Os discos da minha vida (top 10)
No top 10 da saga dos 100 discos da minha vida, as regras do jogo mudam um pouco: um álbum indefectível por semana, com textos um tantinho mais robustos (mas ainda constrangedores de tão pessoais, porque o espírito do ranking é esse aí). E nada de prólogos, porque tudo foi dito- e o que não foi dito, meus amigos, agora merece o silêncio.
010 | After the gold rush | Neil Young | 1970 | download
Fico me perguntando: o que sentiam os meninos de 15 anos que ouviram After the gold rush em 1970, assim que o disco foi lançado? Faço uma acrobacia de imaginação para descer àquela época, mas é inútil.
Hoje, o disco é uma unanimidade. Quando organizam listas dos melhores dos anos 70, ele geralmente está lá, junto com um Clash, um Joy Division, um Nick Drake, um Lennon, um Stones. Ninguém discute: é clássico.
Tente, ó leitor, investigar na web. Você vai encontrar quatro ou cinco resenhas absolutamente positivas (e calculo apenas as fontes confiáveis) que ressaltam o que o disco tem de irrepreensível. A exceção é um texto publicado em 1970 na Rolling Stone — que avalia o álbum como uma aventura desnecessária na carreira de um bom compositor.
Eis o mistério: o que esperavam de Neil Young em 1970? Acredito que não era pouco. Naquela temporada, o canadense havia lançado um disco de country/folk com Crosby, Stills & Nash (Déjà vu, um sucesso enorme) e o single Ohio, que reafirmava o peso do álbum anterior, o muito elogiado Everybody knows this is nowhere. Tudo bem, tudo bom. Mas em seguida, o que fazer?
Talvez nada muito inesperado, respondia Young. Indo e vindo entre os extremos do músico, After the gold rush deve ter provocado certo desânimo, que o crítico da Rolling Stone rapidamente espelhou: estaria Neil Young matando tempo e afinando as cordas antes de surpreender o público novamente?
O tempo mostrou que essa questão era irrelevante: a carreira de Young oscilaria entre momentos mais e menos ruidosos. O movimento, na trajetória deste herói, se mostrou pendular. Entre guitarras altas e violões interioranos. Entre hard rock e country. Entre dois personagens: o guerreiro épico (envolto em feedback) e o rancheiro melancólico. Indo e vindo, subindo e descendo, para um lado e depois para outro.
Acontece que, na era de After the gold rush, esses dois temperamentos ainda não estavam totalmente definidos. Nem para os fãs, nem para a imprensa, tampouco para o próprio Neil Young. Harvest, que veio em seguida, era um disco mais coeso de country (com algo de loucura, lisergia). After the gold rush soa como um Young atípico, ainda “verde” (na arte do álbum, pelo menos), que tentava engaiolar referências às vezes dissonantes dentro de um LP.
Mas voltando à pergunta que abre este textinho tão modesto: o que teria sentido o menino de 15 anos que ouviu este disco em 1970? Eu, que tinha essa idade quando descobri o álbum (em 1995, se não me engano), admito que me senti um pouco intimidado. Acima de tudo, soava como um disco cheio de si, mesmo quando arriscava passos duvidosos (When you dance you can really love ainda me parece muito estranha).
Eu não conhecia absolutamente nada de Neil Young. Comecei por After the gold rush e depois segui com Harvest e Everybody knows this is nowhere. Não sei se tomei o caminho certo, no entanto foi o que aconteceu. Talvez Harvest seja igualmente impressionante, mas ainda penso em After the gold rush sempre que falam em Neil Young. Me parece um retrato perfeito. A síntese.
Inicialmente, o disco foi escrito como trilha sonora para um roteiro que não chegou a ser filmado. Mas quem precisa de filme quando se tem canções que delimitam um ambiente tão completo e tão poético (uma América de faroestes antigos e pistas de dança desoladas), que soam pessoais mesmo quando parecem contar histórias que pertencem a uma época muito anterior a Young, à invenção do rock? Filme pra quê?
Em 1970, talvez não esperassem de Neil Young um disco de canções de amor. Talvez seja isso. Deve ser isso. Da mesma forma como não esperavam de Bob Dylan, em 1969, a leveza de Nashville skyline. Em 1970, After the gold rush deve ter soado inadequado. Hoje, serve de bibelô agradável em estantes de discos. Obra-prima é obra-prima.
Acredito, no entanto, que o disco pode parecer ainda mais valente, ainda mais vívido, quando tentamos transportá-lo para a perspectiva da década em que foi lançado. Sei que é um esforço quase impossível, mas vale a fantasia. Porque After the gold rush era um disco outsider, frustrante de tão sentimental e antiquado. E, ao mesmo tempo, uma obra que criava um cenário alternativo, quase surreal, de homens solitários vagando em estadas inacabadas. “Tem uma banda tocando na minha cabeça”, Young avisa, na faixa-título. E não haveria motivos para reprimir o som bonito que ela, essa banda de um único homem, produz. Top 3: After the gold rush, I believe in you, Birds.
Após o pulo, veja os outros discos que apareceram neste ranking.
11 a tábua de esmeralda, jorge ben
12 automatic for the people, r.e.m.
13 xo, elliott smith
14 sticky fingers, rolling stones
15 achtung baby, U2
16 pink moon, nick drake
17 grace, jeff buckley
18 loveless, my bloody valentine
19 radio-activity, kraftwerk
20 the queen is dead, the smiths
21 siamese dream, smashing pumpkins
22 magical mystery tour, the beatles
23 odelay, beck
24 velvet underground and nico, velvet underground
25 rubber soul, the beatles
26 kid a, radiohead
27 zen arcade, hüsker dü
28 transa, caetano veloso
29 low, david bowie
30 nashville skyline, bob dylan
31 wowee zowee, pavement
32 odessey and oracle, zombies
33 as quarto estações, legião urbana
34 last splash, the breeders
35 what’s going on, marvin gaye
36 daydream naton, sonic youth
37 abbey road, the beatles
38 the soft bulletin, flaming lips
39 plastic ono band, john lennon
40 london calling, the clash
41 exile on main street, rolling stones
42 younger than yesterday, the byrds
43 sgt. pepper’s lonely hearts club band, the beatles
44 stankonia, outkast
45 the who sell out, the who
46 is this it, the strokes
47 astral weeks, van morrison
48 mighty joe moon, grant lee buffalo
49 le historie de melodie nelson, serge gainsbourg
50 the ramones, the ramones
51 the dark side of the moon, pink floyd
52 construção, chico buarque
53 parklife, blur
54 murmur, rem
55 music from big pink, the band
56 bringing it all back home, bob Dylan
57 in the wee small hours, Frank sinatra
58 moon safari, air
59 the stooges, the stooges
60 carnaval na obra, mundo livre sa
61 paul’s boutique, beastie boys
62 in utero, nirvana
63 american beauty, greateful dead
64 ladies and gentlemen, we are floating in space, spiritualized
65 os mutantes, os mutantes
66 discovery, daft punk
67 sea change, beck
68 dusty in memphis, dusty springfield
69 69 love songs, the magnetic fields
70 portishead, portishead
71 scott 4, scott walker
72 teenager of the year, frank black
73 either/or, elliott smith
74 elephant, the white stripes
75 on the beach, neil young
76 deserter’s songs, mercury rev
77 off the wall, michael jackson
78 post, bjork
79 surf’s up, beach boys
80 pulp fiction, soundtrack
81 songs from a room, leonard cohen
82 a ghost is born, wilco
83 under a red blood sky, u2
84 behaviour, pet shop boys
85 sheik yerbouti, frank zappa
86 electro-shock blues, eels
87 this is hardcore, pulp
88 brotherhood, new order
89 selvagem?, os paralamas do sucesso
90 merriweather post pavilion, animal collective
91 all things must pass, george harrison
92 the downward spiral, nine inch nails
93 bookends, simon and garfunkel
94 mezzanine, massive attack
95 #1 record, big star
96 summer in abbadon, pinback
97 gentleman, the afghan wighs
98 grievous angel, gram parsons
99 ten, pearl jam
100 grand prix, teenage fanclub
junho 27, 2011 às 6:06 pm
Esse disco dói de bom.
junho 27, 2011 às 6:57 pm
Ô. É bom de doer mesmo.
junho 27, 2011 às 7:18 pm
É isso mesmo, pra se compreender a obra do Neil Young é preciso assimilar esse balanço entre o hard e o country, e são inseparáveis. Se vc desconsiderar um deles, nunca vai entender a obra dele por inteiro.
E o After the Gold Rush é o meu preferido da “faceta” folk-country
junho 27, 2011 às 7:58 pm
Pois é, Daniel, concordo. Mas acho que o Gold Rush tem sinais dessas duas “facetas” do Neil, como se ele ainda não tivesse feito a divisão completa, total entre as duas. O ‘Harvest’ me parece mais um disco folk-country dele, da safra de Comes a Time, Silver and Gold, etc.
junho 27, 2011 às 10:11 pm
Grande Tiago, começou muito bem o Top 10 hein? É o meu disco predileto do velho Young, também está no meu Top 10. E tô vendo que vai surgir só coisa fina daqui em diante.
junho 27, 2011 às 10:14 pm
Opa, Ricardo. Valeu. Espero que você não se decepcione. Abraço.
junho 27, 2011 às 10:23 pm
Esse é top 10 pra mim também! Discaço e excelente texto também!
Abraço
junho 27, 2011 às 10:24 pm
Alguma coisa do Joy Division por aí?
junho 27, 2011 às 10:27 pm
Valeu, Ricardo. Obrigado!
Pô, Gabriel, não vamos estragar surpresas porque falta pouco pro fim.
junho 27, 2011 às 11:23 pm
Senti uma leve pontada de ignorância agora! Hahaha
Nunca peguei um álbum do Neil pra ouvir, apesar de sempre dizerem que ele é foda. Porra, dezenas de discos lançados, e o mundo reverencia pelo menos a metade deles, ele deve ser mesmo.
junho 27, 2011 às 11:40 pm
Arrogância? Onde? Haha.
junho 28, 2011 às 3:10 am
O velho e sempre bom Neil Young …
Tenho todos os clássicos dele, mas o disco que eu colocaria num pedestal para ser idolatrado, seria exatamente esta obra-prima.
Faça um teste:
Se você fizer um sorteio com papéizinhos escrito títulos de todos os discos de Neil Young, dificilmente o papel sorteado seria o título de algum disco ruim dele.
junho 28, 2011 às 4:18 am
Bela percepção sobre as fases de Neil Young no texto, Tiago. E olha que cada álbum dá para tirar um momento da vida do cantor. Gosto muito, por exemplo, do ar deprimente cheirando a álcool de “Tonight’s The Night”, feito logo depois do sucesso que foi “Harvest” e da morte de seu amigo guitarrista do Crazy Horse. Deu vontade de ouvir Neil Young agora.
junho 28, 2011 às 12:19 pm
Entre os discos fúnebres do Neil, Felipe, eu fico com o ‘On the beach’, que entrou neste ranking. Também gosto muito de ‘Sleeps with angels’, um dos primeiros que ouvi da discografia dele.
Adalberto, o perigo é fazer o sorteio e tirar ‘Trans’ ou ‘Fork in the road’, né? Hehe.
junho 28, 2011 às 2:41 pm
Only Love Can Break Your Heart é de ‘partir o coração’ de linda.
junho 28, 2011 às 4:23 pm
Desculpa, me expressei mal Tiago, quis dizer que me sinto ignorante perante a voces todos discutindo qual é o melhor disco do Neil, pois nunca ouvi nenhum álbum dele.
junho 28, 2011 às 5:12 pm
É verdade Tiago, também tem o horrendo ARC (o pior disco de todos os tempos, feito por um artista consagrado).
Mas só se o cara for um sem sorte total, para tirar esses ai.
junho 29, 2011 às 11:05 am
Adalberto, junta aí o “Metal Machine Music” com o “Arc”! :-)
junho 28, 2011 às 5:37 pm
Essa é especialmente foda, dh.
Ah, certo, Alexandre. Agora entendi.
Pois é, mas o cara azarado ainda pode tirar um ‘Greendale’, né, Adalberto?
junho 28, 2011 às 11:14 pm
Pois é, Tiago ! kkkkkkkk
Esse é ruim mesmo…
junho 29, 2011 às 12:02 am
Até o filme para qual essa trilha sonora foi composta, é pessimo …
junho 29, 2011 às 1:07 am
É sofrível. Mas, felizmente, o homem não se deixa abater.
junho 29, 2011 às 11:59 am
Sempre Young…
Voltando ao seu extraordinário texto.
É assim mesmo Tiago, tem discos que nos transportam para épocas que nunca vivenciamos (até mesmo alguns discos atuais), sem que sejam discos antiquados ou datados; Como no caso desse disco.
junho 29, 2011 às 12:14 pm
Bem que o Young poderia falar sobre esse tipo de sensação na palestra que ele vai proferir no SWU, né, Adalberto? Mas acho que vai rolar um blábláblá sobre automóveis ecologicamente corretos.
junho 29, 2011 às 12:40 pm
É serio?kkkkkkk
E eu pensando que ele vinha para cantar.
julho 2, 2011 às 6:27 am
esse é BÃO.
e sei que tô sozinho ao considerar HARVEST MOON meu preferido dele.
julho 6, 2011 às 6:47 pm
É difícil definir qual o melhor do Neil Young. Pra mim este, o Harvest e o Zuma empatam. Todos são nota 10.