Dia: setembro 5, 2010
Penny Sparkle | Blonde Redhead
Pode soar como sabedoria de autoajuda, mas é real: há os discos que você escolhe amar e há aqueles que, por uma combinação de fatores incontroláveis, entram na sua vida sem que você permita.
Penny Sparkle, o novo do Blonde Redhead, é um desses que chutam a porta, que chegam sem horário marcado. Que vão se instalando.
Ouvi este disco na hora errada. Ou na hora certa. Ainda não sei. Mas suspeito que, no futuro, ele será lembrado (por mim, obviamente) como a trilha sonora dos quatro dias terríveis que abriram o meu mês de setembro, em 2010.
Aliás: que ano!
Talvez, em alguns meses, eu nem consiga ouvir esse disco novamente, já que ele soltará uma torrente de memórias doloridas. E será uma pena — é um bom disco.
Não um grande disco. Mas que (e o acaso é o responsável por isso) eu já colocaria, de pronto, na lista dos 500 que marcaram a minha vida. Na verdade, ainda está marcando.
Há bandas de rock que definem as próprias expressões faciais (os traços, as rugas, tudo isso) logo no primeiro disco. E há outras que não se definem nunca, que preservam identidades borradas, derivativas. É o caso do Blonde Redhead. Ouço a banda e penso em Fever Ray (lite), em Beach House, em My Bloody Valentine, até em Mazzy Star e The Delgados. Penso em toda essa gente; só não penso em Blonde Redhead. Quem é Blonde Redhead?
E eles estão no oitavo disco!
Não consigo nem ao menos entender as diferenças entre Penny Sparkle e o anterior, 23 (de 2007). Talvez elas não existam. São dois discos às vezes sedutores, muito cuidadosos, mas vaporosos.
Voltemos, no entanto, à minha experiência. Ela deu um sentido muito mais forte (um sentido até mais profundo) a este disco meio raso.
Nos quatro primeiros dias de setembro, foi tudo o que ouvi. Minto. Tentei provar o álbum do Interpol (desisti após duas audições, mas voltaremos a ele) e o do No Age (que me parece excessivamente longo, mas voltaremos a ele), mas acabei retornando inúmeras vezes ao Blonde Redhead. O danado se impôs.
E tudo por conta de uma música chamada My plants are dead, que aparentemente foi enviada de Marte para me maltratar. E ela não tem nada de sobrenatural: é Kazu Makino flutuando sobre uma neblina de sintetizadores, murmurando algumas frases depressivas sobre plantas mortas e sobre o fim do amor. Coisa triste. Hardcore. E, para mim, a canção mais comovente de 2010.
É claro que, se eu tivesse ouvido essa música antes ou depois daqueles quatro dias de setembro, ela não teria me devastado dessa forma. Mas é o tipo de canção que agrava qualquer fim de namoro: é como se Kazu dançasse nas ruas de uma cidade recém-destruída por uma bomba atômica.
Era isso o que eu sentia (e ainda sinto, espero que com um pouco menos de intensidade). O horror. Destruição. O vazio. Um campo desolado. E chuva fria, ácida (de sintetizadores metálicos).
Por mais que eu tenha vivido essa situação outras vezes, por mais que eu tenha alguma experiência no ramo das separações e das crises amorosas, fui tomado pela sensação física de que algo estava morrendo. Deve ser uma impressão universal.
Tantos posts foram escritos sobre separações (eu mesmo assinei alguns muito constrangedores) que prefiro não me esticar no assunto. Ainda não consegui refletir sobre o caso. Como eu disse, estou um tanto paralisado. Separações são sempre cruéis. A minha aconteceu porque não havia outra saída.
O complicado, para mim (novamente), é olhar para a minha vida e me perguntar: o que eu faço com isso? Por onde começo? Dá para consertar? Posso tentar de novo?
Tudo ainda sem resposta.
Os discos (novamente) me ajudam nesse processo. Esses primeiros dias foram de catarse, de desabafo, de tentar encontrar algum sentido em coisas que não necessariamente têm lógica ou guardam algum senso de justiça. Meus amigos me ajudaram. Estão me ajudando. Mas daí a importância de Penny Sparkle, que cumpriu o papel de um colchão duro onde me deitei e onde me senti um pouco desconfortável.
O disco foi gravado entre Nova York (a cidade onde o trio mora) e Estocolmo (o lar dos produtores Van Rivers and The Subliminal Kid, que trabalhou com Fever Ray). No site da banda, o guitarrista Kazu Mazino diz que o disco foi gravado num ambiente “onírico e muito chuvoso”. Soa assim. Não muito especial, mas soa assim. As quatro primeiras faixas, creio eu, renderiam o EP chuvoso mais bonito do ano.
Há quem acredite que álbuns melancólicos não sirvam para nada. Eles amplificam nossos dramas. Eles nos puxam para baixo. Eles nos infernizam. Eles se humilham. Para mim, discos como Penny Sparkle contêm um desejo enorme de libertação: encaram o monstro para se livrar dele.
É o que tento fazer neste exato momento. Ainda que, admito, não seja fácil.
Oitavo disco do Blonde Redhead. 10 faixas, com produção da própria banda e de Van Rivers and The Subliminal Kid. Lançamento 4AD Records. 7/10