Dia: março 15, 2009

Superoito on the dancefloor

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Eu não nasci para ser DJ. Talvez tenha nascido para escrever bulas de remédio, mas não para ser DJ. Por isso, na madrugada de sábado, eu mal conseguia encarar a pista lotada. “O que estou fazendo aqui?”, eu me perguntava. Fiquei olhando para o chão, envergonhado.

Não são poucos os momentos da minha vida em que me sinto uma farsa. Quando me convidam para participar de debates (sobre qualquer assunto; jornalistas supostamente entendem até sobre astrofísica), me pego tenso a desviar de perguntas que outras pessoas saberiam responder com mais propriedade. Quando me chamam para dar palestras em universidades, sempre imagino que não sou o mais adequado à tarefa. Que até posso parecer um tantinho interessante, que até posso contribuir em algumas discussões – mas muito pouco, quase nada.

Quase sempre me incomodo por acreditar que as pessoas me veem demais, em todo canto. Que eu escrevo em demasia. Que eu escrevo sem revisar. Que eu invento de opinar sobre tudo. E que eu deveria pensar três vezes antes de abrir a boca.

Por isso (mas não só por isso) admiro tanto minha namorada – ela não tem medo. Sem ela, eu provavelmente estaria congelado nas minhas incertezas. Sem ela eu não seria DJ.

E ser DJ, acreditem, é assustador. Percebi isso sexta-feira. Antes havíamos tocado em festas pequenas, para pessoas conhecidas, sem as formalidades do metiê (elas existem). Naquela noite, o assunto parecia sério. Meu nome no flyer, amigos na expectativa, pista repleta de rostos desconhecidos. Passamos a semana selecionando músicas, organizando e deletando set lists, bolando combinações e conceitos. Um trabalho. 

Nos três dias anteriores à performance, a pergunta mais frequente era também a que parecia mais trivial: com que música abrir? Eu estava uma pilha. Pensava no perfil do público, no estilo dos outros DJs que estariam na festa e naquilo que esperavam de nós. O que teríamos de ser? O que eles queriam? Minha namorada parecia mais tranquila. Eu a invejava.

Na noite de sexta, meu nervosismo a contaminou. O período de concentração foi especialmente tenso. Inúmeros CDs eram gravados e regravados. Aos poucos, possibilidades de combinação começavam a aparecer. Também as divergências: eu queria Phoenix, ela não concordava tanto com isso; ela queria abrir com Velvet Underground, eu me preocupava com a possibilidade de esfriar a pista. Uma negociação infernal.

Nossa ideia era alternar faixas muito novas com outras mais conhecidas. Até como uma forma de demonstraramos nossa insatisfação (ou pelo menos a minha insatisfação, já que reclamo excessivamente de quase tudo) com DJs que só tocam hits de cinco anos atrás. Nesse ponto, concordamos. E em dois ou três outros: tocaríamos Paper planes, da M.I.A., We are your friends, do Justice, Steady as she goes, do Raconteurs, Omen, do Prodigy, e Zero, do Yeah Yeah Yeahs. Essas estavam fechadas.

Pouco antes de chegarmos à festa, começamos a nos incomodar com a falta de hits em nosso set. Daí saquei uma proposta apelativa: “vamos colocar Juicebox, do Strokes, logo no início. Aí a coisa pega.” Batemos o martelo – até o momento em que um outro DJ decidiu sacar Strokes para esquentar a pista. Pânico.

Um bom DJ entende que a vida não pode ser excessivamente planejada: nem sempre será possível atacar com a canção preferida. Minha namorada sabe disso; eu, por outro lado, sou o mané que tenta domar o acaso.

Quando subimos no palco, eu estava verde. Ela conseguia até dançar, de tão confortável com a situação. Abrimos com Steady as she goes e, daí em diante, a sensação foi a de entrar num daqueles brinquedos velozes de parque de diversão.

A cada passagem de música, o clima de suspense aumentava: chegaremos vivos até o fim do set? Grudar uma música na outra exigia alguma técnica – não é, definitivamente, tão simples quanto parece. Erramos duas ou três passagens, que provocaram solavancos nas caixas de som. Confundimos CDs. Quando inventei de incluir Phoenix na mistura, não encontrei o botão que aumentava o volume. Silêncio na pista. Um tantinho de constrangimento. Mas a montanha-russa já estava no loop seguinte.

O tempo de apresentação – 1h30 – não foi o suficiente para colocarmos em prática nem metade do que ensaiamos. Mas o resultado pareceu positivo. A pista encheu e continuou cheia. O set ficou variado (ainda que os momentos de maior entusiasmo da noite tenham vindo com Beautiful stranger, da Madonna, e o remix do Daft Punk para Take me out, do Franz Ferdinand), mas, quando tudo terminou, fiquei com a nítida impressão de que eu, Tiago, não havia sido responsável por nada daquilo. Imaginei até que minha namorada teria feito todo o trabalho sozinha, enquanto eu agonizava num quase coma.

No dia seguinte, tentei reconstituir as cenas, a pista, as expressões das pessoas, talvez para tentar entender o que elas sentiam, o que elas queriam, o que elas pensavam. Qual teria sido a nota da nossa atuação? Quanto valeu o show? Fizemos bonito ou passamos aperto? Não cheguei a uma resposta. Impossível. Talvez o drama dos DJs (se é que existe um) passe por aí: a excitação da pista cheia não é tudo, e não há quem avalie precisamente a performance. 

Só que existe uma recompensa nessa história. Quando você escolhe a música certa no momento certo, e ouve um gritinho estridente de aprovação (daqueles que atingem frequências que só os cães conseguem assimilar), aí o dia está ganho. E o mês. Talvez a vida. Mas só para DJs inexperientes feito eu. É que, aposto, os que nasceram para isso não se deslumbram com essa estranha rotina.