Dia: março 30, 2009

Che

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cheone

Che: part one, 2008. De Steven Soderbergh. Com Benicio del Toro, Demián Bichir, Santiago Cabrera, Rodrigo Santoro e Catalina Sandino Moreno. 129min. 6/10

Cheguei ao desfecho de Che com a impressão de ter visto uma reconsituição técnica (e nada mais) para uma tema cujo lado subjetivo, emotivo, foi subestimado. É um filme sobre como Che Guevara contribuiu para a Revolução Cubana. E não sobre quem é o homem, ou o guerrilheiro, ou o mito, ou o pop star. Ou a estampa da camiseta.

Eu esperava um pouco por isso, acostumado que estou ao cinema de Steven Soderbergh. Filmes como como Onze homens e um segredo e de Traffic já demonstravam esse fascínio do diretor por reconstituir, etapa por etapa, friamente, mecanicamente, o funcionamento das coisas. Um golpe no cassino, o mercado das drogas (ou do petróleo, em Syriana, que produziu), os procedimentos de uma guerrilha, a forma como a mulher comum confrontou o “sistema”. Ele transforma tudo num esquema, numa maquete, num organograma.

É o cinema-infográfico. 

E daí? Reconheço o esforço de Soderbergh. Ele me parece um cineasta comprometido com um olhar. Che é, para o que propõe, competente. Digno (e não apenas pelos diálogos em espanhol). Um filme de ação, no sentido puro do termo. Que admiro (pela ambição, talvez), ainda que de uma forma estritamente racional. 

O Che de Benicio del Toro diz muito sobre o nosso tempo. É um idealista politicamente incorreto. Entendo o conceito. Até concordo com ele (e é corajosa a forma supostamente ‘jornalística’ como Soderbergh tenta vender o herói anti-imperialista para um público norte-americano esperançoso com a vitória do Obama). Mas está metido num cinema que parece observar seres humanos como pequenas peças de uma engrenagem (política, social, sabe-se lá). Não seria um paradoxo?

É uma forma de olhar o mundo.  Me rendo. Se eu me afastar consideravelmente do que sinto pelo filme, encontrarei muitas qualidades. A forma como Benicio del Toro se deixa perder no personagem (e reparem como não há nenhum momento-Oscar, o ator está integrado ao elenco e ao ambiente). O detalhismo obsessivo da reconstituição de época nas cenas em preto-e-branco (um documentário fake). A secura das cenas de violência, que tentam escapar a todo custo da banalização das situações (este não é um filme de Hollywood, grita o diretor, é um documento histórico).

Bem. Eu não acredito que pessoas entrem em blogs banais feito o meu em busca de bulas de remédio. Por isso, desculpem-me o tom impressionista da coisa: apesar de cumprir perfeitamente uma série de requisitos formais (que às vezes não dão em nada, há!), o Che de Soderbergh está longe, muito longe de chegar à alma do personagem. É, no máximo, pele e suor.

(Aí você argumenta, com toda a razão: talvez o filme não queira chegar à alma do personagem)

O que me desconcerta (para o bem) é como Soderbergh me parece bastante honesto na defesa dessa aparência de precisão. O cinema da exposição de fatos, digamos. Guevara é descrito como um líder virulento, violento, cruel (já que tortura os “traidores”), sedutor e íntegro. O formato da narrativa beneficia a composição de um personagem contraditório. O filme encara este Che-simbólico sem tomar partido. Não interessa julgar o personagem, mas tentar compreender um método, um pensamento.

Dividido entre o corpo de Che e suas ideias, o filme parte-se em dois: as cenas coloridas acompanham o movimento do personagem; os flashes em preto-e-branco parecem listar frases de efeito associadas ao guerrilheiro. “Um verdadeiro revolucionário deve estar onde precisam dele”, “no capitalismo, vivemos numa jaula invisível”, “a qualidade mais importante de um revolucionário é o amor: à humanidade, à justiça e à verdade”, etc.

É um formato que combina com a mania de organização (de imagens, signos) típica de Soderbergh (em Traffic, a trama latina era filmada num amarelo estourado, enquanto a norte-americana vinha por um filtro azulado meio friorento). Mas essa mesma organização excessiva penaliza os personagens (que parecem fantoches; tente descrever em duas linhas algum coadjuvante) e as situações (tudo arrumadinho, clean demais).

Um aluno aplicado, mas mal tenho curiosidade de assistir à segunda parte (dizem que é uma espécie de A paixão de Che, tomara que não).

Então vá ver Che, é um bom filme; mas não me convide para repetir a dose. Ontem estava admirando a estante da sala e percebi que nunca comprei um DVD do cineasta, unzinho sequer. Agora finalmente entendo o porquê.