Dia: fevereiro 18, 2014
LOVE LETTERS, Metronomy
Muita gente já descreve o novo disco do Metronomy de um jeito desinteressado, como se ele fosse apenas um planetinha cor-de-rosa irrelevante girando em torno de certas referências de rock psicodélico dos anos 60. Ok: o próprio Joe Mount, band leader e todo-poderoso do quarteto, deixa essa impressão NA CAPA do álbum, que poderia ter sido usada pelo MGMT ou pelo Youth Lagoon, ou ao tagarelar sobre Beatles e Love nas entrevistas. Dito isso, acredito que esse povo apressado está errado: Love Letters é um disco de britpop – e talvez o álbum de britpop que mais entende o britpop desde, bem, o fim do britpop.
Um disquinho multicor que muito possivelmente será incompreendido nos Estados Unidos, onde o britpop penou para ser levado (um pouco) a sério. Os americanos entendem Arctic Monkeys, que visita chavões do rock de lá como quem se arruma todo para ir a um santuário, mas talvez nunca irão com a cara de um Field Music, nerd e sem-sal pro gosto deles.
O Metronomy de Love Letters é britânico demais.
Joe Mount hoje vive em Paris, o que faz ainda mais sentido no grande esquema torto e irônico das coisas. O pop tridimensional do Daft Punk e do Phoenix – que são ídolos de Mount, diga-se, e curtem o lema “the joke is on you” – sempre compartilhou com o britpop um desejo de jogar/brincar com a música pop, pelo viés da pop art e da new wave, que era uma dos traços mais interessantes das melhores bandas do britpop (não estou falando em Oasis, notem).
A estrutura de teatro de variedades de um Parklife, por exemplo, é semelhante à daqueles livrinhos infantis que revelam uma surpresa a cada página. E This is Hardcore, do Pulp, mostra uma preocupação muito maior com a atmosfera de noir erótico que com as canções em si – ainda que muitas delas explodissem em refrãos gordões que imploravam para não serem esquecidos jamais (e nunca foram).
Love Letters surpreende porque não apenas tenta reproduzir, mas dá sinais de possuir verdadeiramente esse estado de espírito: o do álbum extremamente pop, quase um cartum, a simulação em desenho animado do que seria Grande Álbum Pop, e, ao mesmo tempo, uma crônica sobre discos pop.
A brincadeira tolinha do Metronomy é cheia de maneirismos, sim, mas nenhum truque é operado em vão.
Em primeiro lugar, minha sugestão é: preste atenção ao som. Faça o seguinte: ouça o álbum, em volume alto, após ter ouvido qualquer outro. A diferença será marcante: não que Love Letters vá parecer mais ou menos forte que o disco anterior, mas você notará que existe uma sonoridade muito específica, um halo no álbum (difícil descrevê-la, mas vou tentar: é um som cristalino, que destaca cada instrumento com absoluto detalhismo, mas ao mesmo tempo dissonante, como se estivesse saindo de uma caixinha de brinquedo em surround) e que essa “moldura sonora” não nos abandonará até a última faixa.
Definidas as bordas e as lentes e as locações, Joe fará em 40 minutos o que bem entender: da faixa-título, que soa como o tema de abertura de um seriado bem ridículo (ou como, digamos, a faixa-título de Parklife) a momentos que, de tão sentimentais, soam quase sarcásticos (como Call Me, que é de uma beleza cafona que só encontramos nas canções de amor do Daft Punk e do Phoenix). Numa das músicas, The Most Immaculate Haircut, Mount alcança o refrão mais perfeito do mundo – e, como quem nada quer, decide reprisá-lo apenas uma vez. E então a faixa acaba.
É um álbum tão alegremente sortido e bonito de ouvir, tão certo do que quer ser e de onde quer chegar, que nos autoriza a tratar o anterior, The English Riviera, como um esboço em preto-e-branco, um teste. Digam o que quiserem (e vão dizer muita coisa, preparem-se). Psicodelia chic? Retrô pra desfiles de moda e comerciais de TV? De ponta a ponta, o que ouço é o coração do britpop batendo: playfulness, como dizem por lá.