Dia: fevereiro 7, 2012

cine | O artista

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Depois de ter passado uma semana inteira enfezadinho com este filme tão adorável e fofo, acredito ter finalmente encontrado o motivo para a minha birra: é que, encerrado o debate sobre o quão ESPERTA é a ideia de recriar a atmosfera de um filme mudo por um viés contemporâneo, à serviço de uma (zz) linda homenagem ao cinema, não resta quase nada a ser dito sobre o filme. E, até por uma questão de coerência, eu poderia encerrar este post aqui.

Ah, ok: também podemos falar sobre como esse clima oldie é encenado de uma forma tecnicamente impecável. Os cenários são um bem fiéis àquilo que esperamos encontrar num filme velho, os atores estão um charme só, dá vontade de levar o cachorrinho pra casa e o roteiro contém dúzias de sacadinhas pós-modernas, ainda que monotemáticas: são variações sobre o fato de que, num filme silencioso, os atores não podem FA-LAAAR.

Ha-ha. Admito que ri (minto: sorri) durante o filme. Uma das sequências, a do sonho, merece ganhar um prêmio de curta-metragem. É divertido, sabe? A forma como o diretor parece estar fazendo um filme para pessoas que nunca frequentariam uma jornada de cinema silencioso, mas que (sabe-se lá por que razão) acham que os filmes eram mais genuínos nos anos 20. Muitas dessas pessoas, suponho, incluem Cantando na Chuva na lista de longas preferidos, ainda que não o tenham visto — caso contrário, certamente iriam reparar que esta ideia aqui é quase igual àquela (com a diferença de que, naquela, o segundo ato era bem menos previsível).

Vamos falar em ideias, então. O Artista talvez me incomode por parecer filme-de- uma-ideia-só — ideia essa que se esgota nos primeiros 30 minutos de duração (e ainda bem que não vi o trailer, porque teria sido um spoiler terrível). Os outros 90 são, no mínimo, redundantes. Por quê? Talvez porque muitos dos filmes mudos eram mesmo redundantes (e aqui a cobra morde o próprio rabo), ainda que haja controvérsias em relação a isso, mas e daí? Quando não está brincando com a faísca ultracriativa de trama (resumindo o enredo: ator de cinema mudo não consegue se adaptar à transição para cinema falado), o cineasta simplesmente deixa o herói do filme à deriva, chorando nos cantos enquanto o desfecho não vem.

Na cena final, o diretor nos mostra que o filme talvez não tenha apenas uma única ideia (certo, estou sendo cruel), mas duas. Ele nos ensina que a técnica do cinema mudo acabou por se tornar útil ao cinema falado. Não é irônico? Acho que sim. O Artista tira o chapéu elegantemente para tudo isso, dá um sorriso, pisca pra plateia. É um filme galante que nos entretém. Só senti falta (e isso não consigo encontrar nem em entrevistas, apesar de ter procurado com muita curiosidade) do olhar de um cineasta que não se contentasse tão somente com 1. o truque formal e 2. a explanação simplezinha acerca das transformações de uma época do cinema. Um olhar capaz de esgarçar a ideia, dilacerar o truque, e de nos surpreender profundamente.

Mas aí talvez seria pedir demais. Eu sei. Estou sendo rabugento. Quem tem uma ideia ESPERTA talvez não precise disso, de um olhar. Não cobramos um olhar de, por exemplo, anúncios sagazes de televisão. Queremos que os anúncios nos confortem, nos estimulem, nos afaguem, e um olhar pessoal às vezes nos incomoda, nos apresenta as coisas de uma outra perspectiva e anuvia o nosso dia. Not here. No que os fãs do filme vão retrucar com um “e daí?” Eles têm razão, já que o longa cumpre com precisão o objetivo que estipula para si. Voltando ao primeiro parágrafo deste post: não há o que discutir. É (atenção que vou repetir a palavra mágica) eficiente. No mais, eu nunca quis saber verdadeiramente o que o diretor de, hum, Amélie Poulain (outro filme que parece-me um projeto de filme, um filme-sem-filme) pensa sobre a vida, o mundo, a arte e tudo mais.

Que venha o Oscar, então. E viva o cinema etc.

(The Artist, França, 2011). De Michel Hazanavicius. Com Jean Dujardin, Bérénice Bejo e John Goodman. 100min. C (ou, sendo cínico, B).