Dia: fevereiro 5, 2012
[roberto bolaño]
Minha rotina consistia em levantar cedo, tomar o café da manhã com minha mãe, meu pai e meu irmão, fingir que ia para o colégio e pegar um ônibus que me deixava no centro, onde dedicava a primeira parte da manhã aos livros e a passear e a segunda a ir ao cinema e, de uma maneira menos explícita, ao sexo.
Os livros, costumava comprar na Librería de Cristal e na Librería del Sótano. Se tinha pouco dinheiro, na primeira, onde sempre havia uma mesa de saldos, se tinha dinheiro bastante, na última, que era a que tinha novidades. Se não tinha dinheiro, como acontecia com frequência, costumava roubá-los indistintamente numa ou noutra. Fosse como fosse, no entanto, minha passagem pela Librería de Cristal e pela Librería del Sótano era obrigatória. Às vezes chegava antes do comércio abrir e então o que fazia era procurar um ambulante, comprar um sanduíche de presunto e um suco de manga e esperar. Às vezes sentava num banco da Alameda, um que fica escondido no meio da vegetação, e escrevia. Isso tudo durava aproximadamente até as dez da manhã, hora em que começavam em alguns cinemas do centro as primeiras sessões matinais. Procurava filmes europeus, mas em algumas manhãs de inspiração não discriminava o novo cinema erótico mexicano ou o novo cinema de terror mexicano, o que no caso era a mesma coisa.
[Trecho do conto O verme, em Chamadas Telefônicas, de Roberto Bolaño]
top 100 | Os filmes da minha vida (15)
Vamos a mais uma rodada daquele famigerado ranking de filmes? (A única resposta possível, I’m afraid, é sim). Após uma interrupção que ninguém notou, esta discreta seleção pessoal de obras cinematográficas pede licença para voltar – desta vez, com dois títulos cabulosos (como diria minha prima de 12 anos), que justificam os suspiros de ai-ai, que saudade do tempo bom que não volta mais… Snif.
072 | Rosetta | Jean-Pierre e Luc Dardenne | 1999
Não foi, infelizmente, minha primeira incursão down the Dardenneland: Rosetta foi exibido em Brasília muito depois de O Filho e de A Criança, numa mostra de cinema europeu. Sessão única. Descobrir o filme nessa condição poderia ser perigoso, já que o estilo dos cineastas me parecia familiar. Ainda assim, foi um choque: a sensação era de acompanhar o filme ao lado dos personagens – um convite à imersão que ainda me parece mais eficiente que qualquer 3D. Ao fim da sessão, uma amiga admitiu que, enfim, havia entendido o porquê do prestígio dos Dardenne: um comentário exagerado, mas não retruquei.
071 | Uma Mulher Sob Influência | A Woman Under the Influence | John Cassavetes | 1974
Assisti a todos os filmes do Cassavetes numa mesma época – talvez da maneira errada e tarde demais, eu sei -, quando eles foram lançados em DVD nos Estados Unidos. Desde que moro em Brasília (e lá se vão 20 anos), nenhum longa do diretor foi exibido numa sala de cinema daqui. Posso dizer, portanto, que a tevê salvou este cinéfilo aqui: lembro que, na terceira vez que vi Uma Mulher Sob Influência, eu usava o controle remoto para selecionar os momentos mais assustadores de Gene Rowlands, surtando gloriosamente nos cômodos de uma casinha de classe média. Desde então, espero por uma chance de vê-lo no cinema: esse filme, porém, ainda não vi.