Dia: dezembro 2, 2011
♪ | Parallax | Atlas Sound
Meu disco preferido do Atlas Sound ainda é o primeiro, Let the Blind Lead Those Who Can See but Cannot See (2008). Talvez por ser o álbum perfeito sobre garotos tímidos, incapazes de sair do quarto, que dormem muito (por isso, sonham demais) e se ocupam brincando de fazer música (para ninguém). Ali, Bradford Cox me convenceu de que era um desses meninos.
Era um disco infantil, e acredito que no melhor dos aspectos. Já o seguinte, Logos (2009), soa um tanto adolescente: menos recluso (três das faixas principais têm convidados especiais), mais sensual, em crise de identidade (é o que costuma acontecer nessa fase), inseguro e com os hormônios fervilhando. O garoto ainda estava lá — mas, em um ano, muita coisa havia mudado.
Eis que chegamos a 2011, quando encontramos um Bradford Cox menos aflito — talvez adulto. Tem 29 anos. Era a idade de Bob Dylan no ano de Self Portrait e New Morning. Por coincidência, são discos que operam numa frequência sonora semelhante à de Parallax. São superficialmente relaxados, tranquilos; mas nunca se é totalmente tranquilo aos 29.
Resisti um pouco a Parallax porque ainda insisto em preferir a infância de Bradford às outras fases (reais ou inventadas) da arte do compositor. Quanto mais cresce artisticamente, mais Bradford sugere uma aproximação entre o Atlas Sound e os formatos/timbres/referências psicodélicas que o Deerhunter (a banda de Cox) testou nos doscos mais recentes. Talvez, ao fim de um longo processo, os dois projetos se transformem numa entidade só.
Minha resistência, no entanto, foi inútil. Parallax é um grande disco – e uma armadilha para quem (como eu) às vezes se deixa levar por primeiras impressões.
Este parece ser o disco “dylanesco”, o disco de crooner desgrenhado que o Deerhunter ainda não gravou: o álbum mais cristalino de Bradford, aquele que se mostra menos empetecado. Pra quem o ouve sem muito cuidado, soa como se tivesse sido gravado às seis da manhã, antes do café, com o olhar ainda embaçado.
Mas não. Não é só isso. Porque cada canção do disco guarda uma série de surpresas muito bem cuidadas (o avesso da ideia de um projeto despretensioso, pois bem) que só serão desvendadas depois de muitas audições. De tal forma que as faixas aparentemente mais obtusas (como Te Amo, digamos, que eu definiria como, digamos, psicodelia subaquática?), acabam se revelando menos fascinantes que os momentos mais desencarnados do disco, como Praying Man (que é emocionante, mas só depois que se insiste exageradamente nela).
Quando já estamos familiarizados ao disco, percebemos como a espinha de Parallax acumula resíduos tanto de Let the Blind Lead (quando canta trechos como “when you’re down, you’re always down”, o compositor está voltando à infância, e criando uma narrativa circular) quanto de Logos (o interesse crescente pela maquinaria da canção pop, e daí lindezas como My Angel is Broken e Mona Lisa).
Essas 12 canções então passaram a desafiar a imagem que eu construí para Bradford. Hoje acredito que eu o intrepretava de uma forma simplificada. Mesmo singulares, e com temperamentos muito específicos, mesmo infantis/adolescentes/adultos, cada um dos três álbuns contêm o compositor por inteiro. E é dentro dessa aparente contradição que mora um dos mistérios do Atlas Sound.
Terceiro disco do Atlas Sound. 12 faixas, com produção de Bradford Cox. 4AD Records. 81
[machado de assis]
Não compreendo o crítico sem consciência. A crítica útil e verdadeira será aquela que, em vez de modelar as suas sentenças por um interesse, quer seja o interesse do ódio, quer o da adulação ou da simpatia, procure reproduzir unicamente os juízos da sua consciência. Ela deve ser sincera, sob pena de ser nula. Não lhe é dado defender nem os seus interesses pessoais, nem os alheios, mas somente a sua convicção.
Machado de Assis, no artigo O ideal do crítico (1865)
cine | O último terrestre
Esta comédia (?) italiana, que competiu em Veneza, mostra de que forma quase nada muda na vida de um solteirão excêntrico quando alienígenas ameaçam invadir a Terra. É filme de iniciante, and it shows: no lugar de Pacinotti, eu editaria quase todos os personagens/situações e me contentaria com um curta-metragem de 10 minutos sobre o namorico entre um fazendeiro e uma ET prendada. A cena em que a extraterrestre azulada aprende a plantar batatas tem algum charme surreal. Elogio que não posso fazer ao restante do filme, mais inepto e imaturo que o protagonista.
(L’ultimo terrestre, Itália, 2011) De Gian Alfonso Pacinotti. Com Teco Celio, Anna Bellato e Ugo de Cesare. 100min. D+