Dia: agosto 16, 2011

Dreams come true | CANT

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Muito além de uma capinha bonita, Dreams come true é o disco de estreia do CANT, a outra banda do baixista do Grizzly Bear.

O que, aliás, soa como uma apresentação incompleta. E injusta: além de baixista, Chris Taylor toca outros instrumentos, colabora com backing vocals e produz os discos do Bear. Devemos a ele, portanto, os cumprimentos pela atmosfera anuviada de grandes álbuns como Yellow house, de 2006.

Mais: Taylor também produziu discos do Department of Eagles (projeto do colega da banda Daniel Rossen), Dirty Projectors e de calouros talentosos que apadrinhou na gravadora Terrible Records, de que é dono: Twin Shadow, Acrylics e Blood Orange.

O que se esperava de Dreams come true era, por tudo isso, um disco (no mínimo) produzido com enorme esmero. O que não deixa de ser verdade. Mas minha impressão é de que Taylor sofre de um mal que acomete produtores/compositores como Dave Sitek, do TV on the Radio, e Timbaland: faz do álbum uma espécie de portfólio técnico/criativo, uma peça sortida e sem foco.

A identidade do CANT, naturalmente indefinida, se torna confusa quanto mais Taylor tenta abrir atalhos sonoros para a sonoridade da banda. O disco começa cheio de tremeliques de pista de dança (Too late too far tem um quê de Twin Shadow, que participou do álbum) e vai ficando soturno, aflito, ao se aproximar do fim.

Não se sabe exatamente o que Taylor quer: e a indefinição fica ainda mais latente quando se percebe que as faixas mais poderosas, Bang e She’s found a way out, soam como remixes dark do Grizzly Bear. Quando termina a última faixa, percebemos que ele não chegou a lugar algum.

Parece decepcionante. Mas, ouvindo pela terceira, pela quarta vez, o disco começa a soar menos torto, mais envolvente do que parece. Talvez seja o caso de sintonizar corretamente as nossas expectativas.

Afinal, ele é um projeto “pequeno”, escrito e gravado em uma semana (durante as sessões de Veckatimest, do Grizzly Bear). É como se Taylor, com George Lewis Jr (o Twin Shadow), transportassem a sonoridade do Grizzly Bear para um ambiente sem iluminação, prá lá do apocalipse.

E, se essa rapidez do processo deixa transparecer as referências da banda (Joy Division, synthpop, drone, Portishead fase Third), ela mostra, à vera, um músico destemido e insone, que merece ser responsabilizado por muitas das belezas do Grizzly Bear.

O importante, no caso, é que Dreams come true não soa como um sonho tranquilo: Taylor se recusa a jogar para a torcida, e (diferentemente do que acontece com o Department of Eagles) os fãs do Grizzly Bear vão encontrar uma banda talvez selvagem, desagradável, nova. Melhor assim.

Primeiro disco do CANT. 10 faixas, com produção de Chris Taylor. Lançamento Terrible Records. 68.

Os discos da minha vida (top 3)

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Chegamos ao top 3, amiguinhos. E não se assustem: o visual do blog mudou (por aqui é tempo de mudanças), mas este sítio permanece limpo e produtivo, gerenciado por gente sincera e trabalhadora.

E, caso vocês cansem deste layout, prometo trocá-lo por outro. Mas aquele antigo, me perdoem, já deu.

Agora vamos ao ranking, ok? O disco de hoje é um monstrão, talvez o álbum mais loucamente criativo do rock, mas pra mim ele soa um tanto triste. Talvez vocês entendam por que ao ler o textinho a seguir.

Semana que vem conheceremos ao fim desta saga. Foi uma eternidade – que passou até rapidinho (eu avisei!). Tá perto, e vocês nem vão perceber quando chegarmos lá.

003 | White Album | The Beatles | 1968 | download

Fazia mais de um ano que eu não conversava com meu pai, mas desta vez resolvi enfrentar o telefone. Foi um diálogo curto – que, de acordo com o visor do meu celular, durou dois minutos e trinta e quatro segundos. Ele: alô, tá bem?, tudo certo?, trabalhando muito?, e a irmã?, e a mãe? E eu: sim, não, mais ou menos, cê sabe como as coisas são, tá ótimo, é.

Eu, francamente, não dizia coisa com coisa (porque não tinha nada a dizer); e ele revidava com resmungos (talvez porque não estivesse bem por algum motivo, mas nada disso me diz respeito).

Um espectador daquele teatrinho talvez percebesse algo estranho naquele telefonema lacônico de domingo. Mas era esse o nosso papo habitual. Pai e filho fazendo de conta que nada havia mudado, de que o tempo não havia passado, de que estava tudo bem. Não estava. Mas fazer de conta quase sempre funcionava. Era isso ou encarar mistérios que nos machucariam.

Não somos nem nunca fomos sujeitos corajosos.

Perdi meu pai de vista acho que aos oito (talvez nove) anos, quando ele ainda estava presente. Não lembro quando ele desapareceu, mas acho que foi no dia em que comecei a notar que, se pudesse, ele seria empurrado lentamente pela vida, ladeira acima, como um bloco pesado de cimento. Era um homem que não parecia conseguir se mover por conta própria, sempre à espera do solavanco do acaso.

Quando percebi quem ele era, e quando atentei para o fato de que (por alguma razão mística) eu estava começando a me tornar muito parecido com ele, me afastei naturalmente. Depois que nos mudamos de cidade – eu, mãe, irmã e padrasto -, o pai encontrou uma desculpa para se camuflar completamente numa vida bege.

E, honestamente, nunca me deixei importar muito por esse silêncio que se impôs entre meu pai e o restante da família. Minha irmã sofreu e se rebelou; eu tentei me colocar no lugar dele (um homem tímido, apático, porém amável, justo, bom) e relevei tudo.

Comecei a me incomodar com essa distância há pouco tempo, quando percebi que talvez a minha relação com meu pai chegara ao fim. Ele com sessenta anos, eu com trinta. Ambos adultos e desconhecidos um para o outro. Nossas ligações telefônicas se transformaram em compromissos obrigatórios e por isso enfadonhos. Isso até o dia em que, sem que nada de especial ou dramático acontecesse, paramos de conversar.

E hoje, se você me perguntar, talvez eu diga que não sei se é possível resgatar o que, para mim, nunca pareceu tão importante. Não consigo sentir raiva do meu pai porque me acostumei a não contar com ele.

O que sobrou do velho foram fotografias, algumas marcas do meu temperamento (e luto contra todas elas), o meu jeito de andar, o meu rosto meio quadrado, o meu sorriso, a minha testa (ele está em todo lugar), um pouco da minha preguiça.

Também sobraram algumas das músicas que ele ouvia, e as músicas que ele me ensinou a ouvir. Um disco dos Beatles sempre reconstruirá ao meu pai, feito um holograma, mesmo que eu não queira. Os discos dos Beatles (mais que os discos de qualquer outra banda) carregam alguns dos sinais mais positivos que guardo daquele homem. Talvez por isso eu guarde esses discos como quem preserva moléculas essenciais dentro de uma geladeira de laboratório.

Mais do que todos os álbuns dos Beatles, é o White album que representa para mim um mapa de genes. Cada música aponta para uma lembrança boa do meu pai, e sempre volto ao disco quando tenho a necessidade de reatar o elo com uma imagem fraternal que talvez nunca tenha aparecido de verdade.

Dear prudence, Blackbird, Julia… São algumas das canções de ninar que talvez tido vontade de cantar (mas nunca cantou). Back in the USSR, Helter skelter… São faixas que extravasam a rebeldia, a liberdade que eu esperava dele (mas nunca encontrei). Glass onion, Piggies… São músicas que me mostram o pai criativo e alegre que mora nos meus pensamentos, num canto do meu cérebro que talvez exista para que eu não enlouqueça.

Talvez a única imagem fiel do meu pai, a única imagem real, esteja guardada em While my guitar gently weeps: não sei por que, mas a voz quase feminina de George Harrison, melancólica diante de um mundo que está mudando (mas ele quer permanecer imóvel, num idílio infinito) é o retrato daquele moço barrigudo e afável, que hoje segue vivendo à margem de qualquer desafio, de qualquer risco.

É bem verdade que discos têm o poder de enclausurar lembranças, estados de espírito, sensações que remetem a momentos específicos da nossa infância, da nossa adolescência. Mas o White album, para mim, é um pouco como um disco que inventei para mim: o souvenir ilusório de um pai, uma mentira. Não sei o que John Lennon e Paul McCartney diriam ao perceber a criatura que produziram.

O que meu velho me ensinou de mais importante foi amar a música com a inocência de quem ama um bicho de estimação (e devo quase todo este blog a ele, de alguma maneira). O que entreguei em troca foi esta fotografia falsa e bonita: um monumento pop para o grande pai que nunca existiu. Top 3: While my guitar gently weeps, Dear Prudence, Blackbird.

Após o pulo, veja todos os discos que entraram neste ranking.

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