2 ou 3 parágrafos | Tropa de elite 2

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O primeiro Tropa de elite, que defendo com muito gosto, era um filme desconjuntado sobre uma cidade desconjuntada. Parecia, de início, uma fita de guerra: os personagens principais eram “soldados” que, em vários níveis (do chefe ao pupilo), se deixavam afetar pela sandice de confrontos armados. Enlouqueciam lentamente. Mas (e aí começavam as complicações) a trama era narrada por um capitão truculento, autoritário. E, em vez de iluminar um único ponto de vista, abria um tiroteio de impressões – até contraditórias – sobre a questão da segurança pública no Rio de Janeiro. Quem está certo? Quem está errado? Alguém tem razão? O filme terminava mais ou menos como terminou Ônibus 174: quanto mais se entende sobre a crise urbana carioca, mais tortuoso é arriscar alguma solução para o problema. 

O novo Tropa de elite (3/5) é um thriller tão desencantado quanto o anterior (a guerra continua, e continuará), mas passa um espanador no que havia de dúbio, de desordenado, no original. É, a meu ver, um retrocesso. A começar pelo discurso do narrador, mais palatável. Antes, Nascimento era agente e vítima da barbárie (e um dos tipos mais complexos criados pelo cinema brasileiro, ame-o ou odeie-o). Agora, é o herói kafkiano, acuado pelas engrenagens daquilo que chama de “sistema”. O filme se alinha ao modelo de um thriller político de conspirações: o homem versus a máquina. Quando aperta a gravata e toma posse na Secretaria de Segurança Pública, o justiceiro descobre que o buraco da corrupção brasileira é mais embaixo, e suga governadores, milícias, PMs, apresentadores de tevê, donos de jornais, organizações de direitos humanos etc. Menos Super-Homem, mais Cavaleiro das Trevas.

Essa “realidade” é filmada com uma câmera funcional e sem os ruídos, sem a cacofonia de pontos de vista que tornavam o primeiro filme tão valente. São poucos os momentos, por exemplo, em que as imagens de Padilha contradizem a pregação de Nascimento (o deputado que defende os direitos humanos é a nota dissonante, um contraponto ao discurso casca-grossa do narrador). Não dá para negar: a dicção do diretor permanece clara, firme, e nos fisga pela atualidade dos temas, pela forma como nos obriga a participar do filme, a nos enxergar nele. Estamos dentro da narrativa (e ela, a narrativa, está viva). Ao se aproximar do fim, no entanto, o filme dá o passo fácil: ele se alinha às conclusões do herói, que agora fala por todos nós. Quando Nascimento (um Wagner Moura novamente genial) avisa ao espectador que o “sistema” ainda matará muitos inocentes, a câmera sobrevoa o Congresso Nacional. Para quem cobrava de Padilha um ponto de vista, aí está ele: das favelas ao senado, sujeira pra todo lado.

20 comentários em “2 ou 3 parágrafos | Tropa de elite 2

    Danilo M. disse:
    outubro 14, 2010 às 2:32 am

    É que você não mora no Rio, esse filme é pura didática sobre a questão das milícias, tudo que tem no filme aconteceu de verdade…

    Tiago Superoito respondido:
    outubro 14, 2010 às 2:50 am

    Não estou dizendo que o filme não trate de temas “verdadeiros”, pelo contrário. O que acho discutível é a forma como o filme mostra essas “verdades”. Ele acaba usando estereótipos demais (por exemplo: todos os PMs são corruptos, em oposição à honestidade acima de qualquer suspeita do BOPE; os políticos são todos corrompidos, e por aí vai).

    E veja bem: você pode escrever, por exemplo, centenas de artigos sobre a situação do Rio. Todos “verdadeiros”. Alguns mais interessantes (ou menos óbvios) do que outros.

    Pedro Primo disse:
    outubro 14, 2010 às 3:07 am

    Discordo muito quando você diz que o primeiro filme abre muitas lentes (até acho que abre um pouco, quando mostra o lado das ONG’s e da classe alta), porque acredito que o próprio filme trata de defender a visão do Nascimento, porém acho que o Padilha sempre focou forte na lente dele, na história de que “bandido bom é bandido morto”. Não é atoa que o filme é uma caça as bruxas na favela e fica um clima de “não tem outra solução”.

    Esse segundo é um filme bem mais objetivo do que o primeiro e por isso gosto mais. Acho mais franco. Concordo que há um problema de esteriótipos, mas pra mim já rolava isso no primeiro. Tá longe de ser uma obra-prima, mas me fez sair a 10 minutos atrás da sala com um sorriso de satisfação na cara. Do outro, sai com uma cara de: “tá tô sabendo dessa história, e agora?”.

    Tiago Superoito respondido:
    outubro 14, 2010 às 3:15 am

    Pois é, Pedro, mas acho que o primeiro Tropa foi um pouco incompreendido porque ele cria um esquema narrativo meio esquizofrênico, desconjuntado: o Nascimento narra uma coisa, mas o filme mostra outras que o contradizem.

    Exemplo: desde o começo, o que ouvimos do narrador frases de efeito do estilo “bandido bom é bandido morto”. Ele é truculento, vingativo, tudo isso. Mas as imagens nos mostram que as atividades do BOPE levam Nascimento a um processo de adoecimento, de perda de sanidade. Ele tortura, ele mata, ele usa os mesmos métodos dos bandidos. E o filme não alivia essas cenas de violência. Elas são sujas, elas machucam, não é bacana ser escroto.

    O filme deixa esse “arco dramático” claríssimo no caso do Mathias, que começa o filme como um soldado esforçado, correto, dedicado, e termina como um matador, apontando a arma em direção ao espectador. O Tropa é um filme de vários pontos de vista, um filme que não quer chegar a uma conclusão prática (talvez queira chegar à conclusão de que não há conclusão fácil a ser tirada sobre o problema da segurança pública no Rio). Resumindo: não acredito que o filme ‘compre’ o discurso do Nascimento. Uma parte do público comprou. Uma parte da crítica também. Mas o filme me parece menos ingênuo do que isso.

    Agora, o Tropa 2 acaba comprando o discurso pq o amacia, o torna mais genérico, mais palatável. É uma luta contra o ‘sistema’. E diz aí: quem no mundo não reclama do ‘sistema’? Dos fãs de Rage Against the Machine aos eleitores de Marina Silva, acho que dá pra colocar uma multidão aí. O Tropa 2 prega pra convertidos – ainda que o miolo do filme tenha momentos bem provocativos sobre temas muito atuais.

    Pedro Primo disse:
    outubro 14, 2010 às 3:27 am

    O argumento é bom sobre o primeiro filme. Mas acho que a transformação dos personagens tem a ver com a necessidade do trabalho e não com a forma que o Padilha vê a solução para o problema. O próprio Nascimento começa a sofrer com a ideia porque o filho vai nascer e não porque as torturas e a matança o fazem mal, o problema dele é morrer naquele campo de batalha com uma criança para criar. Sobre o Matias, volto a dizer Padilha quer se fazer dessa como a única solução, uma vez que o próprio personagem tentava ir pelo caminho Direito e desisti partindo a resolver as coisas com as próprias mãos do jeito mais brutal. Pra mim o Padilha tenta dizer: “é um trabalho duro, é sim, mas alguém tem que fazê-lo”.

    Concordo que a premissa do segundo é mais genérica, mas ainda sim acho o impacto do filme maior, de âmbito nacional. O Padilha veste num homem comum a imagem de um herói nacional, exatamente como fizeram mais vulgarmente com o Jack Bauer nessa última temporada de 24. EUA x Bauer. Brasil x Nascimento (ou pessoas que veem a pouca vergonha que é o “sistema”). Entendo seu lado, mas não vejo aonde o primeiro bate esse segundo, sendo que nesse não tem penumbra, é tudo mostrado no claro. Dessa vez não dá pra botar na conta do Papa (haha).

    Diego disse:
    outubro 14, 2010 às 4:32 am

    SPOILERS

    Eu adoro o filme e não vejo problema no fato dele deixar suas garras mais à mostra. É um contraponto bem interessante aos argumentos de merda que usaram contra o primeiro, um filme tão mal compreendido.

    E não é exatamente mea culpa do Padilha; acho o cara mais esperto do que isso. Ele aproveita as bobagens que foram faladas sobre o 1 e as retorce aqui. E provoca gente grande colocando umas caricaturas de políticos bem reconhecidas nas telas.

    No mais, acho o arco dos personagens interessantíssimos e complexos. E lembre-se que o filme termina com o filho do Nascimento no hospital, não com o Congresso. Faz toda a diferença.

    Tiago Superoito respondido:
    outubro 14, 2010 às 11:16 am

    Sim, Pedro, concordo que o Nascimento agora é um desses heróis à Jack Bauer (e ao Batman de Christopher Nolan). Não sei se isso é exatamente um avanço… Mas ok: não desgosto do filme e entendo o caminho que ele tomou, mas volto a dizer que considero o primeiro mais provocativo, mais “sofisticado”. Pelo que vejo, estou sozinho nessa.

    Mas Diego, nem vejo como mea culpa do Padilha. No início de Tropa 2, o narrador continua tão “intolerante” quanto no primeiro filme (aliás, o longa abre com um discurso contra quem defende os direitos humanos) – o que me incomoda é a conclusão do filme, quando o Nascimento acaba virando uma espécie de porta-voz dos justos. Não saímos do cinema incomodados com ele, como no primeiro filme, mas concordando.

    Aliás, eu estava pensando em como a estrutura deste filme é parecida com a de uma típica adaptação de HQ, no estilo ‘Batman’. O filme abre com o Nascimento contra um arquiinimigo (o defensor dos direitos humanos), e depois descobrimos que o oponente se juntou à mulher do herói e que o herói vai se cercando de inimigos que começam a tramar contra ele – até o momento em que ele percebe que está sozinho e tem que ir à luta “contra o sistema” assim mesmo, na cara e na coragem… Nesse ponto, acho que o filme toma posições que não tomava no longa original.

    jv disse:
    outubro 14, 2010 às 12:25 pm

    Tropa de Elite 1 x Tropa de Elite 2… fico com Cidade de Deus, ok.

    esse papo de “sistema”… putz…

    Tiago Superoito respondido:
    outubro 14, 2010 às 12:32 pm

    É, falar em “sistema”, quem diria, voltou à moda. E logo junto com o revival de Rage Against the Machine.

    jv disse:
    outubro 14, 2010 às 1:05 pm

    sinceramente, quando vi o trailler de Tropa 2 achei que seria uma bomba, me pareceu que a história era tosca. agora que todo mundo tá falando tô na duvida entre pagar pra ver ou bancar o alternativo e passar batido…

    Pedro Primo disse:
    outubro 14, 2010 às 2:18 pm

    O paralelo com o Batman do Nolan faz sentido, mas no Tropa de Elite 2 não precisou de ninguém para explicar a necessidade de um heroi, ele só estava lá, isso já vale muito.

    E pô se for pra escolher também prefiro Cidade de Deus, mas ai já é outra história, hahaha…

    Felipe Queiroz disse:
    outubro 14, 2010 às 9:20 pm

    Eu gostei.
    Filme político bem ao estilo “Z”, de Costa-Gavras.
    O sistema é foda!

    Tiago Superoito respondido:
    outubro 14, 2010 às 9:23 pm

    ‘Z’ é o filme político que ‘Tropa 2’ quer ser. Não acho que chegue perto (mas estou longe de ser um dos maiores fãs de ‘Z’).

    JV, o filme não é uma bomba, mas aconselho que você espere duas semanas antes de ir ao cinema. A menos que você queira enfrentar filas e sessões esgotadas.

    Samuel Vaz disse:
    outubro 15, 2010 às 3:16 pm

    Não assisti ao filme ainda, mas já li e ouvi muitos comentários a respeito das atitudes de Nascimento, tanto como Capitão e agora como Coronel. Discordo da tentativa de muitos em tentar justificar ou não as ações do personagem, como se isso fosse essencial para valorar o filme.

    É apenas um personagem que, dentro de sua complexidade, pode incorporar ou não as visões de mundo que cada um tem; mas, no fim, é apenas um personagem, e ele não precisa estar certo ou errado para ser mais ou menos interessante. Assim como eu não julgo as ações de Dexter ou Jack Bauer por esse fator, não julgo também Nascimento…

    Lucio in the sky disse:
    outubro 15, 2010 às 4:48 pm

    Não sei se o 2 é melhor do que o primeiro. Mas acho esse mais político. http://luciointhesky.wordpress.com/2010/10/15/tropa-de-elite-2-e-um-filme-politico/

    Tiago Superoito respondido:
    outubro 15, 2010 às 8:45 pm

    É mais político sim, ainda que dependa dos mesmos estereótipos.

    Samuel, acho que o Nascimento do primeiro filme era uma mistura de Dexter com Jack Bauer. O do novo tá mais pra Jack Bauer mesmo.

    Felipe Queiroz disse:
    outubro 15, 2010 às 9:31 pm

    Claro, claro… não chega aos pés de “Z”. Meu comentário foi justamente para dizer que o Tropa 2 busca essa coisa da conspiração desenfreada por todos os lados da política.

    Tiago Superoito respondido:
    outubro 15, 2010 às 9:32 pm

    É verdade, é o mesmo gênero.

    Karolina disse:
    outubro 19, 2010 às 2:10 am

    Eu gostei do filme.

    Concordo que Tropa de Elite 2 é um pouco mais genérico, mas que trata de questões tão sensíveis quanto Tropa de Elite 1. Acho que o nível de discussão dos filmes é o mesmo e eu não consigo ver tão claramente essa mudança do Capitão Nascimento. Primeiro, porque o que em tese leva a mudança não é a consciência dos problemas pelos problemas em si, mas sim pelo filho no hospital. A mensagem do filme é a mesma, “bandido bom é bandido morto” só que no segundo filme eles incluem os políticos nessa categoria de “bandido”. Por fim, a conclusão “a culpa é do sistema” é um pouco simplória e poderia, pelo menos, ter mencionado que a culpa é também das pessoas que elegem o sistema.

    Acho que é isso… :)

    Andrei disse:
    novembro 8, 2010 às 2:31 am

    Cara você é demais!!!!!!!!!!!!!!!!!!! O sujeira pra todo lado finaliza perfeitamente…

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