Dia: setembro 22, 2009

50 discos para uma década (parte 4)

Postado em

tvradio

20. Dear science – TV on the Radio (2008)

No início da carreira, o TV on the Radio lançou um álbum-demo chamado Ok calculator. Mas é em Dear science que eles revelam um senso de aventura que lembram o terceiro disco do Radiohead. A combinação de glam, pós-punk e percussão-em-brasas já estava devidamente formatada no disco anterior, o excelente Return to Cookie Mountain (2006). Mas o esforço de imprimir uma atmosfera urbana (um raio de neon, digamos) nesse estilo ganha sentido em Dear science, um álbum que soa como uma fotografia granulada e fosforescente do estado de coisas no indie rock americano.

jayz

19. The blueprint – Jay-Z (2001)

O álbum definitivo de Jay-Z vale por um Scorsese safra 70: é um filme moderno de gânsgster narrado como um desabafo, um fluxo de consciência (e sempre que ouço o disco imagino o rapper recitando os versos num confessionário). As rimas são perfeitas, mas a surpresa é que, aqui, a música é tão cortante quanto as palavras — com samplers de Jackson 5, The Doors, David Bowie, Natalie Cole e Al Green, Jay-Z cria um clássico a partir de cacos de outros clássicos. E é preciso ser gênio para transformar esse tipo de picaretagem em grande arte.

ys

18. Ys – Joanna Newsom (2006)

Joanna Newsom é uma menina de traços angelicais que toca harpa e, por tudo isso, não deveria assustar ninguém. Mas, surpreendentemente, virou uma das figuras mais controversas da década, provocando discussões quase violentas entre defensores e detratores  (e ainda conheço gente que a considera uma grande farsa). Ys não é disco para quem tem pressa: com sete faixas e 55 minutos de duração, narra uma fábula folk que soa como um delírio barroco. Ou tudo ou nada. Os arranjos de cordas deslumbrantes de Van Dyke Parks e a produção crua de Steve Albini criam um universo. E não tente encontrar outro igual.

lcd

17. Sound of silver – LCD Soundsystem (2007)

Em termos objetivos, é muito fácil explicar a importância do disco: ele consolidou e popularizou o crossover de rock e eletrônica na cena de Nova York (com uma leve vantagem para o rock) e fez de James Murphy um ídolo de carne e osso (o disco de estreia, ainda que brilhante, não arriscava canções tão pessoais). Isso tudo é notável, mas o que me atrai no álbum é o modo franco como Murphy, quase quarentão, trata de um tema pouco comum tanto no rock quanto na eletrônica: a idade adulta. Os amigos não estão lá (All my friends), a morte assusta (Someone great), Nova York pode ser um lugar terrível (New York, I love you’re bringing me down) e a pista de dança não cura mais. Ainda assim, talvez ironicamente, um dos grandes discos de festa da década.

mia

16. Kala – M.I.A. (2007)

Toda essa história de pop global, na prática, soa terrível. Durante a década, muito se falou sobre encontros sonoros improváveis (facilitados pela web, blablabla), mas pouco se ouviu de verdadeiramente interessante. M.I.A. é uma exceção — talvez por conseguir transitar naturalmente entre diferentes culturas (e ela própria parece não pertencer a lugar algum). Arular era um grande disco, mas Kala é uma provocação ainda mais saborosa. De Bollywood (Jimmy) a Gwen Stefani (Boyz), é talvez o único disco da década que encarna verdadeiramente o transe mundial sem soar melancólico. M.I.A. é mais sofisticada que isso. E Paper planes nem precisava ter virado um hit planetário…

kanyewest

15. Late registration – Kanye West (2005)

Na maior parte das vezes, o ego de Kanye West é maior que sua música. Mas, em Late registration, ele nos deixou sem argumentos. O blockbuster, que vendeu 4 milhões de cópias nos Estados Unidos, é a maior demonstração que o hip hop roubou do rock o poder de redefinir o mainstream. Com ótimos convidados suspeitos (Maroon 5? Jamie Foxx?) e coração geek (ele é um fã de cultura pop, e isso ficou mais claro que nunca), West fez um legítimo candy shop, viciante e impecável. E que ninguém esqueça de Jon Brion, envenenando os doces.

queens

14. Rated R – Queens of the Stone Age (2000)

Por um momento, em 2000, o Queens of the Stone Age nos fez acreditar na possibilidade de um revival grunge. Durou pouco (e a própria banda resolveu seguir caminhos mais sombrios), mas o efeito entorpecente de Rated R continua zunindo no meu ouvido. Uma espécie de continuação sacana e perversa para Nevermind, do Nirvana, o álbum lustra o stoner rock do disco anterior em formato mais direto e melodioso. Há hits que nunca fizeram o merecido sucesso (Feel good hit of the summer e The lost art of keeping a secret) e as loucuras de Nick Oliveri ainda soam hilariantes.

apologies

13. Apologies to the queen Mary – Wolf Parade (2005)

Pode não ser o grande disco da década, mas soa como o melhor do mundo. A estreia do Wolf Parade vale por duas: é um disco de Spencer Krug (Sunset Rubdown) e de Dan Boeckner (Handsome Furs), dois compositores à flor da pele. Produzida por Isaac Brock (Modest Mouse), a estreia da banda é como um resumo prematuro de carreira. Tomado por fantasmas, oscila entre duas personalidades (Boeckner é quase gentil, já as faixas de Krug são pura agonia) e soa urgente, como se o mundo estivesse sempre prestes a explodir.

spoon

12. Kill the moonlight – Spoon (2002)

A mente matemática de Britt Daniel encontrou a equação da perfeição pop. Kill the moonlight apareceu do nada e ainda impressiona como um disco conciso, sem uma única nota em falso. Com um estilo rigorosamente econômico (um contraponto suingado para o Shins, a banda cria verdadeiros hinos que cabem em 2 minutos de duração, como The way we get by e Something to look forward to. Nos discos seguintes, a banda habitaria um casulo maior e mais confortável. Mas nunca soariam desse jeito: maravilhosamente pequena.

bob

11. “Love and theft” – Bob Dylan (2001)

Bob Dylan pode não ter se dado conta disso, mas os discos gravados desde Time out of mind casam perfeitamente com uma época em que o rock voltou-se ao passado para, na combinação de formas antigas, criar novos ambientes musicais. O Dylan de “Love and theft” não é simplesmente retrô — é como se o homem tivesse finalmente conseguido encontrar uma sonoridade que procurava desde os anos 1960. Tanto quanto as canções (que são excelentes), o que importa é a atmosfera das gravações — filmes em branco e preto. E não é isso que fazem Strokes e White Stripes?

***

A parte final da lista eu posto quinta-feira às 22h. Se vocês quiserem acompanhar, será bacana. Vou atualizar aos poucos pra aumentar o suspense, ok?

50 discos para uma década (parte 3)

Postado em Atualizado em

Meio caminho andado, vamos à longa, tortuosa lista dos meus favoritos da década. Lembrando que é uma lista que não tem o objetivo (pelo menos não totalmente) de mapear o que de mais relevante e interessante foi lançado no período – no fim das contas, é apenas a relação dos discos que amo e guardo comigo.

grizzly

30. Yellow house – Grizzly Bear (2006)

Depois da estranheza inicial, já podemos tratar o Grizzly Bear como uma banda de indie rock não tão alienígena. O terceiro disco deles, Veckatimest (2009), afirma uma marca que hoje começa a soar talvez excessivamente familiar (melodias sideradas à Brian Wilson, coros texturas de acordes que sugerem paisagens exóticas e, acima de tudo, um desejo tocante pela canção mais sublime). Mas ainda é impossível esquecer o impacto de Yellow house, um transe folk que de vez em quando até produz  uma ou outra obra-prima pop. E tem Knife, uma das melhores canções da década. 

poses

29. Poses – Rufus Wainwright (2001)

Depois de uma estreia com queda pelo pop barroco, o segundo disco de Rufus Wainwright chegou cercado de expectativas. E ainda soa assim: como um testamento, um ato ambicioso de autoafirmação. Sem esconder-se em nichos, Wainwright adapta as próprias manias a um contexto pop. Com versos que beiram o rococó (um disco com imagens de príncipes e anjos malvados, enfim) e empostação às vezes quase operística, o cantor busca um lugar no mundo (e encontra) enquanto narra os pesadelos de celebridades amaldiçoadas pela própria beleza. No projeto seguinte, o duplo Want, essas e outras obsessões seriam amplificadas em formato widescreen. Mas o nascimento de um autor já havia sido registrado – aqui, em Poses.

superfurry

28. Rings around the world – Super Furry Animais (2001)

O álbum mais polêmico dos galeses (à época do lançamento, muitos trataram como uma jogada comercial que não deu tão certo), a estreia da banda numa grande gravadora é um blockbuster multicolorido que pareceria simplesmente ridículo se não soasse bem humorado, irônico e absolutamente criativo. Eles gravaram discos tão tresloucados quanto (Guerrilla, por exemplo), mas nenhum tão seguro das próprias sandices. Depois dele, a banda entraria numa fase de maturidade quase serena (e previsível). Mas o “álbum pop” do Super Furry Animals é o tipo de megalomania que compensa. The Who e Queen aprovariam (e eu lembro de ter passado três ou quatro meses ouvindo sem parar).

holdsteady

27. Boys and girls in America – The Hold Steady (2006)

A crônica dos meninos e meninas da América encontrou um narrador: no rock americano, é Craig Finn quem mais entende as oscilações da juventude – os dramas, do tédio, do inferno e do paraíso. Ainda assim, poucos esperavam por um disco tão perfeito quanto Boys and girls in America. Depois de ter criado a trilha para as vidinhas triviais de uma turma de personagens mais-ou-menos desajustados (e também adoráveis, estúpidos, inseguros), o Hold Steady escreve os hinos de uma geração perdida. Os versos valem por si só (e Stuck between stations é emocionante do início ao fim), mas a banda envolve as narrativas com melodias que poderiam estar num dos grandes discos de Bruce Springsteen.

sufjan

26. Illinois – Sufjan Stevens (2005)

O grande disco de Sufjan Stevens é um estado inteiro: excessivo, caótico, contraditório e muito mais ambicioso do que teria o direito de ser. O impressionante é como o compositor consegue se colocar à altura de tanta ambição (e quem não abandonou o disco de primeira sabe que não há uma única faixa sobrando) e cria um álbum tão cuidadoso quanto emotivo e pessoal – um mapa sentimental para uma Illinois de monumentos imponentes, serial killers melancólicos e de lembranças que definem a aparência das paisagens. Provavelmente Sufjan não vai conseguir fazer nada igual. Mas tudo bem: já fez, e ainda soa inacreditável. 

franz

25. Franz Ferdinand – Franz Ferdinand (2004)

Entra na lista como um dos discos britânicos fundamentais da década (um sucesso comercial que influenciou meio mundo), mas não só por isso. Se todo o revival do pós-punk teve um quê patético, Alex Kapranos soube perfeitamente como tratar a febre indie com um sorrisinho ácido – e, no som do Franz Ferdinand, há tanto de Talking Heads e Gang of Four quanto de Damon Albarn e Jarvis Cocker. A estreia da banda pode não ter provocado a surpresa de Strokes e White Stripes, mas acabou produzindo alguns dos hits mais duradouros da década: a começar por Take me out, que ainda toca nas festas como se tivesse sido lançado há um mês. Os dois álbuns seguintes repetem o truque.

beckseachange

24. Sea change – Beck (2002)

O Blood on the tracks de Beck Hansen é uma obra-prima do amor perdido. A história é velha: depois de sofrer uma crise sentimental, compositor grava um álbum de baladas confessionais e tristes. Quem tratou Sea change como uma dor de cotovelo passageira perdeu a melhor parte do drama: acostumado a calcular os próprios projetos como quem desenha maquetes para uma obra, Beck se arriscou a expor os próprios fantasmas sem abandonar a obsessão por álbuns de pop art, conceituais. Com influências de folk britânico e pop francês, o disco convoca Nick Drake, Air e Dylan para uma viagem ao fundo da noite. Nigel Godrich produz como quem escreve uma carta de amor – gentilmente. Depois disso, Beck voltaria aos bons tempos e (santa ironia!) gravaria os discos mais confusos e desconjuntados da carreira.

oh_inverted_world

23. Oh, inverted world – The Shins (2001)

O fenômeno mais surpreendente da década atendeu por The Shins, uma banda de New Mexico que, sem guitarras ruidosas ou hits do tamanho do mundo, se transformou no maior sucesso da Sub Pop desde o Nirvana. Quem explica? Ainda que alguém tente, é melhor lembrar que a “bandinha” ensinou algumas lições aos candidatos a Axl Rose: com 30 minutos de melodias delicadas, é possível ganhar o mundo. A aparência de total despretensão, no entanto, é enganosa: com o tempo, o indie rock econômico da banda revela uma precisão quase microscópica (e qualquer um dos discos da banda acaba soando atemporal) e apaixonante, atualização generosa do pop psicodélico dos anos 1960. Não é por pouco que Natalie Portman não desgruda dos headphones…  

fiery

22. Blueberry boat – The Fiery Furnaces (2004)

O Fiery Furnaces começou a década como uma banda incompreendida e termina exatamente do mesmo jeito. Taí o preço que se paga por querer fazer as coisas da forma mais complicada. No primeiro disco, Eleanor e Matthew Friedberger viraram alvo de uma imprensa musical à procura de um novo White Stripes. Azar o dela. Blueberry boat coloca os pingos nos is. Uma ópera-indie em três dimensões, soa como o oposto perfeito de qualquer projeto de Jack White – e cria uma ponte inusitada entre The Who e Captain Beefheart. É um dos discos mais originais da década – mas quem tem paciência para canções de oito minutos que se desdobram em vinte outras melodias que se multiplicam em cinco refrãos inesquecíveis e descambam em três faixas que não deram certo? Não me pergunte.

interpol

21. Antics – Interpol (2004)

Antes de assinar com uma gravadora grande e diluir os próprios métodos, o Interpol era uma banda que interpretava o rock sombrio dos anos 1980 com o olhar de quem cresceu assistindo a Kurt Cobain na MTV. Turn on the bright lights provocou susto, mas foi com Antics que a banda se sentiu confortável para abrir uma fresta e escrever alguns dos novos clássicos de uma onda que recebeu o apelido genérico, e enganoso, de “novo rock”: Evil, NARC, Slow hands e uma abertura (Next exit) que soaria como um anticlímax se não fosse interpretada com tanta convicção. E isso, apesar de tudo, Paul Banks tem de sobra: ele canta como se estivesse na beira do precipício, e a gente acredita.