Dia: dezembro 5, 2009
Two dancers | Wild Beasts
Fico um pouco incomodado quando noto que poucas são as vezes em que sou tomado pelo desejo incontrolável de convencer o maior número possível de pessoas a ouvir um disco que, pelo menos por alguns dias (ou algumas semanas, algumas horas), soa como o melhor do mundo. Deveria ocorrer com mais frequência. Ao contrário do que imaginam aqueles que criticam os ouvintes compulsivos (pobres reféns das novidades!), é uma característica da boa música pop o poder de provocar paixões instantâneas e às vezes inexplicáveis. Não razão para termos vergonha disso.
Sejamos piegas: é um tipo encantamento.
Recentemente, poucos álbuns me derrubaram de modo tão imediato. Lembro do efeito (entorpecente?) provocado por Merriweather Post Pavillion, do Animal Collective, por Bitte orca, do Dirty Projectors e, num espaço maior de tempo, Veckatimest, do Grizzly Bear (que, hoje, está entre meus cinco favoritos do ano). Discos que cobraram demonstrações de fidelidade, tomaram quase todo o meu tempo, incendiaram minha rotina e, subitamente, sem que eu pudesse controlá-los, compuseram a trilha sonora de um período da minha vida.
Pois bem, meus amigos: Two dancers, o segundão do Wild Beasts, é esse tipo de flechada.
E, de longe, a mais inesperada do ano. Nos casos do Animal Collective e do Grizzly Bear, eu estava predisposto a me deixar levar – e, com o Dirty Projectors, foi como descobrir um universo. Já o affair com o Wild Beasts só pode ser catalogado como amor à segunda vista.
O primeiro dos ingleses, Limbo, panto, provocou em mim alguma admiração: o disco tentava soar barroco, excêntrico, pedante de um jeito que só os ingleses sabem soar. Poderia ser apresentado como trabalho de conclusão de curso em faculdade de Artes. Este segundo, menos exibicionista (e, se vocês quiserem, mais convencional), me fez assistir a praticamente todos os vídeos da banda disponíveis no YouTube, ler entrevistas, encomendar camisetas, me alistar no fã-clube e recomendá-lo a pelo menos cinco pessoas num período de menos de três horas. Paixonite das brabas.
Vá entender.
O pior é que quase esnobei o disco antes de conhecê-lo. Há alguns meses, fiz o download e ouvi sem muita atenção. Deixei de lado. Parecia mais uma banda britânica com as ambições de assimilar alguns elementos do heavy metal, do art rock e do goth rock (falsetos, temas épicos, pompa, sombras e refrões monumentais) a um formato pop contemporâneo, radio friendly. Eu, que temo a multiplicação de Elbows, Horrors e Muses, lamentei o fato de que o disco havia conquistado unanimidade entre os críticos ingleses. Pensei: veja lá, mais um. E guardei-o no porão do meu iPod, aos deus-dará.
Por um desses empurrões do acaso, calhei de esbarrar no disco (quase tarde demais!) e foi aí que notei o quanto eu estava enganado. Sorte a minha. O que faz de Two dancers um belíssimo disco é exatamente a capacidade de soar misterioso e sutil dentro de um formato assumidamente comercial, acessível. É um caso muito raro de álbum que mira a multidão (os fãs do Coldplay, digamos) sem perder a ternura ou a dignidade. Um dos traços mais interessantes do disco de estreia deles – canções que identificam sintomas de horror em situações do cotidiano – é ressaltado de uma forma ainda mais incômoda. Trata-se de um disco pop de aparente placidez, de fácil digestão, mas profundamente perturbado e enigmático.
Estamos acostumados a nos deslumbrar com discos que nos transportam para ambientes desconhecidos, fantásticos. Mas quantas são as vezes em que encontramos álbuns que nos surpreendem simplesmente por interpretar nosso mundo a partir de perspectivas inusitadas? Two dancers merece um lugar na prateleira de Boxer, do The National, e Everything must go, do Manic Street Preachers.
A crônica quase surrealista do Wild Beasts é povoada por temas sacados do noticiário (The fun power plot, que abre o disco, é inspirado numa manifestação de pais pela custódia dos filhos), personagens marginais (há quem interprete Hooting and howling como o perfil de um skinhead) e imagens de sonho (When I’m sleepy). Uma Inglaterra siderada, mas plausível (daí o susto). Esse lirismo de olhos bem abertos combina com a sonoridade cristalina do disco, que troca os excessos pela polidez em melodias circulares, efeitos sonoros discretos (com um quê de funk, às vezes), um jogo discreto de vocais (tanto Hayden Thorpe quanto Tom Flemming são excepcionais) e riffs de guitarra que chegam apenas quando precisamos desesperadamente deles.
Em apenas 37 minutos, não há faixas perdidas. Todas elas têm algum momento extraordinário: do vocal emocionado de Hooting and howling ao arranjo assimétrico de This is our lot (uma belíssima canção juvenil na tradição dos Smiths), dos vocais cavernosos de All the king’s men à delicadeza de Empty nest, a banda tira o máximo proveito dos limites que impõem ao disco. Na estreia, eles provaram que podem soar muito mais exóticos. Agora, o momento é de encontrar o foco, afinar o estilo. E isso podemos chamar de desafio.
Se bem que sou suspeito para falar: há uma semana, é só o que ouço. E, se você quer saber os aspectos mais irritantes deste grande disco, pergunte-me em 15 dias. Eles existem. Mas paixão é paixão.
Segundo disco do Wild Beasts. 10 faixas, com produção de Richard Formby e Wild Beasts. Domino Records. 8.5/10
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