Begone dull care | Junior Boys

Postado em Atualizado em

stones19Só descobri que o Junior Boys é uma banda em crise de personalidade quando assisti a um show do duo ano passado, no Tim Festival. Os álbuns de Jeremy Greenspan e Matt Didemus pareciam obras de um grupo de cientistas solitários e melancólicos, trancados numa incrível experiência com moléculas do pop no inverno de Montreal.

(Parece um tédio, mas poucas bandas têm esse talento para manipular o lado mais gélido e cerebral do synthpop e, com poucos bits e sussurros, sangrar com canções de amor cruas e, às vezes, dançantes. O segundo disco se chama So this is goodbye, e é praticamente um tratado sobre despedidas. Em estúdio, o Junior Boys experimenta com o minimalismo das emoções.)

A outra personalidade da banda, que só encontramos nos palcos (e daí o choque que a performance do Tim Festival provocou sobre o Tiagão aqui), é bem menos misteriosa. A aparência (deliciosamente) robótica dos discos se desfaz num formato mais tangível. Jeremy e Matt se apresentam como dois simpáticos tios que passaram talvez tempo demais escutando álbuns de electropop dos anos 80 e elegeram Prince como uma espécie de fada madrinha. Privilegiam os vocais, quebram o gelo melódico e vestem camisa polo.

Uma imagem menos fascinante, certo? Certo, mas que explica em grande parte a lenta transformação que descambou neste Begone dull care, o álbum mais caloroso dos canadenses. Pode parecer incrível, mas soa quase como se eles tivessem virado gente de carne e osso.

O disco se aproxima muito do que vi no palco do Tim Festival. Se a banda anda tentando fazer do estúdio um espelho para as apresentações ao vivo, está chegando lá. É um álbum convidativo da primeira à última faixa (só a segunda, Work, exige repetidas audições) e que adota um tom mais ensolarado, até desajeitadamente sexy, de soul music oitentista (sem medo de abrir o coração para o kitsch, às vezes se aproximam descaradamente do Phoenix de Alphabetical).

É uma linguagem que eles ainda não dominam completamente bem, e talvez isso explique por que o álbum, mesmo assumidamente pop, não pareça tão bem resolvido quanto, por exemplo, Jim, de Jamie Lidell, ou In ghost colors, do Cut Copy. As ambições são mais reduzidas.

A partir do título, o disco se inspira nas animações abstratas de Norman McLaren, que lida com cores primárias e uma quantidade mínima de elementos visuais. Daí vem o tom mais radiante dos arranjos e o detalhismo da composição das faixas. Faça a experiência: ouça a faixa Dull to pause enquanto assiste ao curta-metragem Spook sport, de 1940. Combina.

Para o Junior Boys, abraçar referências pop (sem perder esse estilo enxuto, quase esquelético) exige esforço. Muitas das faixas soam incompletas, e são poucas que aceitam profundamente esse novo modelo. A abertura, Paralell lines, é o experimento mais perfeitinho e, num playlist particular, entrariam Bits and pieces (em que eles reprisam o pop-grude de In the morning), Dull to pause e Sneak a picture.

E só. O que não é nada ruim, já que são faixas excelentes – ao mesmo tempo confortáveis e repletas de detalhes, texturas e ousadias sonoras, que não abandonam certas características dos discos anteriores. Outras canções, como Hazel eyes, exageram na doçura. Work, o elemento estranho do disco, sente saudades do primeiro álbum da dupla, Last exit.

Eles estão muito, muito perto de narrar canções verdadeiramente sinceras em primeira pessoa. Se ficaremos satisfeitos ou não com essa versão humanizada (rotineira?) do Junior Boys…

So this is hello?

Terceiro álbum do Junior Boys. Oito faixas, com produção da própria banda. Domino Records. 7/10

Deixe um comentário

Preencha os seus dados abaixo ou clique em um ícone para log in:

Logo do WordPress.com

Você está comentando utilizando sua conta WordPress.com. Sair /  Alterar )

Foto do Facebook

Você está comentando utilizando sua conta Facebook. Sair /  Alterar )

Conectando a %s