Dia: março 8, 2011
Collapse into now | R.E.M.
Escrevi pro jornal um textinho sobre o novo do R.E.M., Collapse into now. Quase tudo o que eu penso sobre o disco, que passou quase batido pelos meus headphones, está lá.
Para evitar que este blog perca o timing dos acontecimentos – e sem medo de soar incoerente, já que o próprio álbum é confuso, desconjuntado -, dou o “ctrl+v” na resenha para, logo em seguida, fazer alguns comentários que não couberam na página de papel. É assim:
Um estilo no automático
Ainda que não faça questão de esconder as rugas, o R.E.M. rejuvenesceu pelo menos 10 anos com Accelerate, de 2008. Aquele era um disco de rock compacto, tostado por uma iluminação dura que incidia em todas as canções. Em comparação, Collapse into now sinaliza um retrocesso: uma aventura sem tantos riscos, que provoca no fã a sensação imediata de familiaridade.
Em entrevistas, Michael Stipe comentou que o álbum espelha uma nova forma de consumir música, mais desatenta e fragmentada. Talvez faça sentido. Tal como The king of limbs, o mais recente do Radiohead, este conjunto de faixas também carece de unidade, de uma narrativa que garanta a elas um chão.
Talvez o vocalista tenha razão quando nota, que em 2011, o público se apaixona mais por canções que por discos. Esse “estado de coisas” justifica o formato despreocupado de Collapse into now, com um punhado de cenas fortes — como a vibrante All the best, que gruda na primeira audição, e as delicadas Überlin e Walk it back — que não se encaixam.
De um lado, há os herdeiros ruidosos de Accelerate. De outro, as reminiscências dos anos 1990. Ao afrouxar as ambições, o R.E.M. produz uma obra de impasse (e, quem sabe, transição), na linha de New adventures in hi-fi (1996) e Reveal (2001).
O que distancia este novo R.E.M. da obra-prima Automatic for the people é, acima de tudo, um certo desânimo com as palavras. Os versos se tornam cada vez mais singelos, sem a densidade dos tempos de Document, por exemplo.
A soma desses microcontos, apesar de flashes de inspiração (como Oh my heart e Discoverer), resulta numa obra efêmera. Ou, no melhor dos cenários, uma pausa breve no meio do caminho.
Duas ou três coisas mais:
1. Numa entrevista, Mike Mills apontou a diferença entre Accelerate e Collapse into now: aquele era um “statement”, este novo é um conjunto de canções “sem regras”. Pois percebo cada vez mais que o R.E.M. se sai melhor quando grava “statements” – discos coesos, cheios de regras, envolvidos numa atmosfera, num tom muito específico. São esses os meus preferidos: Murmur, Document, Automatic for the people, Monster (e daria para incluir Accelerate aí, mas não vejo tanta potência nas canções).
2. Já os discos “de transição” sempre têm dois ou três momentos de parar o coração (At my most beautiful, em Up!, E-bow the letter e Electrolite, em New adventures in hi-fi), mas soam como exercícios leves, que não exigem muito esforço – uma banda ganhando tempo. Collapse into now faz parte desse círculo – não tão potente quanto New adventures in hi-fi, não tão irregular quanto Reveal.
3. O mais triste é que, nos versos de Collapse into now, dá para notar um “tema” – melhor: um estado de espírito – que poderia formar um álbum menos desfocado. Os personagens de faixas como Walk it back e Oh my love são tipos que chegam à meia-idade como quem tenta reconhecer uma cidade em ruínas (não à toa, parte do álbum foi gravada em Nova Orleans). As faixas mais alegrinhas aliviam esse disco cinzento que existe aqui dentro. Mesmo quando Stipe avisa que vai ensinar os meninos a agir do jeito certo (em All the best), fica a imagem de uma risada amarga, irônica. Desconforto.
4. Existe aí dentro um álbum sobre efeitos do tempo, reconstrução, reencontros. Mas a ideia está dissolvida; talvez ganhe corpo mais tarde.
Décimo quinto disco do R.E.M. 12 faixas, com produção de Jacknife Lee. Lançamento Warner Music. 6/10
I’ll take care of you | Gil Scott-Heron e Jamie xx
Os remixes de Jamie xx para a música de Gil Scott-Heron são econômicos o suficiente para deixar a impressão de que foram gravados num laptop sem tanto espaço no HD (e é essa concisão, aliás, que faz de We’re new here um dos meus discos favoritos deste ano). Mas, dentro desse álbum doméstico, I’ll take care of you é o momento em que o produtor abre a janela e deixa entrar uma lufada quente de dance music. O clipe, de James Medina e AG Rojas, também é caloroso: o dia a dia de uma lutadora, no ringue e em casa. Pés no chão.
Best of Gloucester County | Danielson
Se você tateia a web à procura de uma ou duas informações sobre Gloucester County — o cantinho aprazível de Nova Jersey onde vive Daniel Smith — provavelmente cairá no site oficial do condado. A página o receberá com o seguinte slogan: “Perto de qualquer coisa. Longe de tudo.”
No lado direito da tela, um link leva o leitor a uma eleição on-line. No 15th Annual Best of Gloucester County, os moradores podem votar nos melhores serviços locais. O dentista mais eficiente, o banco que não deixa ninguém na mão, o médico de confiança, a melhor agência de turismo, o lava-jato número um. Imagino que, na cerimônia de premiação, sirvam ponche com gelatina para a comunidade.
Parece um bom lugar para ancorar a família e envelhecer.
Esse ambiente um tanto quanto plácido – mezzo urbano, mezzo rural, mezzo lugar-nenhum – é o cenário do novo disco do Danielson, a banda de Smith. É um endereço apropriado. Desde 1994, quando lançou o primeiro álbum, o compositor adota um esquema comunitário de gravação – entra em estúdio acompanhado da família e dos amigos (no disco Fetch the compass kids, de 2001, ele assina ‘Danielson Famile’). Desta vez, assume de vez o status de líder da vizinhança.
Smith escreve canções com nervos à mostra, íntimas e por vezes complexadas, que o colocam no mesmo clube de compositores como Jason Lytle (Grandaddy), Mark Linkous (Sparklehorse) e Sufjan Stevens. Mas o coração do sujeito é espaçoso, gregário: sempre cabe mais um; a impressão é de que ele nunca está só.
Já a partir do título, o espírito de Best of Gloucester County é de reunião de músicos do bairro no galpão à esquerda do coreto. Sábado à tarde. Com cerveja e petiscos.
Aparentemente, o arranjo lembra discos anteriores de Smith. Mas um detalhe muda tudo. O cantor se afastou da família para se aproximar dos amigos – e, nesse processo de reconhecimento do mundo lá fora, criou uma banda nova, com os “locais” Patrick Berkery (bateria), Evan Mazunik (piano), Joshua Stamper (baixo), Andrew Wilson (guitarras) e, last but not least, Sufjan Stevens (banjo).
O desejo de simular uma “banda de meninos” acaba tensionando as melodias de Smith, que reaparecem mais compactas, sem muito dos penduricalhos e dos colorido “space rock” de Ships (2006). Aquele era um discaço de pop psicodélico cristão. Best of Gloucester County é um caso mais informal, menos ambicioso: longe das obrigações domésticas, Smith se espreguiça.
Essa atmosfera de leveza, no entanto, não nos poupa de agonia que sempre transparece nos discos do homem. Ships era, em grande parte, um álbum angustiado sobre fé. Aqui, Smith pisa o chão com faixas sobre questões mais mundanas: a o desânimo diante de um cotidiano repetitivo (a excelente Compliemtary Dismemberment Insurance), as lembranças da infância espelhadas no medo de enfrentar responsabilidades de adulto (Grow up), uma certa euforia infantil (Lil Norge, com participação de Jens Lekman) e a espiritualidade que remedia os momentos de crise (Hosanna in the Forest). Um homem comum.
É o disco mais simples – e também o mais franco, o mais pessoal – que Smith gravou. Quando as confissões do cantor encontram uma banda também emocionada, pronta para derrubar as paredes da garagem com marteladas de hard rock e psicodelia folky – nas três primeiras faixas, principalmente -, ele faz por merecer o trono de Gloucester County. Os violões de This Day is a loaf, por exemplo, nos levam ao Beck de Mutations – e é uma dessas comparações monumentais, sim.
Só que não é um disco perfeito: o formato franciscano, em clima de brodagem, acaba por revela mais as fragilidades do compositor (as ideias se esgotam rapidamente, antes da metade do repertório) do que a aura de mistério e de estranha pureza que nos fazia voltar a discos como Ships e Brother is to son (2004).
É que o olhar para as ruas e os vizinhos – para o cotidiano — poderia ter renovado as canções de Smith. Poderia. De certa forma, é um disco que surpreende os devotos – é modesto demais. Best of Gloucester County, no entanto, nos deixa com saudades do tempo em que este líder comunitário desprezava as reuniões de condomínio e passava noites e noites olhando para o céu.
E aí, aí sim: não havia limites.
Oitavo disco de Danielson. 11 faixas, com produção de Daniel Smith. Lançamento Sounds Familyre. 6.5/10