Dia: outubro 28, 2011

mostraSP | Dias 5, 6 e 7

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Cá estamos com mais uma rodada de textículos sobre filmes que vi na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. É. Pois é. Sei que este diário interessa a poucos leitores do blog, então tentarei ser (na medida do possível) breve.

No mais, é uma Mostra um tanto frustrante, com muitas sessões canceladas e problemas técnicos nas projeções (na primeira sessão de Habemus papam, quando o filme foi exibido sem legenda e com as cores alteradas, teve até barraco entre plateia e projecionista). Daí que bate desânimo só de pensar em escrever sobre o assunto.

A cotação utilizada neste blog permanece rigorosamente a mesma, e vai da letra D (de detestável, digamos) à letra A+ (de… amor eterno?). Na primeira semana de sessões, vi alguns filmes classe D e nenhum classe A+ (à exceção de Taxi driver, revisto na telona, mas este não conta), o que deve explicar alguma coisa sobre esta edição (ou sobre este blogueiro, vá saber). Acompanhem.

Habemus papam | Nanni Moretti | A | Para uma parte da plateia, a decepção vai ser inevitável: este feel-good movie frustra quem espera de Moretti uma charge cruel do catolicismo (com potência equivalente, por exemplo, à da sátira política de O crocodilo, sobre o governo Berlusconi), e talvez por isso as reações em Cannes, onde o longa competiu, tenham sido tão desanimadoras. Mas acredito que estamos diante da velha batalha entre as expectativas do público e as intenções do artista: em nenhum momento Moretti tenta criar uma comédia iconoclasta, rebelde. O tom aqui é bem outro, mais gentil e sereno. E o projeto, ainda que sem a carga pessoal que se encontra em filmes anteriores do diretor, reprisa o sorriso meio-amargo, da franqueza de longas como Caro diário e O quarto do filho: o cineasta vai ao Vaticano à procura de conflitos humanos, não de imagens-clichê ou de inimigos a combater. Enquanto Moretti adentra um mundo secreto (eis o poder do cinema), o excelente Michel Piccoli (o papa recém-eleito, perturbado com a responsabilidade de assumir o posto) se aventura lá fora. E é nesse duplo movimento de descoberta que a sátira abobalhada (e muito engraçada, aliás) se transforma num drama até tocante, plausível, mais sobre homens que sobre deuses. Um dos meus favoritos da Mostra até aqui.

Irmãs jamais | Sorelle mai | Marco Bellocchio | B+ | É um filme tão pessoal, e inclassificável (foi filmado ao longo de 10 anos na cidade natal do diretor, com um elenco que inclui parentes de Bellocchio), que será tratado como uma espécie de obra-prima maldita pelos fãs do cineasta. Eu prefiro tomar este OVNI como uma experiência estranha, pantanosa, crônica dilacerada (a fotografia, talvez por conta da técnica précaria usada nas filmagens, mergulha os atores em escuridão na maior parte do tempo), que me diz algo sobre tensões familiares e sobre um cinema que faz questão de tirar notas baixas nas disciplinas convencionais – uma das sequências, em que uma banca de professores avalia um aluno nada exemplar, nos explica mais sobre o diretor que qualquer biografia de Bellocchio.

Girimunho | Clarissa Campolina e Helvécio Marins Jr | B+ | O cinema do coletivo mineiro Teia oferece uma série de armadilhas para quem avalia a arte de um modo mecânico, pragmático, como quem testa a qualidade de um eletroeletrônico. Os diretores do grupo colocam em xeque a cartilha que uma parte da crítica usa para lidar com documentários. Filmes do gênero não devem “embelezar” a realidade? Pois os docs do Teia enquadram o mundo em planos lindíssimos. Filmes do gênero não podem “sufocar” os personagens? Na Teia, a intimidade que se cria entre a equipe e as pessoas filmadas é tamanha que não se sabe quando eles (os personagens) estão encenando a própria vida ou fazendo o que sempre fazem, naturalmente. Girimunho, se não me parece tão surpreendente quanto O céu sobre os ombros, também se mostra totalmente despreocupado com dogmas: não se sabe se é o filme que maquia as personagens (duas senhoras de 80 anos, no sertão de Minas) ou se são elas que criam o filme, da forma como bem entendem. Todos – equipe e personagens – jogam um mesmo jogo. E sim, e a encenação continua bonita demais da conta.

Tatsumi | Eric Khoo | B+ | O nível de sacarose desta cinebio de animação me incomodou um pouquinho (a trilha sonora é bonita, mas beleza em excesso também cansa), mas Eric Khoo é salvo pelo ídolo que retrata: ao alternar a fofura da narrativa com as tramas pessimistas de Tatsumi Yoshihiro, um dos criadores de mangás mais importantes do Japão, o diretor cria um contraste muito forte, e também muito interessante, entre um tom amável e o dark mais medonho. Como era de se esperar, a arte de Yoshihiro vence no final.

Respirar | Atmen | Karl Markovics | B | Um eurodrama quadradinho, filmado com aquela assepsia visual que se encontra todo ano na lista de indicados ao Oscar de produção em língua estrangeira, mas eu estaria mentindo se dissesse não comprei o drama de um personagem salingeriano cujo carisma acaba compensando o ramerrame da narrativa. Ou talvez eu tenha sentido saudades de O apanhador no campo de centeio, apenas isso.

The forgiveness of blood | Joshua Marston | C+ | O parágrafo acima, sobre Respirar, serve quase integralmente para este filme. A cena final deixa uma boa impressão, mas, passado o impacto da projeção (a nota inicial era B), não consigo encontrar nada muito elogiável num longa cujo tema me parece muito, muito mais interessante que a forma como ele é narrado. Para o público que vai ao cinema à procura de uma “boa história”, será eficiente.

Oslo, 31 de agosto | Oslo, August 31st | Joachim Trier | C | O processo de largar as drogas deve ser mesmo chato e frustrante, mais ou menos como este filme. E o que dizer do curta-powerpoint que abre a trama? (Faça a comparação entre a forma como Joachim Trier e o diretor de Drive usam a música Under your spell; quanta diferença!)

Adeus | Bé omid é didar | Mohammad Rasoulof | C | Feel-bad movie iraniano que trata um tema pesadão (o cerceamento das liberdades individuais pelo governo, Kafka style) com mão pesadona. Da série Tragédia Pouca é Bobagem ou: apelou, perdeu.

As ondas | Las olas | Alberto Morais | D | Road movie da terceira idade, devagar quase parando, quase agonizando. Todos (até os personagens) dormem.

[steve toltz]

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Enquanto Terry foi brincar com os demais na piscina, eu me sujeitei a uma coisa terrível chamada dança das cadeiras, outro jogo cruel. Há uma cadeira a menos, e quando a música para, você tem de correr para conseguir um lugar. Festas infantis são riquíssimas em matéria de lições de vida. A música toca no último volume. Nunca se sabe quando vai parar. Você fica aflito durante toda a brincadeira; a tensão é insuportável. As crianças dançam em círculo ao redor das cadeiras, mas não é uma dança feliz. Todas têm os olhos grudados na mãe que comanda o rádio, a mão a postos no controle do volume. De tempos em tempos, uma criança se antecipa e se atira em uma cadeira. As outras gritam. Ela se levanta da cadeira outra vez. Está uma pilha de nervos. A música continua. Os rostos das crianças estão contorcidos de terror. Ninguém quer ser excluído. A mãe troça delas fingindo que vai mexer no volume. As crianças desejam que ela morra. O jogo é uma analogia da vida: não há cadeiras bastantes ou bons momentos o suficiente, não há comida suficiente, nem alegria, nem camas, nem empregos, nem risadas, nem amigos, nem sorrisos, nem dinheiro, nem ar puro para respirar… mas a música continua.

Trecho de Uma fração do todo, de Steve Toltz