cine | Precisamos falar sobre Kevin
Imagino que, com os temas que aparecem nesta adaptação do livro de Lionel Shriver, seria possível pautar uma edição especial de um programa de tevê à la Oprah Winfrey. O título não é desonesto: o filme trata de assuntos importantes, urgentes, e sobre eles precisamos falar. Exemplo: o que fazer quando o seu filho não gosta de você? Ou: como lidar com as consequências da violência juvenil? Mais: até que ponto os pais são responsáveis pelos erros dos filhos? E: existiria algo inato no comportamento de crianças más?
Uau. Eu passaria uma tarde inteira conversando sobre cada um desses tópicos. Mas não sei se seria muito palpitante falar sobre o filme em si. Certamente, nesse caso, uma das questões em discussão seria, ahn, a forma como a diretora Lynne Ramsay cria uma narrativa entrecortada, que se deixa influenciar pelo estado mental confuso da personagem principal. Ou conversaríamos sobre o detalhismo da cineasta, que presta atenção aos detalhes das cenas (são muitos os closes, e eles provocam certa aflição), ao uso de cores (vermelho sobre vermelho, em repeat) e à composição ultradelicada da trilha sonora (que vai nos asfixiando sem que percebamos). São efeitos que compõem um drama potente — pelo menos nos primeiros 10 minutos de projeção.
Depois, lá pelo 15º minutos de filme, quando a trama vai se tornando clara ao público, notamos que os argumentos de Ramsay são fáceis demais. E argumentos simplórios, ainda que úteis a especiais de tevê, invalidam debates sérios sobre qualquer assunto. O defeito do filme, a meu ver, está na composição do personagem de Kevin — um menino-problema diabólico, sem nenhum traço de bondade. A atuação de Tilda Swinton é admirável — e talvez, por isso, estamos sempre torcendo por ela. A personagem que ela interpreta, a mãe atazanada pelo filho indesejado, carrega toda a culpa do mundo. Mas o filme não deixa margem para que duvidemos do caráter do garoto. Numa das cenas, ele joga videogame com a fúria de quem pisoteia um gatinho.
Sob a tutela de um Aronofsky, esse conflito entre mãe assustada e filho psicopata talvez rendesse um filme menos sisudo, mais kitsch e vibrante (resumindo: um Cisne Negro). Em Precisamos Falar sobre Kevin, o tom é sempre o de uma palestra relevante, um artigo solene para acompanhar as breaking news: uma diretora competente usa uma série de recursos audiovisuais interessantes à serviço de personagens aplainados, planejados em excesso, que podem ser catalogados e, por isso, convertidos em temas para consumo rápido (em jornais/revistas semanais?). Não há mistério que resista a tanta simplificação.
(E notem que escrevi o post inteiro sem fazer referência a Elefante — me parabenizem na saída, ok?).
(We Need to Talk About Kevin, Reino Unido/EUA, 2011) De Lynne Ramsay. Com Tlda Swinton, John C. Reilly e Ezra Miller. 112min. C
janeiro 23, 2012 às 2:45 pm
Você leu o livro, Tiago? Eu gostei bastante dele, então as minhas expectativas ainda são altas pro filme.
janeiro 23, 2012 às 3:25 pm
Não li, Gabriel. Mas estou lendo o novo dela, Dupla Falta.
janeiro 23, 2012 às 4:30 pm
Não teve jeito, Tiago, a “referência a Elefante” acabou saindo entre parêntesis.Hehehehehehe…
janeiro 23, 2012 às 5:02 pm
Pois é, haha.
janeiro 24, 2012 às 5:28 pm
Acho que entendi o que você quis dizer Tiago, e até concordo. É tudo muito exposto e não temos dúvida para quem estamos torcendo. Mas encarei o final com certo mistério. Não acho tão óbvio o motivo de Kevin não ter matado a sua mãe, acho que da margem para várias interpretações. Pelo menos para o filme em si, não li o livro.
março 7, 2012 às 12:12 am
thiago,
eu fui no caminho inverso: pra mim o filme não é simplório. acho que me fez pensar mais nos dilemas da maternidade, nas chantagens e nas pequenas negociações cotidianas dessa reação mãe e filho, nessa dinâmica que está sempre envolta em muita idealização, mas que à portas fechadas….muita gente comparou com a profecia, por acharem kevin uma especie de demian, o filho do demo, mas discordo totalmente dessa interpretação. e o final é soberbo. talvez eu seja suspeita pra falar, morvern callar é meu filme favorito da historia do cinema!
março 8, 2012 às 12:39 am
Pois é, Luanda, acho que as reações ao filme dependem muito de como se encara o personagem do menino. Pra muita gente (eu, aliás), a forma exagerada como ele é caracterizado anula quase tudo o que o filme teria de potente. Mas há quem aceite os personagens, e acho que, para essas pessoas, o que aparece é um filme muito diferente daquele que eu consegui ver.