Dia: janeiro 20, 2010

Romance is boring | Los Campesinos

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Vamos falar sobre você por um minuto?

Imagino que você, leitor deste blog, seja meus ou menos como eu: uma pessoa que não recebeu o Nobel, não escalou o Everest, não plantou muitas árvores, não teve muitos filhos, não escreveu uma série de livros memoráveis, não levou a Palma de Ouro, não faturou a Mega-Sena, não foi condenado à morte, não apareceu na manchete do jornal nem salvou o sujeito que estava prestes a ser tragado pela enchente. Você não é o melhor nem o pior, não está entre os cinco mais nem entre os cinco menos. Você, na hipótese mais provável, é uma pessoa decente e sensata, que trabalha (ou estuda) mais do que gostaria, ganha menos do que merece, se apaixona por pessoas difíceis ou impossíveis, teme a morte e comete erros constrangedores de vez em quando. Não é uma exceção. Não é extraordinário. E há muitos iguais a você.

É por isso que o terceiro disco do Los Campesinos talvez lhe pertença. É música para (e sobre) sujeitos comuns. E, nos melhores momentos, sobre o que há de espantoso, surrealista, hilariante em nossas vidinhas mais-ou-menos.

O disco abre com a frase que usei para começar este post: “vamos falar sobre você por um minuto”, provoca Gareth Campesinos, um vocalista que parece ter nascido de um experimento biológico com os genes de Jarvis Cocker (Pulp), Robert Smith (The Cure) e Eddie Argos (Art Brut). A canção, In media res, acelera feito action movie: primeiro tensa, depois sombria, mais adiante (quando os trompetes entram em cena) eufórica. Uma crônica esquizofrênica, em cores saturadas, em fast-forward.

A faixa começa com a narração de um (suposto) acidente automobilístico, depois de alguns jogos de palavras à beira do nonsense, termina com um desafio prático: “Se você tivesse a opção de morrer em paz aos 45, mas com o amor de sua vida ao seu lado, depois de uma vida plena e feliz, isso o interessaria?” E então? Interessaria?

Gareth parece conversar diretamente conosco, o tal público médio de rock. Gente que se importa com este tipo de coisa: riffs, piadas tortas, pop stars sarcásticos, love stories desengonçadas, listas de fim de ano. Eu, você. Qual é a nossa idade? 30? 25? 18 anos? Tanto faz. Estamos na outra ponta do diálogo, convocados a nos identificar com a verborragia ruidosa deste septeto galês. Somos, de certa forma, o tema das canções.

Era o que acontecia nos dois discos anteriores da banda, ambos de 2008: Hold on now, youngster e We are beautiful, we are doomed. Em Romance is boring, eles parecem ainda mais confortáveis nesse papel de talk-show-hosts do nosso cotidiano. É um disco “de amor”. Mas, ao contrário da delicadeza nerd de One life stand, do Hot Chip, um amor ordinário, pé-no-chão, cínico e safado. Um disco também sobre sexo, morte e sarcasmo. E cortes de cabelo.

Gareth, aparentemente, interpreta um personagem. E esse personagem é um cínico que, em algumas recaídas, se revela um sujeito adorável. A faixa-título, saltitante feito brit pop, enxerga a chatice dos romances (o melhor, como diz o vocalista, é provar um pouco do “bolo fálico” que ele acabou de preparar). Ela vem logo depois de uma faixa que narra a história de um amor obsessivo, sequelado, coisa de principiante (e admita: There are listed buildings tem um quê de Dashboard Confessional). Em Straight in at 101, eles pulam as preliminares: “Precisamos de mais pós-coito e de menos pós-rock.”

Apesar das tentativas de uma sonoridade mais sortida (eles conseguem lembrar Pixies, Sleater-Kinney e New Pornographers numa mesma canção), os versos de Gareth ainda soam mais excitantes do que a música dos Campesinos. Como acontece com o Art Brut, a banda ganha um outro porte quando entendemos sobre o que ela está cantando. A produção bruta de John Goodmanson ressalta a cacofonia e lima sutilezas. Tudo bem: desde o primeiro flerte, a banda nos seduziu a pancadas. Mas me parece justo perguntar se o terceiro álbum da carreira não seria o momento de surpreender também musicalmente (Boys and girls in America, do Hold Steady, serviria de belo exemplo).

Mas, como eu disse, não é isso que nos fará voltar aos Campesinos. Em Who fell asleep in, eles falam em religiosidade como quem discute um problema prático (como beijar uma garota que parece manter uma relação íntima com deus?). Em I just sighed, I just sighed, I just sighed, observam os efeitos provocados por um corte de cabelo na masculinidade. Mais comovente é The sea is a good place to think of the future, quando Gareth se rasga todo enquanto fala sobre uma menina deprimida, amaldiçoada pela beleza. “Ela não está comendo de novo, ela não está comendo de novo, ela não está comendo de novo, ela não está comendo de novo”, repete, enfático.

É um grande disquinho que explica por que os Campesinos estão fadados à incompreensão: aqueles que desprezam a banda logo de saída (já que a sonoridade ainda parece mesmo um tanto genérica — e que beleza seria se eles encontrassem um bom produtor!) não chegam à corrente sanguínea de um grupo que destoa de quase tudo o que está em cartaz. Atípico por lembrar aquele seu amigo de infância — nem extraordinário, nem desprezível, tão próximo de sua vida.

Terceiro disco do Los Campesinos. 15 faixas, com produção de John Goodmanson. Lançamento Wichita Recordings. 7.5/10

Rope of sand | Jamie Lidell

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Lembram dele? Em 2008, Jamie Lidell lançou um disco de soul music (ou seria melhor chamá-lo de pós-soul, já que se trata de uma colagem/homenagem a mestres do gênero?) que chegou quase ao topo da minha lista de melhores do ano: o subestimado Jim. Demorou, mas criaram um clipe para a faixa mais delicada do álbum, Rope of sand. Mas taí: Leo Rome dirige este passeio na praia que, aos poucos, se transforma num delírio amarelado. Não fica à altura da música, mas o que está?