Dia: setembro 10, 2009
XX | The XX
As bandas de Brasília deveriam fazer discos como este, não? O tipo de álbum que ressalta as lacunas entre acordes, o vazio que vive dentro das notas, as fendas abertas entre um verso e um refrão, o eco de um estalo eletrônico, o diálogo sussurrado e tenso entre dois vocalistas – um homem e uma mulher, aposto que trancados num quarto escuro.
Seria bonito. Não que tenha sido proposital, imagine. Mas esta estreia do The XX poderia muito bem servir de modelo para as bandas que tentam entender os ruídos brancos de Brasília. Ele parece até ter sido gravado entre as paredes neutras dos monumentos de Niemeyer, diante do horizonte infinito (no início da manhã). O disco todo passa uma sensação de incômoda polidez e organização que é a própria imagem de Brasília aos domingos. Ou de outra cidade como esta, se é que ela existe.
Sejamos menos específicos, então (já que os três leitores deste blog não moram na capital e, por isso, não têm nada a ver com isso): é um álbum londrino que cria uma atmosfera urbana, uma arquitetura musical de concreto e vidro – e habita esse espaço com sentimentos universais: amor, desejo sexual, saudade, hesitação. As programações eletrônicas de Jamie Smith criam um ambiente refrigerado, contemporâneo. Enquanto isso, o jogo de vozes entre Oliver Sim e Romy Madley Croft (boy meets girl) aquece a sala.
Não sei se estou soando abstrato demais (e perdão, turma: acho que perdi o hábito de escrever esses textinhos de blog e provavelmente todos sairão meio mancos daqui em diante), mas tento dizer que esta bandinha inglesa, cujos integrantes têm 20 anos de idade e ainda parecem adolescentes, consegue um tipo de equilíbrio que sempre pareceu raro no pop: encontram um ponto equidistante entre uma sonoridade em parte cerebral e um discurso emotivo, sensual. É o álbum de soul music que o Hot Chip tenta e ainda não consegue fazer.
Nada fácil, portanto. O bacana é que eles conseguem fazer com que a mágica pareça muito simples, até natural. Daí a graça do disco (que não é perfeito, mas surpreendentemente maduro). Notem que, até aqui, não falei sobre o hype criado em torno da banda, tratada pela imprensa britânica como a sensação de agosto. Vale sim notar que o quarteto foge do padrão vigente na ilha (não é grandioso, não se escora em guitarras aceleradas, não sofre de complexo de épico, não é feito para pistas de dança etc), mas esse é um caso em que o disco é mais interessante que o falatório criado em torno dele.
E é uma OBRA que acerta por fazer tudo “errado”. A banda demorou mais de um ano para gravar estes 38 minutos. Com a chave do estúdio, viravam madrugadas acertando mínimos detalhes das canções. Esse cuidado transborda no disco. Mais que isso, o que impressiona é a concisão. Numa entrevista, a banda contou que, na etapa final das gravações, resolveu reduzir todas as faixas ao mínimo, ao essencial. Limou todos os ornamentos, tudo. Daí a sensação de ouvirmos um disco tão enxuto quanto Kill the moonlight, do Spoon, ou o do Postal Service. Aqui, menos é verdadeiramente mais.
Essa economia de recursos produz pelo menos um efeito curioso: as músicas evocam certas referências (Interpol, Radiohead, até Chris Isaak e soft rock) de uma forma discreta, como se citasse delicadamente a obra alheia. A banda optou por produzir o disco talvez para procurar uma voz particular. Encontraram: por mais que lembrem outras bandas, faixas como VCR, Crystalised e Night time é deles e de mais ninguém. E são canções de difícil definição: não são electro, não são trip hop, não são pós-rock, não são shoegazing, ainda que lembrem um pouco todos esses gêneros.
E, por mais que seja um estilo ainda sujeito a uma ou outra obviedade (o lado R&B da banda não me parece bem resolvido, e a balada Shelter acaba soando um tanto genérica dentro do repertório), o disco serve como exemplo para bandas que não se contentam em seguir uma ou outra onda. Dá para perceber que eles tiveram muito trabalho para chegar a um resultado tão fluente e compacto, e que ainda assim dialogasse com o mundo onde vivem. Imagino o que aconteceria se uma banda de Brasília se dispusesse a esse tipo de aventura: formar uma identidade musical sólida e urgente dentro de uma cidade que parece um clarão luminoso, um sonho para todos e de ninguém.
Desse esforço sairia um disco talvez insuportavelmente triste, mas necessário.
Primeiro álbum do quarteto The XX. 11 faixas, com produção da própria banda. Lançamento Young Turks/Rough Trade. 8/10
BÔNUS TRACKS
No more stories… | Mew | 8
Tai. Se não quiserem se inspirar no The XX (que, repito, é o retrato fiel da cidade), que as bandas de Brasília mirem os dinamarqueses do Mew. Eles inventam uma arquitetura de infinitas possibilidades e brincam dentro dela como se estivessem num playground coloridíssimo. É um disco tão ambicioso que soa até exaustivo, mas de uma coragem que anda em falta em qualquer lugar. Eles recuperam uma tradição perdida do rock progressivo (de fins dos 60, mais para o primeiro disco do Pink Floyd que para os que o sucederam) com um olhar distanciado, europeu (e por isso um tanto autoirônico e desencanado em relação ao pop), e um senso de aventura que chega a lembrar The soft bulletin, do Flaming Lips. Poucas bandas americanas do gênero demonstrariam tanta liberdade. Nem tudo é deslumbrante: as letras seguem pueris, por exemplo, e há vários trechos que acenam para a megalomania estéril do Muse. Mas tai uma banda que sabe o que quer, vai às últimas conseqüências e, quando tenta produzir hits (como Beach), acerta de tal forma que fica a impressão de que, com algum esforço da Sony, eles podem sim chegar a multidões. Seria uma praga, mas eu não me incomodaria.
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