Dia: fevereiro 10, 2012
♪ | Le Voyage Dans La Lune | Air
Depois de três álbuns que tentavam reencenar a atmosfera de Moon Safari (o melhor deles, Talkie Walkie, até que tinha algum charme), só faltava ao Air retornar didaticamente também ao NOME daquele disco de estreia. Não falta mais: em Le Voyage Dans La Lune, eles ampliam a trilha sonora que compuseram para a versão restaurada do filme de Georges Méliès, de 1902, usando um formato que, para quem acompanha a dupla, já pode ser tomado como um tique: faixas instrumentais etéreas e “requintadas” de, afe, space-lounge intercaladas a dóceis chansons. Uma viagem não exatamente fantástica.
As boas lembranças daquela outra trilha sonora escrita por Nicolas Godin e Jean-Benoit Dunckel tornam a aventura ainda mais frustrante. Em The Virgin Suicides, o Air criava um tema central forte e ia desenhando variações delicadas — e inesperadas, mas sempre sutilmente — em torno dele. As faixas remetiam ao ar róseo-cinzento do filme, ao mesmo tempo em que sugeriam novas imagens. Existia ali um jogo bem estimulante entre música e cinema, entre compositores e cineasta, que não consigo notar neste disco novo.
A soundtrack que prepararam para Méliès talvez faça sentido quando sobreposta às sequências do curta-metragem (que dura 16 minutos), mas, como obra independente, parece-me vaga, incompleta, com músicas que justificam a birra (injusta, é claro) de quem vê no Air uma banda blasé e superficial. O pior é que, aqui, eles não mostram nem mesmo a curiosidade (que existia nos primeiros discos) de pesquisar gêneros pop: Seven Stars, uma das poucas faixas memoráveis, trata o próprio Air como a única referência, saturando a combinação piano/efeitos especiais/vocal entorpecido. Não irrita, não machuca, mas o velho desejo exploratório foi pros ares.
As participações de Victoria Legrand (do Beach House) e do Au Revoir Simone são dispostas neste disco-simulador-de-voo como objetos decorativos de cena. Embelezam as imagens, e cumprem a função de compor um espetáculo “sofisticado” para sessões de gala de festivais. Pobre Méliès.
Sétimo disco do Air. 11 faixas, com produção da própria banda. Lançamento Astralwerks Records. D+
cine | Tomboy
Na edição de 2011 do Festival de Berlim, Tomboy venceu o prêmio Teddy, entregue ao melhor filme com temática homossexual. O troféu deve ter facilitado a distribuição do filme, uma produção modesta, que custou 1 milhão de euros. Mas ele pode dificultar a vida de quem espera encontrar na tela os temas e conflitos de uma produção tipica e abertamente gay. Não é o caso. A dificuldade de classificar o projeto, aliás, esclarece o que existe de notável no segundo longa de Céline Sciamma: tal como a personagem principal, uma menina que se passa por menino, a narrativa flutua entre definições de gênero e de orientações sexuais.
Mais justo seria tratar este pequeno filme como um conto de infância, um conto de verão, que retrata com naturalidade as crises de uma identidade em formação. Já que a questão “ser ou não ser gay?” passa muito à margem da rotina inocente de Laure, uma petiz de 10 anos interpretada com convicção espantosa por Zoé Héran. A criança, que se mudou há pouco para um subúrbio de Paris com os pais (Mathieu Demy e Sophie Cattani) e a irmã caçula (Malonn Lévana), tem outras preocupações: fazer novos amigos é uma delas, e talvez a mais importante.
No suadouro do verão, Laure sai de casa vestindo bermuda, regata e com cabelo curto. A vizinha Lisa (Jeanne Disson) logo a confunde com um menino — o que, para a nova moradora da vizinhança, não é nada mal. Daquele dia em diante, passa a se apresentar como Mickäel, embarcando numa fantasia que não pode (nem vai) durar muito. Com uma câmera suave, grudada aos gestos infantis, a cineasta acerta ao arejar a narrativa, sem truques de folhetim. Não há por que condenar Laure: a farsa da menina, ainda que deixe na plateia a expectativa por uma tragédia, é narrada com a leveza algo amarga de quem entende que, aos 10 anos, as transições aparentemente simples podem ser também as mais doloridas.
(França, 2011) De Céline Sciamma. Com Zoé Héran, Malonn Lévana e Jeanne Disson. 84min. B