Dia: setembro 21, 2011

express | 44

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Wild Flag | Wild Flag | 78 | O último disco do Sleater-Kinney (The woods, um dos meus favoritos dos anos 00) era um prédio implodindo, e soava mesmo como a desintegração sofrida de uma longa história. A estreia do Wild Flag (quarteto com Carrie Brownstein e Janet Weiss, ambas ex-Sleater) bate como uma espécie de renascimento: um bebezinho eufórico e hiperativo, sorrindo, batendo palminhas, cuspindo purê e descobrindo a beleza que existe nos discos do papai punk. As roqueiras-on-board não são mães de primeira viagem, e poderiam muito bem ter criado um disco calculadamente animadíssimo. Mas não. O Wild Flag passa uma impressão muito firme de que elas reaprenderam a se divertir, e o que se ouve é um recomeço a sério. “O som é o sangue entre nós dois”, elas cantam, logo na primeira faixa. E são as canções mais simplezinhas (como Boom, digamos) que se alastram com mais força – e o que seria apenas um disco back-to-basics, com os limites estreitos de uma garagem de quitinete, se torna um álbum que tenta (e consegue) recuperar um sentimento de estreia, de debutar graciosamente. Bonito.

Era extraña | Neon Indian | 71 | É aquela história que vocês conhecem: há os discos sobre a adolescência (Boys and girls in America, por exemplo) e os discos adolescentes (que se comportam inconscientemente como meninos de 15 anos). Este do Neon Indian me parece pertencer ao segundo grupo, e me transporta a um período da vida cheio de contradições, em que eu me sentia simultaneamente horrendo e especial, inadequado no mundo e entusiasmado com o desejo de descobrir esse mesmo mundo. E não faltam bipolaridades teenager a este disco: apesar de atender por Era extraña, ter sido gravado na solidão de um inverno congelante (na Finlândia) e soar dodói, ferido pela contemporaneidade (Future sick é a faixa-tema), também é um álbum empolgadíssimo com tudo o que está up-to-date na indielândia: cada música dá lambidinhas numa referência cool, do synthpop ao shoegazing, tudo amplificado e colorido pela mixagem de Dave Fridmann (aqui, mais para MGMT que para Flaming Lips). Tudo muito pulsante, às vezes cansativo de tão pulsante, às vezes genuinamente juvenil (Alan Palomo tem só 23 anos), às vezes viciante mesmo (Suns irrupt, grude bonito), com repulsa/ tesão por tudo o que brilha nos trending topics. Um disco que será acusado de tudo (novidadeiro e superficial), e talvez seja todo tolo mesmo. Mas se mantém vivo graças a uma energia meio pueril, adolescente (de usar o pop como balão de oxigênio), e dentro dessa fiação elétrica corre sangue – sangue purinho, inocente, mas sangue.

Lenses alien | Cymbals Eat Guitars | 71 | Um daqueles discos que não entrará em quase nenhuma lista de melhor do ano, mas que periga ser reavaliado lentamente. É que as ambições desta banda (pelo menos as ambições que aparecem aqui) têm menos a ver com provocar um efeito acachapante (um “uaaau” de primeira audição) e mais de ir acumulando pequenos efeitos e detalhes, que podem ir nos conquistando sem que percebamos. Parece até um disquinho perverso, que nos tenta a tirar conclusões apressadas (“todas as faixas se repetem numa eterna monotonia, que chato!”), mas depois se mostra muito seguro daquilo que quer – que é criar uma espécie de manto sonoro, que encobre e conecta todas as faixas. Para mim, é uma surpresa: a banda que eu conheci no disco anterior parecia mais disposta a sair se aventurando por aí do que a criar um itinerário circular, simétrico, meio matemático. Pois bem: disco impressiona quando nos familiarizamos a ele, ainda que eu não me sinta atraído a ouvi-lo com frequência, talvez porque a banda ainda me pareça um holograma de bandas mais interessantes dos anos 90. E é um álbum que admiro a certa distância – belo até pode ser, mas tocante (pelo menos para mim) não é.

The High Country | Richmond Fontaine | 59 | Os discos anteriores do Richmond Fontaine (pelo menos a parte que conheço, como Post to wire e o ótimo The Fitzgerald) podem ser lidos como livros de contos, com canções independentes (tramas) que comunicavam sutilmente entre elas. O novo arrisca com um projeto diferente: o que era coletânea de contos agora vira uma espécie de romance beat, com personagens que aparecem e desaparecem entre uma faixa e outra, melodias que alinham cenas, numa estrutura com algo de cinematográfica (tem cena pré-créditos, sequência de ação, momento intimista, clímax…). O repertório de temas daria uma fita indie americana bem previsível: violência doméstica, dramas de “gente comum” em paisagens interioranas e um script com tragédias waiting-to-happen, bem à moda da Fox Searchlight. Como acontece com esse tipo de disco-filme-novelão, a trama às vezes se impõe sobre as canções, a música (mesmo nos belos lamentos country que eles escrevem até dormindo) vai a reboque da ficção. É quando dá a vontade de desligar o disco e ver o filme (ou ler o livro, ou ouvir Johnny Cash).