Dia: maio 25, 2010

Treats | Sleigh Bells

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Como eu tentei explicar naquele post sobre o álbum mais recente do Rufus Wainwright, as capas de discos ainda querem, sim!, nos dizer algumas coisas. Há casos em que elas até nos ajudam a adentrar a floresta e encontrar o caminho para casa. São úteis, acredite. Eu compro CDs muito raramente, mas há capas que eu levaria para meu quarto numa boa.

Essa do Sleigh Bells, por exemplo. Na fotografia, um grupo de cheerleaders estranhamente out of time (a que época elas pertencem? Anos 70? 80?), com imensos pompons em verde e branco, formam uma pirâmide humana. Elas estão prontas para a fes-ta e parecem adoráveis. Mas olhe com atenção: os rostos das meninas são cobertos por camadas finíssimas de plástico, como se elas tivessem sido capturadas, engolidas e depois congeladas por vespas gigantes.

Brrr.

É uma imagem, num primeiro momento, familiar e pueril. E, num segundo, bizarra, sinistra. É a exata representação do estilo dupla-face (doce/amargo, ríspido/fofo, pop/hardcore) deste duo de Brooklyn, Nova York.

Continue com a fotografia por mais alguns minutos: o que se vê primeiro é inocente, depois perverso. O som da banda também é assim, enganador: parece descartável, mas não é. Parece infantilóide, mas não é. Parece uma besteira programada para durar cinco minutos e explodir em confete e serpentina, mas e daí? Parece hype de jornalista novidadeiro, mas qual é o problema com jornalistas novidadeiros quando eles têm razão?

Eu entendo hype da seguinte forma: várias pessoas se entusiasmam ao mesmo tempo por um mesmo disco e tentam desesperadamente convencer outras pessoas de que ouviram algo importante. A gravadora, que não é boba, compra o burburinho e tenta multiplicar a divulgação informal, para ganhar mais dinheiro e prestígio. A banda entra nos trending topics do Twitter, começa a aparecer em sites e blogs bacanas, devora o mundo e, em alguns casos, desaparece dois meses depois. A onda do hype me ajuda a descobrir discos bons e ruins. Não tenho medo dela, já que posso decidir por conta própria se o disco me interessa ou não. Um disco superpaparicado não é necessariamente um disco ruim.

E perdoe o didatismo, mas vivo me aborrecendo com pessoas que tentam simplificar a música pop a uma equação de termos, rótulos e palavrinhas mágicas que não significam coisa alguma.

Treats é, em síntese, um disco que se beneficiou de uma maré de elogios via web e, por isso, será tratado como uma novidade efêmera, típica de blogueiros ansiosos. É também um álbum com a grife de M.I.A., que o lançou pelo selo N.E.E.T. Recordings. Um brinquedinho para fashionistas de plantão, portanto. Certo?

Certo, se você julga um disco por esse tipo de aparência. “Vou ouvir com desconfiança, tem tanta gente curtindo…” Diante desse tipo de lógica, eu até prefiro julgá-los pelas capas.

E a capa de Treats me diz o seguinte: esta não é uma banda ingênua. A sonoridade, felizmente, confirma tudo isso e avança algumas casas. É um álbum pequeno, ruidoso e bombástico, que pisca em flashes coloridos, um artefato colorido que afirma violentamente um estilo. Claro: trata-se de um primeiro disco, talvez afoito demais para nos impressionar com piscadelas de olho. Mas muito atento, muito certo dos alvos que ele quer detonar.

Eu não me impressionaria se Treats tivesse sido produzido por Dan Deacon: quando os momentos mais agressivos chegam (e eles chegam rapidinho!), o impacto da distorção é ensurdecedor. Pop de terrorista. Mas há também um traço firme do “global pop” de M.I.A., principalmente por usar o hip-hop como matriz para a zoação sonora. E M.I.A., é óbvio, não os apadrinhou à toa: eles são pupilos, e delas Derek E. Miller e Alexis Krauss herdam uma atitude, uma forma descompromissada, impura e sacana de manipular a música pop.

Eu nem precisaria reforçar, mas taí: para quem adora esse tipo de jogo tolo (e sério), é uma delícia de disco.   

Derek e Alexis reciclam debochadamente o que passa como poluição sonora: as músicas soam versões estouradas para aqueles grudes apelativos que os americanos gostam de ouvir nos intervalos de jogos de basquete. Nada de minimal: é maximal. As guitarras de hard rock farofa (Andrew W.K., cadê você?) tensionam as melodias até quase estourá-las, enquanto Alexis canta delicadamente, como quem não percebe o furacão chegando. A dupla repete esse formato em todas as faixas do disco, variando os gêneros e os chavões que reciclam. No final, o que temos é um álbum meta, um disco entulhado de pop. Um disco que se espreme dentro da panela de pressão.

É energia concentrada. Na última faixa, as guitarras e os sintetizadores primeiro nos atropelam, depois recolhem lentamente o corpo. Montanha-russa, moedor de carne, arrastão, hype: chame do que quiser. Pode ser uma moda passageira (e é sério mesmo que eles entraram entre os 50 mais da Billboard?), mas que pode ser encarado como um comentário em megafone sobre o aqui-agora, sobre o tempo presente, sobre a tonelada disforme de dejeitos pop que lotam nossos HDs.

Um disquinho grandalhão. Mas ouça atentamente. Repare a capa. E depois não diga que não avisei.

Primeiro disco do Sleigh Bells. 11 faixas, com produção de Derek Miller. Lançamento de Mom +Pop e N.E.E.T. Recordings. 8/10 

PS: A mixtape de maio vai chegar um pouco mais cedo, amanhã (quarta-feira) à noite. Às 23h, ok? Todo mundo aqui? Por caridade? Adianto que ela é bem melhor do que a season finale de Lost. Coisa épica. Aguarde.

2 ou 31 parágrafos | Lost, the end

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(Atenção: o texto a seguir pode conter spoilers e informações irrelevantes sobre o episódio final de Lost e sobre as manias de Tiago Superoito)

Sempre vou lembrar de três professoras de português.

Uma delas dizia: “Tiago, não comece uma história sem saber como terminar”. Eu, sete anos de idade, já era craque em parágrafos desregrados. Fluxos e mais fluxos de consciência. E ela me alertando, em agonia: menino, se ampare em vírgulas!, pontos finais são salva-vidas muito úteis! Muito teimoso (antes e hoje, sempre), nunca aprendi nenhuma dessas lições. Escrevo sem cuidado ou itinerário.

Lost highway.

A outra professora, que era a própria Afrodite, tentou me ensinar tantas fórmulas, truques, tantas manhas de redação! Tantas dicas que me salvariam de tantas gafes! Não ficou quase nada. Só uns flashes: o rosto rosado, a franja sobre os aros redondos dos óculos, a voz agudíssima (um terror) e o conselho: “na literatura, Tiago, tudo é possível”. E meu coração inflava: ah. Ela estava certa ou estava errada? Nunca nem refleti sobre o assunto. O que fiz foi acreditar, e acredito: no papel, tudo é possível.

A terceira e mais intrigante, cansada dos meus delírios imaturos, me orientou: “Termine o texto da forma como quiser, Tiago, mas com beleza“. Eu não entendi. A ideia sempre me pareceu um mistério e, no mais, eu terminaria os meus textos como eu bem entendesse. Tudo é possível, tudo é possível. Eu era (sou) um cabeça de pedra. Mas depois, anos e mais anos depois, entendi o que ela queria dizer: eu deveria terminar meus textos com graça e elegância, como quem se despede de alguém que se ama.

Também não me vejo cumprindo essas formalidades. Mas, desde que me entendo por leitor, sempre me assombro com os desfechos extraordinários. Os desfechos iluminados. Belos ou feios ou chocantes ou abruptos e antipáticos. Tanto faz. Dizem que os primeiros parágrafos são atestados de inteligência e bom senso. Sempre preferi as conclusões. 

Quando passo das cem páginas de um livro, me apresso para saber como ele vai terminar. Não me interessa exatamente o destino dos personagens. Quero saber como o livro termina. Como. Com que frase, adjetivo, interjeição, pensamento ou provocação. Um ponto final nunca é igual a um outro.

Voltei a pensar nessa minha mania quando ouvi os comentários sobre último capítulo de Lost. Os comentários dos outros e os meus comentários. Todos apaixonados, agressivos, furiosos, já que séries duradouras de tevê são como bandas de rock ou times de futebol. Nos afeiçoamos a elas. Dê três temporadas, apenas três temporadas, e elas grudarão na nossa parede feito fotografia de infância.

Um parêntese que explica a minha relação com séries: comecei a ver Lost ainda na primeira temporada, a contragosto. Minha namorada gostou e eu fui atrás. No início, me pareceu um show oportunista, mix de Survivor com Arquivo X. Nada especial. Na segunda temporada, eu já associava as aventuras de Jack, Sawyer e Locke ao jeito como a minha namorada deitava a cabeça no meu colo enquanto assistíamos aos episódios. Ao perfume, ao sofá da casa, ao barulho do ar condicionado. Na sexta edição, cada um dos capítulos me trouxe saudades dela, que hoje mora em outra cidade. Em mim, o seriado se transformou em uma espécie de souvenir, polaroide de uma época que passou.

Meio forte. E você entende?

Escrevi esse parêntese só para ilustrar como às vezes nos conectamos a esses programas muito tolos de tevê. Lost não é irrelevante, eu sei: poucas séries souberam brincar tão graciosamente com o tempo. Pretérito, presente do indicativo, futuro imperfeito. Muito se falou sobre os mistérios da ilha onde o avião da Oceanic se espatifou, mas o que me deslumbrou foi o jogo narrativo. Os flashbacks, flashforwards e flashsideways, soltos no ar.  

Os fãs têm uma relação extremamente passional com a série, a série é só deles, e entendo a origem desse fogo. Tem muito a ver com a cumplicidade que sentimos em relação aos nossos ídolos pop. Confiamos neles. Torcemos para que, em retribuição, eles nos sejam fiéis. Perdoamos tropeços. E, nas situações mais trágicas, reconhecemos que eles nos deixaram de coração partido.

Sem querer ser piegas, mas a season finale de Lost partiu o coração deste fã aqui.

E acho que por um motivo que me leva aos desfechos brilhantes de livros que amo: não há encanto, elegância, graça ou inteligência nessa conclusão. Pior: é uma conclusão translúcida, banal como um show barato de mágica. Deixo de me deslumbrar quando descubro por que o coelho sai da cartola. 

Eu acreditava – mesmo com todos os indícios de erro – que os roteiristas-ilusionistas seriam capazes de me assombrar. Mas aí a culpa é de quem? Minha, que esperava muito? Ou da série, que me ofereceu tão pouco?

Ou ninguém é culpado e o divórcio é amigável?

Não me pergunte. O curioso é que reagi às patetadas do episódio como um fã de rock que, num belo dia, recebe a notícia de que o ídolo decidiu se despedir do showbusiness com um disco ultraóbvio de canções natalinas.

The end me parece, sob todos os aspectos, um disco ultraóbvio de canções natalinas. Um episódio que nos chantageia, nos maltrata, nos subestima. Uma tortura em dó maior. Compartilho, até instintivamente, da irritação de alguns fãs: seis anos e isso? É muito tempo. Conheço gente que mudou três vezes de emprego nesse período de tempo. E os enigmas que não se resolveram? E os números? E o projeto Dharma? E os monumentos de pedra? E o Walt, coitado? E o nosso futuro?  

Séries de mistério são quase sempre uma armadilha. Veja o caso de Arquivo X. O vilão é o tempo, sempre ele. O suspense é prolongado excessivamente, a multiplicação de subtramas deixa inúmeras pontas soltas nos roteiros, a mitologia vira um fardo e toda tentativa de encontrar soluções para os enigmas da trama soam simplórias, apressadas. Estava escrito: Lost só agradaria à maior parte dos fãs se terminasse com um desfecho imprevisto e emocionante que nos fizesse repensar a nossa existência no planeta e os rumos da ficção.

Mas o que nos resta é um roteiro de Damon Lindelof e Carlton Cuse. 

Entendo que, para a dupla, deve ter sido uma jornada ainda mais complicada que a nossa. Imagine isso, conviver com todos esses personagens, definir os destinos de cada um deles. E pensar em malabarismos formais para espantar o nosso tédio e alimentar a nossa fome de fantasia. Deve ter sido dose. E mais: escrever um episódio-evento, um arranha-céu para a noite de domingo, atração imperdível para todas as idades e crenças. Quase uma mini-final de superbowl. Imagino que até eu, na pele deles, sentiria a obrigação de simplificar um pouquinho as coisas.

O episódio final de Lost, talvez aprisionado nesse jogo de pressões, soa tão singelo e descomplicado quanto o episódio-piloto. Perto dele, a quinta temporada fica parecendo um supletivo de física quântica. Há duas linhas narrativas: uma delas, sobre a luta do bem (Jack) contra o mal (Locke) na ilha da fantasia; a outra, sobre antigos amigos que se reencontram numa realidade movediça, onde os desejos aparentemente se realizam. Para o “leigo”, soa como uma ficção científica sentimental com a assinatura do protagonista de Dawson’s creek.

Já para os “fiéis”, trata-se de uma big despedida. A realidade “alternativa” mostra-se uma desculpa para uma reunião de elenco. A cada trombada dos personagens, flashbacks velozes pipocam na tela e nos fazem lembrar de todo o tempo que gastamos com a série. Caiu uma lágrima, arrancada pela útima tecnologia em chantagem sentimental.

Na ilha, a arquitetura do roteiro revela-se ainda mais grosseira. Um hipopótamo. Personagens correm para salvar o mundo, matam uns aos outros, provocam terromotos e tempestades, mergulham numa caverna dourada, manipulam uma rolha gigante (!) e resumem todos os dramas da série a uma perseguição de Tom vs. Jerry. O mocinho mata o vilão, beija a mocinha e se sacrifica por uma causa que ninguém sabe dizer se é nobre ou não. Whatever. Está claro que os roteiristas querem encerrar logo a epopéia e ir ao que interessa: a realidade paralela, onde tudo termina bem.

O que me incomoda (e aí aparecem os fios da narrativa e a picaretagem do empreendimento) é que esse tempo paralelo que tanto interessa aos roteiristas é uma criação da sexta temporada. Um truque de última hora inventado para nos surpreeender. Me pergunto se Damon e Carlton não poderiam ter encontrado uma surpresa aterradora sem abandonar o Grande Esquema das Coisas – isto é: dentro da ilha.  

Mas, novamente, saquei a estratégia. Os roteiristas tentaram usar uma das teorias mais difundidas entre os fãs (a de que todos os personagens estavam mortos) de uma forma que os enganassem (já que não é a ilha o purgatório, mas a “realidade alternativa”). Uma tentativa interessante. Mais curioso ainda é como, neste finale, os roteiristas invertem nossas expectativas: a ilha é o mundo real, enquanto que Los Angeles vira a cidade dos sonhos.

Fico muito satisfeito quando penso que os roteiristas realmente refletiram sobre tudo isso. Mas duvido muito que isso tenha acontecido, já que o episódio todo é desenvolvido com as fórmulas mais apelativas de dramalhões religiosos. Quando descobrimos que os personagens estão à caminho do céu – eles se reencontraram e, por isso, têm direito à liberação -, é inevitável pensar que a grande lição da série é algo como “a vida é uma aventura, mas o melhor está por vir.”

O que, para mim, é uma filosofia abominável. Eu é que não vou ficar esperando pelo dia em que a porta da minha igrejinha particular vai abrir. Não. Mas, ainda que eu tenha me decepcionado com a série também por conta disso (sério, Damon e Carlton, leiam qualquer textinho do Carl Sagan e entendam que a vida às vezes não faz sentido e é bonita mesmo assim!), não é, repito, o que mais me frustrou no desfecho. É que parece ter faltado aquele elemento misterioso que separa os livros inesquecíveis das bobagens de autoajuda, aquele toque sobrenatural que nos enche de entusiasmo, nem que por alguns minutos. Que renova a nossa fé na literatura.

Quando leio um bom livro ou vejo um bom filme, quero viver mais.

Com este episódio de Lost, meu único desejo: esmagar o televisor. Fulo e bronco feito um hooligan. Meus ídolos! Lembrei da minha professora: tudo é possível. E da outra: escreva desfechos com beleza. Depois, mais calmo, tentei me convencer de que o errado sou eu. Esta é a conclusão que soa bela para quem a escreveu. Eu é que não deveria ficar sonhando os sonhos dos outros.

End credits. Hora de acordar.