Dia: março 15, 2012

♪ | Put Your Back N 2 It | Perfume Genius

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Então resolvi escrever um diário para narrar minhas experiências, meus sentimentos e minhas aventuras, minhas impressões sobre o mundo, a vida e tudo o mais. Escrevi três páginas em 10 minutos, depois fui dormir. No dia seguinte, quando dei por mim diante daquele alagamento de palavras, me senti um pouco enjoado. E estúpido.

Pensei: este diário só não vai me envergonhar se eu reescrevê-lo de forma que o texto fale a uma pessoa razoavelmente interessante, e não a uma página de papel (páginas de papel, sabemos, não sentem constrangimento nem pena nem raiva nem qualquer outra coisa). Só que aí passei a suspeitar que o projeto em si perderia sentido, já que diários são, naturalmente, objetos intransferíveis que não mostramos a ninguém.

De qualquer forma, segui escrevendo o meu caderninho de acordo com esse plano B — como se para uma outra pessoa — e, agora, até que estou satisfeito com o rumo que ele está tomando. Iniciei a minha obra no dia 1º de março e pretendo encerrá-la no dia 30. Essa é a meta.

Ainda penso, no entanto, em como esse diário ficaria se eu o escrevesse com uma prosa totalmente livre, derramando irresponsavelmente os meus pensamentos mais sinceros. Acho que seria um baita de um convite ao sadismo, e impublicável.

Vá saber.

Esses conflitos diarísticos e existenciais ocorreram — por coincidência — enquanto eu tentava me familiarizar com o segundo disco de Mike Hadreas, aka Perfume Genius. Como este é um blog sobre música & filmes, seria melhor se eu começasse a falar nele (no disco) em vez de ficar passeando em torno do meu umbigo.

As histórias (a minha e a dele), é claro, acabam se conectando. Porque, enquanto eu escrevo um diário, Mike grava discos que contém alguns dos elementos que encontramos nessas narrativas íntimas: ele é daqueles artistas que, a exemplo de um Casiotone For The Painfully Alone, de um Xiu Xiu ou até de um Eels, cria uma relação de cumplicidade muito estreita — quase irresponsável, às vezes constrangedora — com o ouvinte, mais ou menos como na primeira versão do meu diário in progress. As informações sobre o disco no site da Matador Records deixam bem claro (porque é esse o plano) que Mike vive quase tudo o que canta — e experimenta esses versos possivelmente aos prantos, sofrendo um pouco a cada dia.

Learning, o álbum anterior, era ainda mais (supostamente) direto. Nele, Mike – um rapaz de Seattle então com 20 e tantos anos – desabafava sobre crises familiares, o vício em drogas, a tentativa de suicídio e as experiências sexuais com os namorados. Put Your Back N 2 It é, diz a Matador Records, um disco mais “universal” e “cinematográfico”, menos “esparso” e “introspectivo”. Ainda que a faixa título, segundo o próprio compositor, tenha sido feita para mostrar ao namorado que sexo gay pode ser algo confortável e carinhoso. “Escrevi para Alan antes de nossa primeira vez”, ele conta, no site.

Encurtar a distância que geralmente se estabelece entre um cantor e seu público é um dos desejos mais explícitos de Mike — talvez por isso, no texto de divulgação, ele explique por que escreveu cada uma das faixas (nenhuma historinha supera a de Floating Spit: “E se A História sem Fim se passasse numa sauna, como ele se pareceria? Como as criaturas seriam?”). Ler o texto e ouvir as canções deixa a sensação de se conhecer muito — talvez demais — sobre a intimidade do compositor.

Nas músicas, Mike também se esforça para mostrar-se como veio ao mundo. Os arranjos são quase transparentes, e ele quase sempre é acompanhado por um piano e por camadas finas (em espessura) de efeitos new age, com uma ou outra referência mais arejada (como em Normal Song, uma quase balada country). As comparações com James Blake se tornam óbvias, ainda que me pareçam equivocadas porque, ao contrário do britânico, Mike tenta criar a impressão de um reality-show sonoro, captado com espontaneidade e certa displicência, como se a necessidade se confessar, de se desnudar para mostrar-nos que é de verdade, fosse o mais importante.

Aplicando esse método, sempre de forma muito calculada (e com esboços por vezes muito bonitos de melodias), Mike encena, em primeira pessoa, as desventuras de um homem cheio de sequelas, tentando encontrar a sonoridade mais adequada para transmitir as sensações de isolamento e depressão. Soa legítimo, ainda que ele ainda não consiga transformar toda essa catarse numa arte particular. Por enquanto, só ouço o desespero — transcrito num diário sem pudor ou arremate.

Segundo disco do Perfume Genius. 12 faixas, com produção de Mike Hadreas. Lançamento Matador Records. C+

[pablo de santis]

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Aprendi que uma livraria deve fugir tanto da ordem quanto da desordem. Se a livraria for caótica demais e o freguês não puder se orientar sozinho, ele vai embora. Se a ordem for excessiva, o freguês sentirá que conhece a livraria por inteiro, e que nada mais haverá de surpreendê-lo. E vai embora também. Leve-se em conta que os sebos existem só para leitores que detestam fazer perguntas: querem conseguir tudo por si mesmos. Além disso, nunca sabem o que estão procurando, só sabem quando encontram.

[Trecho de Os antiquários, de Pablo de Santis]