Forgiveness rock record | Broken Social Scene
Se o dia durasse 42 horas, eu seria capaz de escrever um livro inteiro — de 500 páginas, não menos — sobre aqueles discos que, goste deles ou não, são pontos de referência para a história recente da música pop. Por que eles se tornaram tão relevantes? Eles fizeram por merecer tanto prestígio? Ou teriam apenas se beneficiado de uma conjunção muito feliz de eventos aleatórios?
Capítulo 34: You forgot it in people, Broken Social Scene.
Não vou arriscar uma explicação demorada sobre o “fenômeno” (isto é um blog, não é um livro de 500 páginas), mas trata-se um desses discos: de uma forma ou de outra, ele simboliza uma das cenas mais importantes dos anos 00. Quando se fala em rock independente do Canadá, é inevitável lembrar de You forgot it in people. Mesmo que você considere o som da banda um tanto irritante, esnobe e caótico. Mesmo que você prefira Wolf Parade.
E isso acontece por que, muito além de ter criado ótimas canções, o Broken Social Scene cristaliza o espírito de uma geração de músicos. No pôster do rock canadense, o que vemos não é um gênero musical específico, mas um mutirão de amigos talentosos que colaboram uns com os outros. You forgot it in people é um disco sobre essa imagem. Superpovoado, oversized. Em algumas canções, tenho a certeza de que ouço toda a população de Vancouver cantando e tocando em uníssono.
No auge do coleguismo, o Broken Social Scene reuniu 15, 16, 17 músicos no palco. Oficialmente, Keven Drew e Brendan Canning tomavam as rédeas da superbanda, mas sempre pareceu complicado, nesse caso, definir hierarquias. Feist, Jason Collett, Stars e Metric usaram o laboratório para aquecer embriões musicais. No disco homônimo, de 2005, a formação mutante e alucinada voltou à ação. Mas já soava como uma polaróide descolorida: timing é um dos principais méritos de You forgot it in people.
No fim da década, a própria banda começou a perceber que o impacto do Broken Social Scene estava atrelado a um período muito específico da música pop. E que aquele tempo havia passado. Brendan Canning e Kevin Drew lançaram discos solo e poucos agregados conquistaram uma carreira estável (Fiest, Metric e quem mais?). O novo disco, Forgiveness rock record, flutua nesse mar manso. Carrega os destroços daquela banda (ou melhor, daquela ideia) que marcou 2002.
Não é um álbum que mereceria um capítulo no meu livro de 500 páginas. Provavelmente, ele não terá importância nenhuma para 2010. Mas, para a trajetória da banda (e, especificamente, para Canning e Drew), soa como um senhor desafio. Os ventos mudaram. Antes, a ordem era fazer-se notar, criar o ruído, ferir nossos ouvidos, demarcar o território, organizar o movimento. Agora, o objetivos são outros, mais complicados: foco e longevidade.
Para nosso espanto, o Broken Social Scene retorna como uma banda quase comum: um septeto que prefere à arte da canção à composição de atmosferas. Produzido por John McEntire (de Tortoise e The Sea and Cake), é um álbum que deve chocar os antigos fãs do grupo: o que eles miram é uma sonoridade límpida, cristalina até nos momentos mais expansivos (caso mais explícito: Ungrateful little father), talvez “adulta”, sóbria. É essa a tela que delimita o disco.
O que emerge dessa transformação é uma reviravolta que, para quem nunca se interessou pela banda, soará como uma revelação muito positiva. É como se eles tivessem se “endireitado”. Admito que esse comodismo me incomoda um pouco (é como se o Wolf Parade tivesse decidido gravar um disco de soft rock, digamos), mas é interessante notar que esta não é uma guinada tão fácil quanto parece.
Desprotegida, longa de muralha de sons que criou para si, a banda poderia muito bem parecer fragilizada, desesperada, ingênua. Não é o que acontece. Forgiveness rock record se revela um disco muito seguro de si, que não sente o peso de uma longa duração (63 minutos) nem parece monótono, aborrecido. O que se nota é um esforço de destacar cada um dos elementos sonoros do grupo, como se fosse possível isolá-los uns dos outros. Daí resulta um álbum que navega do pós-punk ao power pop, que arrisca elegantemente e que ousa trair o movimento criado pelo próprio grupo.
Ouça mais vezes e ele soará até corajoso. O Broken Social Scene que surge aqui é uma banda muito igual a tantas outras. Mas com uma diferença: poucas aceitam a aventura de implodir o próprio mundinho. Eles aceitaram. E, quem diria, são bonitos os cacos que sobraram.
Quarto álbum do Broken Social Scene. 14 faixas, com produção de John McEntire. Lançamento Arts and Crafts. 8/10
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maio 4, 2010 às 2:56 am
Bottomline: eles estão soando mais como The New Pornographers. O que é ótimo :)
maio 4, 2010 às 3:07 am
Nem sei se é isso, Diego, mas o disco é bom sim.
E vamos ver se o blog sobrevive até o dia em que eu conseguir escrever alguma coisa sobre o disco do New Pornographers (se bem que, nessa altura, quem se importa?)
maio 4, 2010 às 3:13 am
É outro ótimo disco. Tem que escrever, sim!
Aliás: New Pornographers, Broken Social Scene, Arcade Fire e Wolf Parade lançando discos em 2010. Que ano pro pop canadense, ahn?
maio 4, 2010 às 3:24 am
Não achei tão bom quanto você, mas gostei também.
Eu não sabia que tinha álbum novo do Arcade Fire esse ano, grande notícia.
maio 4, 2010 às 3:35 am
Canadá tá com tudo. Isso pq já tivemos bons álbuns do The Besnard Lakes, Owen Pallett e Caribou.
maio 4, 2010 às 3:35 am
nao escutei ainda o álbum todo. mas duas q escutei gostei bastante: “forced to love” e “all to all”. em forced to love temos um solinho q lembra um pouco o solo de uma das guitarras no inicio de fire eye’d boy. com “all to all” lisa lobsinger deixou a sua marca no cimento fresco sempre pronto pra outras mãos, pés e mensagens de amor, que é o broken social scene. mais um ótimo duo, pra se guardar junto a “almost crimes” e “7/4 (shoreline)”.
maio 4, 2010 às 10:40 am
Pois é, belo ano pro Canadá.
Jorge, então ouça logo o disco todo, tá bem bacana.
maio 4, 2010 às 2:17 pm
[…] Essa imagem esquisita é a capa do quinto trabalho de estúdio do Broken Social Scene, uma das bandas mais proeminentes do Canadá. Só a nível de informação, o BSS é um mega-projeto formado por músicos de vários grupos, e que teve papel fundamental na expansão da música independente canadense. Com 63 minutos de puro vigor indie, Forgiveness Rock Record tem tudo que um fã do BSS poderia esperar: batidas empolgantes, riffs grudentos, noise, psicodelia, um pouco de experimentalismo e muita criatividade… Mais […]
maio 13, 2010 às 6:23 pm
maio 13, 2010 às 6:30 pm
Ok, então.