Dia: junho 5, 2010
Superoito express (24)
Body talk, pt. 1 | Robyn | 7.5
A primeira faixa deste minidisco (são oito, no total) se chama Don’t fucking tell me what to do. O aviso (que, após dezenas de versos autodepreciativos, soa como uma espécie de carta de alforria remixada para pistas de electro) me deixou pronto para um álbum tão imprevisível e acrobático quanto a estreia de Janelle Monáe. Não é o caso. Mas tente virar essa expectativa pelo avesso: a ambição de Robyn é o pop em estrobo, que gruda na língua e dá barato. É isso que ela quer fazer, ok? Então aprenda: nem tente sugerir que ela faça um disco da Janelle Monáe ou da Erykah Badu. Não vai rolar.
Body talk, pt. 1, o primeiro EP de uma trilogia (se tudo correr conforme os conformes, os outros discos serão lançados ainda em 2010), explicita esse desejo por um pop hiperdimensionado, excessivo, que aperta todos os botões ao mesmo tempo. São hits sortidos manipulados por uma intérprete que, além de hiperativa (soa como Ace of Base e The Knife), tem mais fé nos singles do que nos álbuns e gosta de tomar a dance music pelas vísceras (e quando ela diz que vive numa cidade entediante ou que a bebedeira está acabando com ela ou que nenhuma droga faz mais efeito, eu acredito). Só um porém: da próxima vez, Robyn, vá direto ao ponto e guarde baladonas sofriiidas como Hang with me para trilhas da saga Crepúsculo.
How to Destroy Angels EP | How to Destroy Angels | 6.5
A notícia triste é que o novo projeto de Trent Reznor (um trio formado ainda pela esposa Mariqueen Maandig e por Atticus Ross) não livrou o compositor da espiral infernal chamada Nine Inch Nails. A sonoridade deste EP é atormentada pelos fantasmas – e pela cascata de efeitos cavernosos de sintetizadores e guitarras – que perseguem o sujeito desde The downward spiral (1994!). Nada de novo. Mas a notícia alegre é que, em formato compacto, Reznor encontra algo que simplesmente inexiste na discografia do NIN: concisão. Então, digam o que quiserem (e sim, a faixa de encerramento, A drowning, é um remake de Hurt), mas este é um disco de Reznor que conseguimos ouvir do começo ao fim sem que se aproxime de uma sessão de tortura. E a faixa chamada BBB nada tem a ver com o show da Endemol. É “big black shoes”. Reznor’s world.
LP4 | Ratatat | 6
Quando escrevi sobre o disco novo do Menomena, falei em bandas que tentam, a todo custo, nos convencer de que têm um estilo (quando, no máximo, têm boas referências). O Ratatat é um desses casos. No disco anterior, LP3, o duo de Nova York combinou house music (irônica, à Daft Punk) com guitarras setentistas, retrô, em faixas instrumentais. Nada que eles tenham inventado – o próprio Daft Punk mereceu o apelido de “electronic rock” bem antes deles, e não foram os únicos. Neste novo álbum, o Ratatat repete o robot rock em 12 faixas que, mesmo muito simpáticas, ficam no 1 a 1: soam viciantes em alguns casos (como Drugs, perdoem o trocadilho), mas não libertam o duo de comparações com bandas mais interessantes. O Daft Punk, é claro, vem em primeiro lugar nessa lista.
Hippies | Harlem | 6
O Harlem é um trio de garage rock do Arizona que assinou com a Matador Records. Se eles tivessem sido fisgados pela Sub Pop, tenho quase certeza de que seriam orientados a gravar um disco mais enxuto e alto (na linha do Male Bonding). Com 16 faixas, Hippies me parece inflado, três disquinhos ruidosos socados dentro de um CD. Taí uma diferença entre os dois pequenos grandes selos indie da América: os heróis da Sub Pop são Nirvana e The Shins, já os da Matador são Pavement e Guided by Voices. Mas reside aí o charme do disco (para quem cresceu nos anos 90, pelo menos): deixa a impressão de que a banda atirou no empresário e tomou o controle da gravação. Hippies!
Mais: Zumbis dos anos 90. O retorno do Stone Temple Pilots (5/10) é um disco de hard rock cheirosinho, de barba feita, mas que nos ensina uma lição sobre o tempo: ele não volta, meu irmão. Em outras palavras: quando aquela menina que você namorou em 1993 aparecer novamente, ainda inteiraça, não tente surpreendê-la vestindo a velha blusa de flanela. O caso de Nobody’s daughter (3/10), do Hole, não é nem um pouco divertido: a trilha sonora para o apocalipse será gravada com um turbilhão de efeitos de Pro Tools. Triste. Aquela menina que você namorou em 1993 está de volta. Está um caco. E, que terrível, ela vesta uma blusa de flanela.
2 ou 3 parágrafos | O escritor fantasma
Devo, preciso rever O escritor fantasma (3.5/5) o quanto antes, e por isso evitei escrever algo sobre ele (até agora). Mas que seja: blogs são como cadernos de anotações, e, se eles não servem para divagações inconclusas, para que servem? Me sinto obrigado a rever o filme simplesmente para prestar um pouco mais de atenção à trama noir, que me desinteressou quase que por completo. Era como se a historinha (um Fusca) transitasse numa rodovia enquanto o restante do filme (uma Ferrari), deslizasse numa estrada paralela.
E neste mundão que chamo de ‘restante do filme’ incluo o personagem principal (um ghostwriter catatônico, vítima de sabe-se-lá-quem, ótima interpretação de Ewan McGregor), a fotografia acinzentada de Pawel Edelman, mais fria que a morte, e, é claro, a sombra de Roman Polanski, que fez um thriller com um quê kafkiano, fantasmagórico. Que pode sim ser lido como o pesadelo de um homem condenado e preso.
Nas atuais circunstâncias, é uma leitura muitíssimo óbvia (Polanski, sabemos, está confinado na casa onde vive, na Suíça, condenado por um crime que já foi perdoado até pela própria vítima). É empobrecedor vincular a interpretação de um filme à biografia de seu autor, mas não consegui evitar. Passei a sessão inteira imaginando o filme como um delírio do cineasta, lucid dream (daí que desprezei a trama, com todas aquelas paranoias políticas bobíssimas que cairiam bem numa fita entediante de Paul Greengrass). A casa em cinza-gelo, a ilha americana coberta por névoa, a sensação de que o tempo está suspenso, a impressão de claustrofobia e isolamento. Tudo isso já apareceu em vários filmes do diretor (A morte e a donzela me pareceu uma referência muito próxima), mas o sentido se renova e, por um momento, é como se ele nunca tivesse feito este filme e como se este fosse o único filme que ele poderia ter feito neste exato momento. Saldo da experiênca: saí do cinema querendo rever a filmografia de Polanski, mas sem vontade alguma de ler livros de Robert Harris.
Crash years | The New Pornographers
O novo clipe do intrépido New Pornographers mostra o seguinte: um olhar panorâmico da cidade pode fazer com que nossas vidinhas pareçam muito mais poéticas do que elas na verdade são. Garanto que aqueles guarda-chuvas hipnóticos existem. Mas é claro: nas nossas vidinhas, não costumamos encontrar sujeitos azuis caminhando com cachorros azuis. A direção é de Sammy Rawal.