Dia: setembro 13, 2011
1977 | Terius Nash
O fim de uma relação amorosa produz angústia, pesadelos, talvez tremedeira, incertezas, traumas, dor, noites maldormidas, às vezes alívio, quase sempre medo, em alguns casos saudade, rancor, pode ser que raiva, insegurança. Também produz blogs terrivelmente pessimistas, diários borrados em canetinha vermelha, e-mails furiosos (que nunca serão enviados) e canções tristes que você dedilha no violão enquanto chora feito um menino órfão.
A primeira separação, dizem, pode ser fatal. Há quem não se recupere. Conheço gente que ainda não sarou. Tem aqueles que se arrepiam só de pensar no assunto. E os que guardam fotos e cartas, esperando o dia em que, sabe-se lá, quem sabe.
É uma dor universal. É um clichê.
Aprendi que existe sabedoria no lugar-comum dos corações regenerados (e ele diz: “o tempo resolve tudo”). Mas essa é apenas minha experiência — ela não pode ser tratada como uma espécie de regra geral para namoros&casinhos. Há os que sofrem muito, há os que sofrem pouco, há os que não sofrem nada (e há os psicopatas). Mas uma sensação, uma espécie de ressaca sentimental, talvez nos conecte, nós que já namoramos e separamos: com distanciamento, após um certo tempo, as lembranças do período imediatamente posterior à separação podem parecer um tanto patéticas.
E digo isso com todo o respeito por aqueles que estão passando por essa fase neste exato momento (força, gente!): a única perspectiva boa que posso oferecer é que, quando terminar a temporada de sofrimento excessivo, você vai olhar para trás com um pouco de vergonha. “Por que sofri tudo isso?”, é a pergunta recorrente que as pessoas fazem antes de começar a sofrer tudo de novo.
O inferno é que, nesse período desconfortável de quase-loucura (quando estamos no parapeito, pulando sem asa delta), as pessoas às vezes escrevem e gravam discos. Infelizmente, elas não têm amigos que recomendem “escreve as músicas, meu velho, mas deixe para gravá-las daqui a três anos. Enquanto isso, faça um blog, veja séries de tevê, leia Nick Hornby, coma sorvete.”
Há grandes discos que são escarrados por esse furacão pós-separação. Mas são poucos. Posso contá-los nos dedos da minha mão. O melhor deles, Blood on the tracks (de Bob Dylan), não é apenas terapêutico: ele parece flutuar sobre a tragédia, observando (até com um pouco de graça) toda a dança confusa de encontros/desencontros/tropeços/azares que desenha a trajetória de uma história de amor. Sea change (de Beck), me parece mais agressivamente pessoal: ainda assim, existe no disco um produtor (Nigel Godrich) que cumpre o papel do bom amigo, que não deixa o sofredor dar vexame.
Nenhum desses milagres, no entanto, acontece neste 1977. Aqui, temos um compositor com total controle do processo de gravar as mais confessionais das canções de dor de cotovelo. E sem amigos por perto.
É um disco franco e imaturo. Honesto, talvez até verdadeiramente honesto. A alegria do ouvinte sádico. E a polaroide já amarelada de um período muito específico na vida de Terius Nash (mais conhecido como The-Dream), que se separou de Christina Milian em julho de 2010, pouco depois de ter completado 33 anos.
O produtor “profissa” de hits femininos como Single ladies e Umbrella (e de bons discos “de amor” como Love vs. money, de 2009, e Love king, de 2010), talvez tenha se inspirado em Kanye West para gravar um “break-up album” de machinho que, como aconteceu com 808s and heartbreak, poderia muito bem ser chamado de Love vs. sanity. Lembranças de Here, my dear (1978), de Marvin Gaye, serão inevitáveis.
Como Kanye e Gaye, Nash também se deixa engolir pelo tumulto sentimental. E não deve ser culpado por isso (o doente de amor pode ser especialmente irritante, mas quem nunca sofreu disso?). Mas, ao se exibir com tanta franqueza, ele acaba listando um festival de bobagens juvenis que serviriam de bons argumentos para os amigos da ex-mulher. Eles apertariam o play e diriam: “Foi com esse sujeito que você se casou, menina?” Nos momentos de humor involuntário, 1977 pode ser lido como uma espécie de Blood on the tracks for retardados.
Se eu tivesse 18 anos de idade, me identificaria com este disco. Juro que sim. Sim. E muito. Ele mostra um homem sofrendo (de um jeito estúpido) por amor. Eu adorava esse tipo de confissão. Hoje, me sinto um pouco constrangido diante desses desabafos. É como se um terapeuta tivesse violado um segredo e decidido me contar mágoas que não quero conhecer. O que mudou em mim? Talvez eu tenha crescido. Ou talvez eu tenha ouvido “break-up albums” em demasia.
Que seja. 1977 soa, antes de tudo, como um desperdício de bons arranjos, de ideias musicais até decentes, tudo muito bem acolchoado numa linda sonoridade que é de Terius Nash e de mais ninguém (e, se nos concentrarmos apenas no som dos sintetizadores e violões, este é um disco que supera o mais recente do Weeknd, por exemplo).
Daria uma ótima mixtape instrumental. Uma das faixas (a única que não me deixa com vergonha alheia) me parece um hit extraordinário: Long gone mereceria entrar numa coletânea do The-Dream. Pena que, para chegar lá, temos que ouvir ladainhas lamentáveis.
Used to be, a faixa número 2, é a mais humana de Nash. E deixa saudades do tempo em que ele soava como um androide. “Pare de foder com a minha vida, mulher”, ele ordena, no refrão. Antes disso, compara o tempo em que a esposa era sua “cool bitch”, antes de se transformar numa chata. “Você era contra a internet, agora fica aí blogando e fazendo outras merdas”, desabafa. E depois passa a lição: “As ‘bitches’ de verdade sabem que estou falando a verdade, já as ‘fake bitches’ estão todas se mijando”.
Medo!
As músicas em que ele admite que se sente carente soam menos infantis. Miss you still, apesar da pobreza poética (“O sol brilha, mas a dor nunca seca”), não é tão sofrível quanto Wake me when it’s over (“Por que você é tão estúpida? É fácil expor quem você ama, o difícil é ficar com a boca fechada”). Na metade do disco, eu já me perguntava se não estaria perdendo tempo demais com um sujeito que merecia ficar trancado no quarto por alguns meses, sem contato com pessoas and shit.
Nash lançou o disco de graça, na internet. Brigou com a gravadora, chorou pitangas, se sentiu agredido e humilhado etc. Mas acho que lançou do jeito certo, e tem razão – este é um disco feito para durar o mesmo tanto que um trending topic. No fim do ano, quando lançar The Love IV, talvez consiga observar a experiência dolorida da separação de forma a transformá-la em, quem sabe, arte. Aqui, em 1977 (o ano em que nasceu), ele consegue produzir faixas ocas, quando não estúpidas. Como Wedding crasher, quando Nash admite que está muito bêbado e que tem medo de não encontrar uma mulher à altura daquela que o abandonou.
Acontece, meu velho. Agora vá lá abrir um blog.
Quarto disco de Terius Nash (The-Dream). 11 faixas, com produção de Terius Nash. De graça na web: baixe aqui. 42