Dia: outubro 10, 2011
cine | Drive
Em vez de criar mostras interdisciplinares sobre cinema&moda ou animação&racismo, os centros culturais brasileiros bem que poderiam atentar para algumas correlações mais instigantes que aparecem no cinema contemporâneo. Exemplo: que tal uma seleção de filmes em que a música pop exerce um tipo de força magnética, transformadora, às vezes agressiva mesmo, sobre a encenação? Eu poderia listar uns dez, a começar por Magnólia e lembrando, é claro, de toda a filmografia de Sofia Coppola, mais Mal dos trópicos, Kill Bill, o brasileiro O céu sobre os ombros e que tais. Drive, um thriller sobre synthpop (ou vice-versa), não seria ignorado na programação.
Após os créditos finais, meu primeiro movimento foi cingir o Google em busca de informações sobre a trilha sonora. A maior parte dos temas é escrita por Cliff Martinez, cuja importância no filme às vezes me parece maior que a do roteirista Hossein Amini (que adapta um livro de James Sallis). A música nos informa quase tudo sobre o personagem principal, um entertainer calado e opaco (mais ou menos como o protagonista de Somewhere) que queima o asfalto de Los Angeles legalmente (no trabalho de dublê) e ilegalmente (dirigindo para bandidos, de madrugada). É um som de acrílico, artificial e triste, falso porém tocante.
E é com essa “chave de fenda” sonora que o diretor do filme, Nicolas Winding Refn, faz uma fissura num gênero que conhecemos tão bem (o “action movie automobilístico”, à la Bullit, Ronin) – e abre, num rasgo até grosseiro, uma fresta para deixar entrar uma certa sensibilidade que parece não combinar com esse tipo de narrativa. Nos deixa com a sensação de encontrar, entre as faixas de um álbum de punk rock, duas ou três faixas instrumentais de ambient ou house, provocando interferências estranhas no mix. O ritmo do filme, no mais, é também musical (os planos gerais da cidade, à noite, servem de refrão para o pop song).
Ryan Gosling, numa interpretação tão mecânica/melancólica quanto uma performance do Kraftwerk, entende o projeto de Refn, que faz evoluções sempre em torno dos clichês do gênero. É como se o filme-filme terminasse assim que aparecem os créditos iniciais (após uma sequência tecnicamente perfeita, impressionante de perseguição) e, em seguida, restasse aos personagens (e aos espectadores) apenas a ressaca daquele filme de ação. O anti-herói sai de cena, e a vida segue em estradinhas escuras, erráticas, às vezes doce feito uma canção de synthpop vagabunda, às vezes violenta como uma graphic novel para adultos.
E, quanto mais referências Refn acumula no caminho (e são muitas, de Kar-wai a Tarantino: aposto que ele será acusado de pilhar o estilo alheio, de seguir modismos, de ser um babaca sem um olhar singular para as coisas), a imagem que resume o filme é um flash roubado de A estrada perdida, de David Lynch: tal como aquele filme, Drive também se desloca numa pista de ilusões – mas é daqueles sonhos tolos que nos capturam à vera, antes que tentemos colocá-los em ordem.