Dia: fevereiro 1, 2010

The courage of others | Midlake

Postado em

The courage of others é um daqueles discos que fazem com que eu me sinta um tipinho irrelevante: enquanto eu enfrento os grandes desafios da minha existência (acordar cedo, pagar o aluguel, regar as plantas e visitar minha mãe nos fins de semana), o Midlake se preocupa com a imensidão da natureza, o sentimento de melancolia que acompanha a morte do inverno e o “som grandioso de todas as criaturas vivas”.

Ah, sério? Aposto que este quinteto do Texas não leva a nossa oh-tão-sagrada existência com tanta austeridade. Mas, quando entram em estúdio, soam como cinco monges exilados em meio a uma plantação de bromélias, a muitos quilômetros das preocupações trivais que transformam nossas rotinas em episódios frívolos de seriados de tevê.

Deve haver algum ranço confessional escondido no subsolo deste terceiro disco do Midlake, mas ainda não encontrei a chave (e talvez seja minha culpa, ovelha desgarrada e meio burra). Desconfio que tudo seja uma questão de mise-en-scene: em The trials of Van Occupanther, de 2006, a banda tentava criar uma narrativa pastoral, como se Nick Drake interpretasse um songbook de Neil Young. Desta vez, eles apontam a embarcação para o folk rock britânico do fim dos anos 1960.

É uma aventura mais contida, limitada, menos ambiciosa, mas talvez o objetivo deles sempre tenha sido este: soar exatamente como uma banda-tributo do Pentangle, com algo de Incredible String Band. E vá entender: alguns desejos são meio estranhos mesmo.

A cadência uniforme do disco, que parece ter sido todo ele gravado numa tarde fria e chuvosa, pode atender as expectativas de quem procura desesperadamente um sucessor para Veckatimest, do Grizzly Bear. São dois álbuns duros feito pedra lascada, ainda que, cá para meus ouvidos, o Midlake ainda pareça uma daquelas bandas in-progress que se contentam em tomar um gênero (ou uma referência) e partir para o decalque — com ternura, claro.

Daí que as letras do disco são todas ricas em traços impressionistas, com imagens de vilas longínquas, ambientes selvagens, florestas tomadas por criaturas exóticas (seriam elfos?) e amores impossíveis. Até meu padrasto, o último defensor do rock progressivo dos anos 1970, talvez encarasse como uma homenagem fiel demais ao período. ‘Seria gozação?’, ele perguntaria, descrente.

Não é. O Midlake soa muito sincero nessa ode ao transe cósmico de canções que fazem absolutamente tudo para se livrar as impurezas deste mundo. Não encontrei nada ainda, mas certamente existe sabedoria, dignidade nesse esforço. Bom para eles. No entanto, se a banda estiver interessada em encontrar uma voz particular, vou avisando: a jornada é bem outra.

Mas chame de Astral geeks, se preferir.

Terceiro disco do Midlake. 11 faixas, com produção da própria banda. Lançamento Bella Union. 6/10

2 ou 3 parágrafos | Nine

Postado em

As fotos de divulgação parecem indicar uma sequência de A casa do espanto, mas isto aqui é muito mais assustador do que eu esperava (e eu estava pronto para enfrentar uma ode a Fellini assinada por Rob Marshall e Harvey Weinstein, algo arrepiante por si só). Nine (1/5) é daqueles equívocos espetaculares.

É muito ruim, e nem tanto por trair o espírito do filme que supostamente homenageia (8 e meio era um delirante fluxo de consciência; isto aqui é um musical kitsch sobre crise criativa), mas por bater naquela tecla dos que tratam a Broadway (e as fórmulas da Broadway) como palco sagrado. Ninguém aguenta mais.

Como em Chicago, Marshall faz dois filmes em um: uma produção “de época” convencional entrecortada por clipes desconjuntados de performances sob holofotes. Tudo muito didático e pragmático, e uma tortura: e as canções chegam a provocar dor de barriga (eu não imaginaria o elenco de Glee interpretando Cinema italiano ou Be italian) e a caricatura dos “italianos” (uns gringos meio toscos e espalhafatosos que fumam e traem sem parar) é puro constrangimento. Meu primo de 15 anos vai curtir as cruzadas de pernas da Penélope Cruz (e aí é covardia) e os fãs de Fellini vão encontrar uma dezenas de referências — todas nos lugares mais errados.