Intrigas de Estado
State of play, 2009. De Kevin Macdonald. Com Russell Crowe, Ben Affleck, Rachel McAdams, Helen Mirren e Robin Wright Penn. 127min. 6/10
Não conheço muitas redações de jornais. Desde o tempo em que eu ainda era um estagiário imaturo, ansioso e meio pateta, trabalhei em apenas três empresas. Uma experiência curta, mas que me ensinou uma lição: elas, as redações, são todas iguais.
Não falo em aspectos físicos, se é que vocês me entendem. No meu segundo estágio, frequentei uma redação tão compacta e insalubre que lembrava os escritórios esfumaçados de Mad men. Quando os repórteres de política retornavam do Congresso Nacional ou do Palácio do Planalto, por volta das seis da tarde, meu pulmão gemia. Todos fumavam desesperadamente e simultaneamente, numa alegre confraternização que poderia ter incendiado a cidade inteira.
Ainda assim, a rotina naquele inferninho não era muito diferente da que vivi antes (numa redação um pouco mais agradável, mas com serveras restrições orçamentárias) e da que vivo hoje (a maior onde trabalhei). Os operários da imprensa escrita aprendem a lidar com pautas mirabolantes, prazos rigorosos, corre-corre e a tensão quase apavorante que acompanha o fechamento das edições diárias. Quando a noite chega, a redação ferve. Os chefes têm pressa, as cobranças são agressivas, a terra treme, os cordeiros viram leões e ninguém é de ninguém.
Não sei se é assim em todo o canto do mundo, mas, a depender do que se vê no thriller Intrigas de Estado, as redações norte-americanas encontraram a solução para minimizar esse tipo de estresse. No filme, um repórter investigativo (interpretado por Russell Crowe) tem oito horas para apurar uma história cabeludíssima que envolve um congressista (Ben Affleck), assassinatos e uma possível conspiração envolvendo as mais caras instituições norte-americanas (em filmes dessa laia, a ameaça sempre é a mais perigosa possível). Quando ele retorna à redação, tarde da noite, depois de ter descumprido os prazos mais flexíveis do planeta, o que encontramos é um lugar silencioso, esvaziado e pacífico — uma espécie de lar-doce-lar. Um templo da informação.
Para uma fita supostamente realista, inspirada numa série britânica (da BBC!) que investiga a ligações perigosas entre imprensa e poder, parece um cenário de conto de fadas. Mas entendo esse tipo de simplificação: mesmo quando adota um tom sóbrio (a aí a inspiração é sempre, sempre Todos os homens do presidente), Hollywood ainda trata os jornais com tintas românticas, ora como set de filme de espionagem, ora como ambiente para a mais doce love story (alguém lembra do colunista sortudo de Marley e eu, que fica rico e compra uma mansão no campo?).
Imagino o quanto este filme teria crescido com um olhar menos ingênuo para o cotidiano dos repórteres. Em vez disso, o roteiro (escrito a seis mãos, com colaboração do paranoico Tony Gilroy de Duplicidade) toma duas ou três grandes questões do jornalismo contemporâneo — as relações entre repórter e fonte, a conflito entre a velha guarda e uma geração afinada às novas tecnologias — e dilui tudo numa trama policial truncada, cheia de furos e contradições (e com um desfecho risível, daqueles que banalizam um filme inteiro).
De qualquer forma, não é uma polpa tão rala. Diante de uma trama tão banal, é inevitável que o espectador acabe prestando atenção a detalhes mais instigantes. Por exemplo: as reviravoltas são armadas como uma grande arapuca para testar os códigos de ética do personagem de Crowe (que está muito bem, por sinal). O jogo de interesses entre o repórter e o político, amigos de longa data, cutuca a conduta da imprensa — tira os jornalistas do pedestal para tratá-los como profissionais falíveis. Não é muito, mas me agrada a ideia de um thriller de espionagem em que o repórter é, ao mesmo tempo, herói da opinião pública e vítima dos próprios vícios profissionais.
Parece bom? É, mas tudo isso melhoraria com outro diretor. O estilo de Kevin Macdonald, impessoal, transforma a trama num piloto de seriado de tevê. Não vi o original, mas aposto que a BBC fez melhor.
em tempo…
A partida | Okuribito/Departures | Yojiro Takita | 6 | Foi com enorme curiosidade que entrei na sessão de A partida, pronto para descobrir um cineasta que tenta renovar o melodrama com elementos de comédia e cinema fantástico. Mas o que encontrei foi uma experiência tímida: as chulices surgem de onde não esperamos, mas a carga de sentimentalismo é tão massacrante (e a trama, tão previsível) que, depois de quase 2h30 de duração, saí do cinema com a impressão de ter assistido a um combinado meio indigesto do Kurosawa de Viver com Kim Ki-duk. Estranho.
A mulher invisível | Claudio Torres | 5.5 | O melhor que posso dizer sobre o filme é que não é um desastre — e qualquer comparação com as comédias de Daniel Filho o transforma numa maravilha. O template visual sai da mesma linha de montagem de Se eu fosse você (tudo parece ter sido filmado em duas semanas num galpão do Projac), mas o diretor consegue se divertir com as limitações do projeto e exercitar o gosto por um humor maníaco-depressivo, quase desagradável. É uma comédia sobre um homem preso num sonho publicitário, não? Então faz sentido.
junho 10, 2009 às 10:16 pm
Comecei a ver a minissérie. Parece bom, e provavelmente tem um elenco melhor que o filme (Bill Nighy, John Simm, Kelly McDonald).
junho 10, 2009 às 10:18 pm
O Crowe está muito bem. Mas a série deve ser melhor.
junho 11, 2009 às 3:57 am
A miniserie é boa, apesar da reviravolta final ser meio risivel mesmo e de ela ser um pouco gorda. Do filme achei mais ou menos o mesmo que ti. A direção da série é um tanto melhor mesmo (é do sujeito que dirigiu o ultimo Harry Potter), mas o que eu acho curioso é como o filme soa velho arcaico mesmo e o original não, apesar de serem bem parecidos.
junho 12, 2009 às 5:22 pm
Gostei daquele final melancólico que acompanha toooodo o processo de impressão e distribuição de um jornal (num blog, era só apertar o enter).
Aliás, gosto desse tom conciliatório entre a personagem blogueira e o jornalista da velha-guarda. O que os une é o método do jornalismo; a plataforma onde uma matéria será publicada é o que menos importa. Belo banho de água fria em quem prega o fim do jornalismo por aí.
junho 14, 2009 às 5:24 pm
Você daria prioridade a este ou ao Duplicidade para indicar a uma amiga que está igualmente afim de assistir os dois? Os atores são fantásticos em ambos, sempre acho que isso já faz valer a pena.
Olha, estou de volta à vida online. Sempre adorei seu blog.
Um beijo,
Cau.
junho 14, 2009 às 7:58 pm
Assim como o Diego, eu gostei daquele final com o processo de impressão, legal esse paralelo com a internet.
Agora, o que eu não consegui descobrir desde que saí do cinema foi quem canta aquela música que acompanha o final, alguem sabe?
Parabéns pelo blog
Beijos
junho 15, 2009 às 12:34 am
Diego, eu vi exatamente o contrário. O filme me deixou uma sensação de melancolia em relação ao jornal impresso, apesar de apontar que o segredo das grandes reportagens continua o mesmo.
Agora, o que me interessa está sob essa camada da suposta defesa do “bom jornalismo”: a relação meio nebulosa entre o personagem de Crowe e o de Affleck é interessantíssima para quem quiser pensar sobre certos vícios da imprensa (escrita ou não).
Cau, eu prefiro o Duplicidade. Mas este também é bom.
junho 15, 2009 às 9:25 pm
Tiago, e o que foi que eu falei? O que une os dois é essa paixão pela reportagem, horas.
junho 15, 2009 às 9:28 pm
Ok, Diego. NO STRESS.
junho 17, 2009 às 12:43 am
HORAS COM H