Together | The New Pornographers
Sempre que começo a escrever um texto para este blog, me sinto um pouco estúpido. Encaro a tela do computador e pergunto a ela, às vezes em voz alta: por quê? Quando chego ao último parágrafo, a questão continua beliscando meu calcanhar.
É que nada disso parece fazer muito sentido. Este blog. Os meus textos. As opiniões. Os argumentos contraditórios. O tempo que parcelo em toneladas de frases, sujeitos e predicados, verbos e, acima deles, os infelizes adjetivos. Por quê? Para quem?
Aprendi numa aula de economia que existe um custo para todas as nossas escolhas. É uma regrinha muito simples: o custo de abandonar um emprego, por exemplo, é voltar a viver no sótão de casa, sem dinheiro para almoçar em restaurante bacana. Quando tento aplicar essa lei ao funcionamento deste blog, fico louco. Filosoficamente falando, qual é o preço que eu pago por manter esta quitinete?
Talvez seja caríssimo.
Ontem à noite, fuçando nas gavetas de casa, encontrei uma revista de música e cinema que produzi aos 11 anos de idade. São 10 páginas de papel A4, digitadas em máquina de escrever e coloridas com giz de cera. Lembro que passei duas tardes editando aquelas resenhas. Ao fim do batente, o único leitor da publicação (eu) ficou muito satisfeito com o resultado.
Notei a semelhança: falo muito sobre adolescência, mas meus blogs são os vestígios dessa etapa da minha vida, o finalzinho da infância, quando eu escrevia (e criava músicas, programas de rádio, videoclipes em VHS, filmes imaginários) para ninguém. Era (e é) uma espécie de autismo criativo: eu, trancado dentro do meu cérebro, murmurando verdades.
Soa deprimente, eu sei. Mas, desde pequeno, não consigo domesticar essa vontade muito selvagem de escrever sobre o que vejo e sinto, os filmes e os discos e tudo o que existe entre eles. O mais curioso é que, quando criança, eu não era um menino solitário, sem amigos. Todos no bairro me conheciam. Eu era o presidente dos clubinhos — eu confeccionava as malditas carteirinhas! Com a minha Caloi azul, o meninão aqui liderava a equipe de bicicross. Mas, ainda assim, escrever me parecia um refúgio, uma ilha deserta.
Daí que, quando ouvi o disco novo do New Pornographers (uma das poucas bandas de rock que me levam de volta à infância, e não à adolescência), pensei: a hora é esta; vou parar com o blog e sanar a doença.
Parecia um plano razoável, mas não daria certo. Eu continuaria a rabiscar cadernos pautados e folhas de pão. Na minha lápide vocês encontrarão a frase: Tiago Superoito, que escreveu para as paredes.
E é impressionante como este disquinho novo do New Pornographers, Together, catalisou essas minhas preocupações e me ajudou a entendê-las. Por quê? É que fico com a impressão de que esta banda existiria de qualquer forma — com ou sem fã-clubes, críticas positivas, afagos de gravadores e status de “supergrupo indie”. Os álbuns dos canadenses, nos melhores momentos, soam como um jogo despreocupado entre amigos. Um divertimento. Uma tarde perdida, largada sob a brisa quente do power pop.
É como se cada um dos integrantes da banda se livrassem da realidade (as carreiras solo, todas muito respeitáveis) para curtir prazeres de infância: um refrão gorduroso, uma melodia excessivamente calórica, um riff safado, um ar de traquinagem. Canções para o churrasco de domingo. Só queremos nos divertir, é o que dizem discos como Mass romantic (2000) e Twin cinema (2005).
E isso é minha infância. Isso é este blog. Escrever por escrever. Escrever apenas por prazer.
É verdade que com o tempo, o New Pornographers deixou um pouco essa (saudável) pose de projeto descontraído para se afirmar como uma banda de verdade. Não colou. Challengers (2007) é um disco adorável, mas soa como uma colagem excessivamente cuidadosa (e mais “adulta”) de canções coletadas das carreiras solo dos principais integrantes: AC Newman, Neko Case e Dan Bejar. Dá para transformar hobby em trabalho? Acredito que sim, mas sentimos saudades daquela banda que não parecia banda, e sim uma farra, uma happy hour.
Together, já no título, tenta recuperar essa antiga sensação. Esforço consciente. Talvez por conta da receptividade morna de Challengers. Talvez por que a própria banda sentiu falta de um pouco de espontaneidade. Mas, por qualquer ângulo, é um disco que ocupa um espaço intermediário entre a minha infância e os meus vinte e poucos anos. A curtição alegre e as responsabilidades maçantes. Eu fico alegre quando vejo meu reflexo em The crash years (uma torrente de hormônios), mas um pouco tenso com a arquitetura calculadinha de If you can’t see my mirrors, que, com referências descoladas a Velvet Underground, resulta bem menos cool do que parece.
(E, tomando alguma distância do meu umbigo, note que este é um disco mais de Neko Case, que vem de um ótimo álbum solo e canta as melhores faixas, e menos de Bejar, que soa como se estivesse turbinando lados B do Destroyer. Já Newman, nosso chapa supercomum, quase não se destaca)
Se as primeiras gravações do grupo soavam como os amigos de meninice, que você conheceu aos 11 anos de idade (e seus rins tremem de emoção quando você lembra disso tudo, confesse), os mais recentes às vezes se assemelham aos reencontros com antigas turmas de colégio, quando tentamos simular as brincadeiras do passado e esquecer das obrigações. Tentamos, mas raramente conseguimos.
Nas boas canções (e são muitas, como Moves, Your hands, Up in the dark e We end up together), eles conseguem reprisar a mágica. O entusiasmo é real e os convidados especiais (do Beirut, St. Vincent, Okkervil River) entram na dança. A banda ainda me faz acreditar que eles vão continuar escrevendo e tocando canções como essas por muito tempo, mesmo quando a gravadora chutá-la e o último fã abandonar a arquibancada.
Acabou que, após dezenas de audições, este disco me convenceu a continuar com o blog e com os textos e com os argumentos e com os parágrafos inúteis que me perturbam e alegram. Para que serve o New Pornographers? Acho que para nada. Qual a relevância deles? Acho que nenhuma. Mas estou certo de que eu seria um pouco mais infeliz se esta banda (e este blog) não existissem.
Quinto disco do New Pornographers. 12 faixas, com produção da própria banda. Lançamento Matador Records. 7/10
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maio 6, 2010 às 5:08 pm
achei que vc escrevia aqui como um treino pros livros vindouros.
hahahah
zoera…
bom, vc trabalha com isso né cara. olha que tem gente que ganha um graninha com blog assim, nem que seja só pra pagar a mensalidade da internet…
maio 6, 2010 às 5:20 pm
Demorô pra escanear e publicar esta tua revistinha datilografada e pintada com giz de cera.
maio 6, 2010 às 5:28 pm
JV, não sei se eu escreveria bons livros. Acho que não tenho talento pra isso. E, como eu disse no texto, trabalho é trabalho, hobby é hobby – mesmo quando você trabalha com coisas que você gosta, o resultado será bem diferente de um blog como este aqui.
Marcus, mas nem morto! hehe
maio 7, 2010 às 1:05 am
O ideal seria ganhar dinheiro para escrever com a mesma liberdade que se tem para escrever um texto agradável como esse. Mas se nem as bandas estão masi ganhando dinheiro hoje em dia… :/
maio 7, 2010 às 1:12 am
Exato, Ailton, o ponto todo é esse. Acho que você foi na mosca.
maio 7, 2010 às 2:21 am
Tiagão,
Deixa de viadagem. Você tem leitores e faria falta pra muita gente, tipo o New Pornographers.
Cordialmente,
Diego
maio 7, 2010 às 2:32 am
Diegão,
No dia em que eu escrever isto aqui pensando em “leitores” (que não tenho, com certeza), vai sair uma merda maior ainda.
Francamente,
Tiago.
maio 7, 2010 às 3:37 am
Interessante a tua conexão com o escrever e os Pornographers (obs: eu tbm escrevia quando criança, e não é nem o caso de que ninguém lia: EU proibia que lessem). Sobre escrever (no blog, ou num livro como sugeriram), te digo que vc não deve ter essas crises de “por que, meu Deus, qual o propósito?”, por 2 razões:
1) SEMPRE haverá alguém lendo (não necessariamente relacionado a vc de alguma forma);
2) Vc não tem outra escolha, tá no sangue.
Sobre o que vc disse sobre os NP (e eu acho que esse é o disco deles que eu mais gostei), vale para o power pop de uma forma geral (desde os primórdios, com Big Star, Badfinger, etc.). Quem o faz, em geral faz para ninguém (ou para alguém 30 anos depois). Mas faz do mesmo jeito. Não tem outra escolha.
Uma música desse disco dos NP na mixtape de maio, por favor !!
maio 7, 2010 às 3:38 am
Em tempo:
Demorô pra escanear e publicar esta tua revistinha datilografada e pintada com giz de cera.[2]
maio 7, 2010 às 10:19 am
É, Daniel, acho que você tem razão. Sempre haverá alguém lendo. E é legal que haja alguém lendo (se bem que, em alguns casos, fico um pouco constrangido quando noto que algumas pessoas conhecidas estão espiando). Mas o que eu tentei explicar é que minha motivação pra escrever vem de outro lugar.
Entre os discos do New Pornographers, pra mim a ordem é esta: Twin cinema > Mass romantic > Electric version > Together > Challengers
Na mixtape de maio deve entrar ‘My shepherd’, a minha favorita do álbum. Neko Case salvando a pátria.
E eu não tenho scanner! Fica pra próxima, hehe.
maio 7, 2010 às 3:29 pm
Sempre leio, mas nem sempre comento porque ainda não ouvi/vi o álbum/filme em questão. Se seus textos são os que eu mais gosto de ler, essa dose de pessoalidade que você traz, me aproxima muito da escrita. Mesmo quando eu não concordo com os argumentos, ao menos os acho plausíveis (coisa que as vezes não acontece quando eu leio a Pitchfork, por exemplo).
Sobre o disco, gostei muito (bem mais do que você no caso). E pra mim eles sempre vão soar como uma brincadeira entre amigos, então não cobro muita coisa, só me divirto.
maio 7, 2010 às 6:05 pm
Tento não me importar muito com comentários (antes, era um drama), mas é sempre legal (e meio impressionante) saber que pessoas bacanas como você estão lendo o blog.
maio 12, 2010 às 1:45 am
Esteja certo de que eu seria um pouco mais infeliz se seu blog não existisse. Sério. É dos poucos que acompanho religiosamente e que me influenciam diretamente. Agora mesmo, por exemplo, estou baixando “Crystal Castles” só por causa da ótima nota que você deu ao disco.
Quanto a “Together”, pra mim é o melhor disco do ano até o momento.
Beijo.
maio 12, 2010 às 2:30 am
Valeu, Alê. Este blog tem poucos leitores, mas eles são muito melhores do que este blog. Tenho sorte.
E a nota de ‘Together’ seria um pouco maior caso a segunda metade não fosse meio caída.
E dê umas três chances ao Crystal Castles. É esqusitão, mas é legal.
maio 12, 2010 às 4:07 pm
[…] É verdade que com o tempo, o New Pornographers deixou um pouco essa (saudável) pose de projeto descontraído para se afirmar como uma banda de verdade. Não colou. Challengers (2007) é um disco adorável, mas soa como uma colagem excessivamente cuidadosa (e mais “adulta”) de canções coletadas das carreiras solo dos principais integrantes: AC Newman, Neko Case e Dan Bejar. Dá para transformar hobby em trabalho? Acredito que sim, mas sentimos saudades daquela banda que não parecia banda, e sim uma farra, uma happy hour. Together, já no título, tenta recuperar essa antiga sensação… Resenha […]
abril 12, 2012 às 7:43 pm
Olá Daniel
Estava numa procura no google que me levou até essa matéria. Não sou entendedora de música, aprecio apenas como ouvinte, mas seu texto me chamou a atenção. Gostaria de dizer que suas dúvidas serão sempre frequentes, não importa quanto tempo se passou, o quão realizado profissionalmente você se tornou ou não, se ainda tem muito caminho pela frente ou se é reconhecido pelo seu trabalho. A alma humana é assim, cheia de dúvidas sempre, por mais que se esteja no último patamar da carreira. Acredite no seu trabalho e siga em frente, a quitinete vai valer a pena quando você olhar para trás e notar que você sempre curtiu o que fez. Não há dinheiro que compense uma vida fazendo o que não se gosta só para se sentir adequado à sociedade. A opinião alhei enche o ego, mas não é o que realmente importa. Ao seu lado sempre haverá pessoas diferentes, que chegarão e passarão na mesma velocidade, mas você sempre será o mesmo e terá que conviver com suas escolhas e ações, então faça sempre o que te dá mais prazer sem se preocupar com a visibiidade. Muitas vezes pensamos: nossa faço tanto e ainda não consegui nada, nado nado e nunca chego na praia, mas seu dia irá chegar, tenha certeza que se não chegou ainda é porque você ainda tem que se preparar mais para quando chegar a hora certa você brilhar sem cair. Bom caminho.