Dia: outubro 29, 2010
Mixtape! | O melhor de outubro
A mixtape de outubro foi gravada durante as minhas férias e, por isso, deve soar um pouco mais amena, um pouco mais leve, um pouco menos agoniada, um pouco menos pilha-de-nervos, um pouco menos tique-nervoso do que a de setembro. Ela até parece um pouco ensolarada, vejam só que coisa estranha.
Não é uma coletânea como as outras: a colagem foi feita não no fim, mas bem no meio do mês, antes da minha viagem a São Paulo (onde estou neste momento) e pouco depois da semana que passei no Rio de Janeiro. Portanto, o som remete muito mais a esse respiro carioca, do que à escala paulistana. A cor do som é mais azul do que cinza, portanto.
E só percebo isso agora, quando volto a ouvir o disquinho. As primeiras faixas evocam um souvenir de paraíso tropical – o mar, as moças de biquini, uma certa sensação de que as coisas vão terminar bem. Mas aí ele vai ficando um pouco estranho, um pouco torto, talvez você note climas cinematográficos, e (se você me conhece) talvez encontre nos versos e melodias muitas referências aos fatos que vivi, pessoas que conheci, sensações e incertezas… É, como sempre, uma mixtape muito pessoal.
Se existe uma palavra que define as minhas férias, ela tem quatro letras: fuga. Uma corrida louca, uma necessidade desesperada de ocupar o tempo (com filmes, palavras, discos, qualquer coisa) para que eu não corra o risco de ficar completamente sozinho, em silêncio, diante de mim mesmo. Não é simples.
Ainda assim, apesar de ser tudo ainda sobre mim, dedico esta coletânea aos meus amigos mais próximos, que me ajudam mais do que eles próprios percebem. Principalmente ao Diego Maia, o bróder de São Paulo que, apesar de muito mais novo, é um exemplo pra mim: um dos sujeitos mais inteligentes que eu conheço, e não apenas por preferir músicas alegres às tristes.
Então esta é uma mixtape de músicas alegres. Ou quase. O disco preferido do mês foi The age of adz, do Sufjan Stevens. Mas, como ele acabou entrando na coletânea tortuosa de setembro, quem ilustra este post é o El Guincho, que gravou um dos discos mais vibrantes do ano. E um dos que me acompanharam durante estas férias estranhas.
É uma mixtape com sabor de mate leão: tem, além de El Guincho, Delorean, Thurston Moore (interpretando Burt Bacharach), uma faixa emocionante do Clientele, Avey Tare, Manic Street Preachers, The Walkmen… A lista de músicas está logo ali na caixa de comentários.
Então faça o seguinte: tire a poeira da prancha, compre um bom protetor solar e faça o download da mixtape de outubro aqui ou aqui.
(E, depois, para alegrar o meu dia, não custa nada deixar um comentariozinho esperto sobre a coletânea. Não custa, custa? Não custa).
Drops | Mostra de São Paulo (7)

!!! Mistérios de Lisboa | Raúl Ruiz | 5/5 | Esta adaptação gigantesca do romance de Camilo Castelo Branco (e vasta em todos os aspectos, a começar pela duração: 4h30) permite que nós, os espectadores, nos percamos num mundo de ficção que se desdobra cena a cena. Nesse ponto (e a comparação pode parecer inconsequente), ele me lembra a experiência de assistir a Inland Empire, de David Lynch: Ruiz conduz a narrativa com tanta autoridade, cria um sentido de encantamento tão intenso que, numa certa altura da viagem, não importa mais para onde ele está nos levando. Ainda assim, o filme me parece absolutamente rigoroso: não trai o romantismo de Castelo Branco (pelo contrário: ele o acentua, rejuvenesce, trata as reviravoltas e as coincidências folhetinescas com muito prazer) ou a estrutura labiríntica do livro: as tramas e personagens (dezenas deles) são como os tantos galhos de uma árvore cujo caule nunca ameaça tombar. É o monumento da Mostra: e daquelas sessões que não se esquece.
Um dia na vida | Eduardo Coutinho | 3/5 | No fim da sessão, Coutinho admitiu não saber ainda se este projeto deve ser classificado como uma obra acabada ou como uma pesquisa para um filme futuro. Lembrei de uma entrevista que fiz com ele, na época de Edifício Master: era época de Big Brother Brasil e ele comentou que gostaria muito de fazer um filme com os momentos do pay-per-view em que nada acontecia. Um dia na vida é algo próximo disso, ainda que muita coisa aconteça: uma “pilhagem” de imagens da tevê aberta, gravadas num período de 19 horas e editadas numa duração de 95 minutos. Coutinho diz que a colagem foi feita de uma forma quase automática (o filme não tem dono, é impessoal, ele diz), mas não posso (nem gostaria de) acreditar nisso: o que mais me interessa nesta provocação é o quanto do cineasta se revela na escolha desses trechos de programas. A febre da beleza feminina, a exploração da miséria humana, a grosseria kitsch dos folhetins e o mercado da religião são alguns dos temas que pipocam num zapping de bizarrices cotidianas que, infelizmente, não será exibido em lugar algum (e por uma questão de direitos autorais, nada mais). Coutinho seleciona cenas que, fora de contexto, nos perturbam por mostrar um país truculento e fútil, terrível de se ver. É uma comédia cruel – mas o tipo de argumento (resumindo: a tevê aberta é um lixo e um espelho do espectador) que não avança para além das velhas discussões sobre o tema. Talvez Coutinho tenha realmente um filme a ser criado a partir desta “pesquisa”: então, aí sim, veremos o que ele é.