Dia: agosto 24, 2010
Personal life | The Thermals
Depois de uma fábula apocalíptica (The body, the blood, the machine, de 2006) e de um disco narrado por defuntos (Now we can see, 2009), o Thermals finalmente desce à “vida real”.
Não estamos falando, é claro, de um disco sobre a VIDA REAL, já que seria um tema abrangente demais para uma banda que costuma ser extremamente específica nas questões de que trata. O fim do mundo, por exemplo. A morte, outro exemplo. E, agora, as relações amorosas.
O nome do disco é Personal life. Mais explícito do que isso, impossível.
Você lembra de quando era criança e a professora pedia para que os alunos escrevessem redações de “tema livre”? E lembra daquele amiguinho seu que, pronto para se esbaldar com tanta liberdade, preparou um texto incrível sobre uma guerra interplanetária entre besouros, marcianos e operários da construção civil? Pois bem: se o Thermals fosse um desses jovens estudantes, ele escreveria sobre besouros ou marcianos ou operários da construção civil ou planetas ou sobre guerra. Nunca sobre todos esses temas ao mesmo tempo.
O curioso, no caso da banda, é notar como ela se movimenta dentro de limites muito bem acimentados. Daí a diferença entre Personal life e aqueles dois discos que o trio gravou recentemente: é um álbum um pouco mais aberto a desvios imprevisíveis. Um pouco.
O que não chega a ser uma grande revelação — ou um avanço —, já que ninguém espera que o Thermals se transforme num Of Montreal. É uma banda concisa, econômica, que fabrica discos orgulhosos da própria pequenez. A sonoridade de Personal life cabe num dedal: punk melodioso com pouquíssimos acessórios, estética de demotape e sem os esteroides que se espera do gênero. É, aparentemente, até manso. E sempre foi assim.
Mas, como acontece com o Hold Steady e com o Gaslight Anthem (para ficarmos em dois casos), é como se a simplicidade melódica combinasse com o universo dos personagens. Ela serve à narrativa (e não o contrário). E, no caso do Thermals, é a narrativa que nos conquista. É, acima de tudo, a franqueza (e o humor meio geek, de fãs de gibis) como a banda chama o público para bater um papo.
O indie rock tem sim uma vocação para a aventura, para olhar além da mesmice programada por executivos de gravadoras (o paraíso não é o disco novo do Klaxons, digamos). Mas também é um ambiente adequado para a espontaneidade, para o discurso “ao pé do ouvido”, para a confissão sem filtros ou efeitos digitais. O selo do Thermals, Kill Rock Stars, já lançou álbuns do Elliott Smith e do Sleater-Kinney. São três artistas que, ame-os ou não, soam reais.
Dito isso, vamos ao dark side of the record: Personal life mostra a face mais frágil do Thermals. Pronto. Falei. Ele não tem a fúria de The body, the blood, the machine nem canções tão tocantes (e enlouquecidas) quanto as de Now we can see. É, em síntese, um bloco de anotações (escrito a lápis) sobre o início, o meio e o fim de um caso. Abre com uma música chamada I’m gonna change your life e termina com You changed my life.
Simples. Mesmo quando sabemos que essa história toda, essa epopeia toda, não é tão simples quanto esse disco dá a entender.
O amor é um tema que massacra o pragmatismo do Thermals. Dá até para afirmar que este disco é o registro de uma derrota: a banda tentou enfrentar o conceito e perdeu. Mas tentou. Há momentos em que o disco belisca perigosamente o emocore (Only for you é quase-quase um épico romântico) e há outros quase singelos, em dívida com Kurt Cobain (Alone, a fool). Gosto muito de Not like any other feeling, em que eles tentam explicar o sentimento e não conseguem.
Paciência.
Truffaut dizia que o amor é o maior dos temas. Concordo com ele, e acredito que o maior dos temas cabe num disco de indie rock. Cabe. Mas não neste. Em faixas como Power lies, o Thermals ainda tenta criar conexões entre a política e a dinâmica de uma relação amorosa. Poder e mentiras. E promessas falsas. E tudo o mais. Nas últimas canções, falam diretamente aos fãs. Your love is so strong, etc. O discurso se alarga, mas sabe o que acontece? A narrativa, mesmo tão sentimental, parece raspar a superfície do drama.
Eu torceria por uma continuação (e para que, neste período, eles ouvissem um pouco mais de Blood on the tracks). Mas o Thermals é uma banda de rock que teme a redundância. Não musical, entenda (alguns riffs deste disco lembram os de discos anteriores, o pulso nem sempre pulsa), mas temática. Na próxima redação do colégio, este aluno aplicado do indie americano vai escrever sobre golfinhos ou aquecimento global ou paternidade ou adoção. E ainda vai soar adorável como sempre soou.
Algumas coisas não mudam.
Quinto disco do The Thermals. 10 faixas, com produção de Chris Walla. Lançamento Kill Rock Stars. 6.5/10