll get to art and music school. We’re talking about such a small group of people who are gonna create work that is supposed to define or tell us what out lives are. It’s a very scary prospect” (Hayden Thorpe à NME)

***

Senhores, um alerta: o Wild Beasts é uma banda que se leva a sério.

E, se a frase acima soa como um sinal vermelho (afastem-se, banda chata e blasé adiante!), o problema é seu, nosso. Não dela.

Existe, sempre existiu, um charme meio que maltrapilho em torno de bandas que deixam a impressão de não se levar tão a sério assim – que soam como se tivessem entrado no estúdio para jogar algumas ideias fora, tomar umas, contar historinhas engraçadas e gravar canções que, olha que incrível!, por acaso saíram tão autênticas e divertidas em um disco perfeito que vai marcar época.

Mas isso é uma mentira. Não existe disco, filme, obra de arte que não se leve minimamente a sério. Não há como. Até porque, mundo da fantasia e da imaginação à parte, o processo de produção de um disco ou de um filme envolve dinheiro, esforço, responsabilidade, concessões, gravações que são feitas e refeitas, edição, negociações, escolhas. Dá trabalho fazer um bom disco, seja ele de sonoridade leve, suave, ou ruidosa, com arestas e desequilíbrios. Não é (só) o transe de um gênio num momento de profunda inspiração.

Mas esse charme persiste e, talvez por isso, o Wild Beasts tenha decidido abrir o disco Present Tense com Wanderlust, um manifesto a favor de bandas que assumem se levar a sério, que não se escondem atrás da cortina de fumaça da despretensão e que buscam na música pop uma espécie de aventura. Assim começa o álbum. É, no mínimo, uma forma valente de começar.

A faixa, ela própria, já mostra que a banda não é a mesma do disco anterior, Smother, nem dos dois outros, Two Dancers e Limbo, Panto. É um grupo que reaparece mais preciso e lúcido, tentando expandir possibilidades criativas, mesmo que a partir de uma sonoridade cada vez mais enclausurada, claustrofóbica.

E, se parece um pouco cafona e pedante falar em bandas que “expandem possibilidades criativas”, o problema é novamente seu, nosso.

No rock britânico que está aí, não há muitas as bandas com esse tipo de ambição – de colocar limites à prova, se arriscar, surpreender, essas metas demodé. Consigo pensar no These New Puritans e em mais duas ou três.

Então temos Wanderlust: um hino de guerra, mas um hino de guerra melancólico porque solitário. “Não me confunda com alguém que se importa”, eles repetem, transformando o “fora” de uma namorada numa espécie de resumo para o estado de espírito da geração Arctic Monkeys, meninos que don’t give a fuck.

Por isso é fácil, para quem não quer pouco da música pop, gostar do Wild Beasts. Essa “carta de intenções” que existe em Wanderlust praticamente justifica as resenhas positivas que o álbum receberá. Ok, parabéns para eles (que não se acomodam jamais) e para nós (que curtimos bandas desacomodadas). Mas… e o disco?

O disco me parece um pouco mais complicado que isso.

Como todos os álbuns da banda, este também funciona, em grande parte, apenas na teoria (e digo isso como fã de Two Dancers e, com um pouco menos de entusiasmo, de Smother).

Percebo a intenção de um disco mais compacto, com melodias marcadas por sintetizadores que aparecem feito raios laser, perfurando as canções, e com letras mais claras e pontuais, sobre temas específicos (a morte de um cachorro, a sensualidade de um lutador, luta de classes etc) e a abertura para um sentimentalismo mais direto. Tudo isso está aqui, mas talvez não com a potência que a banda tenha previsto.

Eis a questão do dia: é possível ser uma grande banda sem gravar grandes discos? Acredito que sim. Kanye West, por exemplo, está longe de ser o artista mais coerente e sensato – mas grava grandes discos porque consegue converter quase todas as suas ideias em melodia e letra. Por maior que seja meu entusiasmo por Two Dancers, não é um disco tão original ou provocativo quanto o projeto daquele próprio disco.

Present Tense tem duas músicas muito fortes que ofuscam o restante do conjunto: Wanderlust e, um pouco mais adiante, Sweet Spot (essa última é de uma concisão exemplar; o álbum inteiro está lá). Outras faixas são parecem ter a função de servir de vias de conexão entre as melhores canções. E há um terceiro grupo que me parece fracassar terrivelmente: as músicas mais vulneráveis e facinhas, que diluem todo o lirismo da banda em uma série de versos otimistas que poderiam estar num disco do Travis. A saber, A Simple Beautiful Truth e a faixa de encerramento, Palace, que tem um quê de Brian Eno via Coldplay.

Há outras obviedades: a banda explora à exaustão o trocadilho do título, não só nas letras mas ao criar muita tensão entre as faixas, nos arranjos, entre verso e melodia, entre os vocais (mais contidos que de costume) e os sintetizadores sufocantes de filme de terror.

Noves fora, o que eles conseguiram: uma OBRA que será muito elogiada (porque foi feita com esse objetivo e, no mais, eles são rapazes aplicados), mas que soa, fatalmente, limitada sempre que penso na ambição enorme que eles têm. Podem mais? Talvez não. Querem mais? Sim, muito. Talvez esse disco seja tudo aquilo que, com um enorme esforço, eles conseguiram neste momento.

Estranho caso: amo esta banda muito mais do que amo os (ótimos) álbuns que ela grava.