Dia: fevereiro 4, 2011
The people’s key | Bright Eyes
Conor Oberst é o homem dos planos impossíveis. Sabe que não vai superar os próprios ídolos (eles são insuperáveis), mas continua tentando.
Há como não torcer por ele? Compreendo o sujeito. Sempre me comportei um pouco assim. Meus colegas de trabalho admiravam o funcionário mais talentoso. Eu mirava o sujeito que papou o Prêmio Nobel. “O tipo de ambição que não não vai te levar a lugar algum, Tiago”, diziam. Eu ignorava os conselhos.
É claro, sofri muito por conta dessas aspirações inatingíveis. Ainda hoje, não sei lidar com rejeição. Faço que estou bem, mas sempre tento me convencer de que o problema está em quem me rejeitou. Um raciocínio falso. Mas, até aí, permaneço um garoto birrento.
Quero, por exemplo, ser o romancista que escreveu o parágrafo cuja estrutura ainda me parece um mistério. Perguntam: “Tiago, quando é que você vai escrever um livro?”. Faço que não me importo com nada disso. Mas penso, frustrado com as minhas limitações: nem sei com que palavra começar.
É o que percebo em Conor Oberst. Nota-se que o chapa é dedicado, cresceu ouvindo bons discos e tem mestres que flutuam muito acima das canções que ele consegue compor: Bob Dylan, Bruce Springsteen, Neil Young, os grandes. É novo — 30 aninhos, um ano a menos que o Tiagão aqui —, mas nada indica que o tempo fará dele um ídolo tão retumbante quanto aqueles que persegue.
Não é o que acontece, por exemplo, com um Thom Yorke, um Damon Albarn. Homens feitos. Quando querem elogiá-lo, dizem que Conor é o novo Dylan. Tudo o que queremos é que Thom Yorke continue sendo Thom Yorke.
Mas paciência: a personalidade musical de Conor sempre pareceu um tanto frágil, incompleta, como se ela precisasse se escorar em referências, tradições, cacoetes, modelos de “álbuns de rock” para não cair e quebrar.
E aí eu me identifico com ele. Ainda há muito a fazer, e sinto que nada será suficiente. Meu romance – me rendo! – terá parágrafos singelos.
No Bright Eyes (trio formado também por Natel Walcott e Mike Mogis), ele gravou o “disco épico” (Lifted, de 2002), o “disco folk” (I’m wide awake, it’s morning, de 2005), o “disco com blips eletrônicos” (Digital ash in a digital urn, de 2005), o “disco espiritual” (Cassadaga, de 2007). Solo, fez dois álbuns na tradição de singer-songwriters emotivos, coração rasgando, sons “de raiz”, diários de motocicleta.
Um homem que tenta surpreender — mas incapaz de forjar um estilo. Dedicação, meus amigos, não é tudo. Existe um elemento sobrenatural que separa um Conor Oberst de um Elliott Smith.
Tudo isso para dizer que The people’s key, o novo do Bright Eyes, é desde já meu disco favorito da banda. Mais do que Lifted. Mais do que I’m wide awake, it’s morning. Talvez por ser o disco em que Conor aparece com uma postura mais relaxada, como quem finalmente reconhece os próprios limites (ainda que continue tentando, a teimosia dele é uma arma pra nos conquistar).
É disco de fã de rock.
O que essas 10 canções entregam é um retrato quase ordinário, mas muito simpático, de um homem que ouviu as canções de protesto de Dylan, as “road songs” de Springsteen, que talvez tenha admirado o disco mais recente do Arcade Fire, e que, talvez incapaz de fazer algo diferente, adapta essas e outras referências ao próprio temperamento. Combina os conceitos dos álbuns anteriores numa betoneira sonora que funde folk, classic rock, um quê de country e efeitos de sintetizadores.
Há alguns meses, ele afirmou que este seria um último capítulo para o Bright Eyes. Faria sentido. The people’s key resume a trajetória: deixa a conclusão imediata de que Conor sempre esteve mais para um Ryan Adams (observador de certa história do rock) do que para um Beck Hansen (capaz de transformar a colagem em algo pessoal).
Eis o perfil do compositor. O que não tira os méritos do álbum, todo ele arredondado, potente, muito profissional, resultado de esforço, suor que praticamente ensopa os arranjos.
Aqui estão pelo menos três das melhores faixas que Conor escreveu: a trovejante Haile Selassie, a balada Ladder song (que só poderia ter sido escrita por um sujeito de 30 anos de idade, sem inocência) e o encerramento One for you, one for me, que termina com um sermão otimista sobre paz, amizade, piedade. Até certo ponto, um disco também simples. Mas uma simplicidade madura: por que precisamos de outro Bob Dylan quando temos o original?
Conor, ele admite, não tem muito a nos oferecer. Mas compensa essa ausência de uma arte extraordinária recorrendo a um discurso afetuoso, que soa transparente mesmo quando maquiado com as melodias mais superficiais, mais tolas.
Talvez por isso eu me veja um pouco nele. Não somos tudo isso, nunca seremos, não somos os melhores nas áreas em que atuamos, mas ninguém terá o direito de apontar o dedo e acusar: “rapazes, vocês nem tentaram!”
Sétimo álbum do Bright Eyes. 10 faixas, com produção de Mike Mogis. Lançamento Saddle Creek Records. 7/10