Dia: agosto 2, 2011
Trecho | A morte da música
“Quando ouvem a palavra ‘clássica’, muitos só pensam em ‘morta’. A música é descrita em termos de sua distância do presente, sua diferença da massa. Não surpreende que as histórias sobre sua morte iminente sejam comuns. Os jornais recitam uma ladainha familiar de problemas: as gravadoras estão reduzindo suas divisões de música clássica; orquestras enfrentam déficits; mal se ensina música nas escolas, ela é quase invisível na mídia, ignorada ou ridicularizada em Hollywood. No entanto, essa mesma história era contada há quarenta, sessenta, oitenta anos.
A Stereo Review dizia em 1969: “Vendem-se menos discos clássicos porque as pessoas estão morrendo. O mercado clássico moribundo de hoje é o que é porque há quinze anos ninguém tentou instilar o amor pela música clássica nas então impressionáveis crianças que hoje constituem o mercado”. O maestro Alfred Wallenstein escreveu em 1950: “A crise econômica que as orquestras sinfônicas americanas enfrentam está se tornando cada vez mais aguda”. O crítico alemão Hans Heinz Stuckenschmidt escreveu em 1926: “Os concertos têm pouco público e os déficits orçamentários crescem de ano para ano.” Os lamentos sobre o declínio ou a morte da arte aparecem já no século 14, quando se julgava que as melodias sensuais da Ars Nova assinalavam o fim da civilização. O pianista Charles Rosen observou com sabedoria: “A morte da música clássica talvez seja sua tradição viva mais antiga”.
A música está sempre morrendo, sem parar. Ela é como uma diva que não envelhece, numa excursão de despedida sem fim, em busca de uma aparição francamente definitiva. É fácil nomear porque, para começar, ela nunca existiu de fato – não no sentido de ser proveniente de um único lugar ou tempo. Não tem genealogia e nenhuma etnia: compositores importantes de hoje vêm da China, da Estônia, da Argentina, do Queens. A música é simplesmente o que o compositor cria – uma longa cadeia de obras escritas às quais se ligaram várias tradições de execução. Ela abrange o alto, o baixo, o imperial, o clandestino, a dança, a oração, o silêncio, o ruído. Os compositores são gênios parasitas: alimentam-se com voracidade da matéria sonora de seu tempo a fim de gerar algo novo. Eles passaram por tempos duros nos últimos cem anos, enfrentaram obstáculos externos (Hitler e Stálin eram críticos amadores de música), bem como problemas inventados por eles mesmos (“Por que ninguém gosta de nossa linda música dodecafônica?”). Mas eles talvez estejam à beira de um renascimento improvável, e a música talvez assuma uma forma que ninguém reconheceria hoje.”
Trecho de Escuta só – Do clássico ao pop, de Alex Ross.