Foi apenas um sonho
Revolutionary road, 2008. De Sam Mendes. Com Kate Winslet, Leonardo DiCaprio e Michael Shannon. 119min. 5.5/10
Em Foi apenas um sonho, Sam Mendes retorna aos subúrbios norte-americanos. E lá se vão nove anos desde Beleza americana.
A comparação pode parecer daquelas absolutamente óbvias, mas não fica só na superfície das coisas. São dois filmes em que o diretor britânico revela as duras verdades que se escondem sob as aparências de bairros organizados, caros, com cercas brancas e casas espaçosas.
A diferença é que o novo é um filme ambientado em 1955. Mas as verdades (melhor: as verdades de Mendes) continuam intocadas: a vida padronizada e aborrecida dos ricos, enfurnados naqueles paraísos artificiais onde nada acontece, só pode mesmo ser um tédio sem fim.
Poderíamos levar o filme como uma simples adaptação literária da obra de Richard Yates (que estou lendo e parece muito boa), mas Beleza americana altera a perspectiva. O discurso de Yates é resgatado como que para garantir um selo de qualidade ao olhar de Mendes.
O que o livro parece ter de mais poderoso (ainda estou no início, não posso concluir nada), pelo menos, o filme tenta preservar. É que, acima da crítica ao conservadorismo ou ao american way of life, Yates narra o apodrecimento do amor – e de uma forma tão detalhada e agonizante que talvez só John Cassavetes teria conseguido evocar com igual intensidade a frustração experimentada por este casal perfeitinho, perdidinho.
Mendes acena para o livro (mas não para Cassavetes) quando concentra grande parte da narrativa entre quatro paredes, em embates verbais entre DiCaprio e Winslet. Os dois dão conta do recado (ela mais que ele), ainda que cada cena pareça desenhada para ser exibida como clipe em cerimônia de premiação.
Aliás, parece até incoerente que um cinema tão controlado, tão polido, venha com essa de atacar a frágil segurança das redomas de felicidade made in USA, de filmar personagens aprisionados nas próprias rotinas. Talvez isso explique a obsessão de Mendes pelo tema: quando se libertar de tanta convenção, quem sabe, encontrará um cinema mais livre.
janeiro 28, 2009 às 9:32 pm
Engraçado. Assistindo ao trailer fiquei com a impressão de que o filme seria centrado no desgaste da relação do casal, com o american way de fundo.
janeiro 28, 2009 às 10:13 pm
As coisas estão interligadas, Diego. Mas sim, o foco é o casal. Eles discutem quase o filme todo.
janeiro 28, 2009 às 11:27 pm
Tomar Cassavetes emprestado é covardia. Mendes é um inseto perto de Cassavetes.
Aliás, parece até incoerente que um cinema tão controlado, tão polido, venha com essa de atacar a frágil segurança das redomas de felicidade made in USA, de filmar personagens aprisionados nas próprias rotinas.
Até vejo esse CONTROLE, mas sinto que há uma evolução em relação à “Beleza Americana” e “Apenas um Sonho”. Digamos que ele andou assistindo bastante filme europeu.
janeiro 29, 2009 às 12:27 am
Bem, eu daria um belo 0,5 para o filme então creio que odiei bem mais hehe Se eu desse um curso sobre direção passaria este filme e depois gastaria umas boas duas horas explicando como o cara pega um elenco otimo e leva todo mundo sem exceção a estar péssimo em cena.
Diego, a diferença é que no livro a despeito do trabalho de observação do autor, os problemas do casal partem deles mesmos e no filme eles são causados mesmo por situações externas. Não é a toa que o Mendes tenta mesmo vender a ida do casal para Paris como algo viavel, coisa que o livro nunca faz.
janeiro 29, 2009 às 1:39 am
“os problemas do casal partem deles mesmos e no filme eles são causados mesmo por situações externas”
Curiosa essa observação, porque li algo semelhante na Veja desta semana, onde comparam o filme desfavoravelmente a Mad Men exatamente por causa disso. Não sei se no caso da série eu diria que os problemas dos personagens partem deles mesmos, eu arriscaria dizer que há um certo equilibrio entre o pessoal e o background social, o que me parece uma opção melhor que escolher entre dois extremos.
OBS: é sempre uma experiência estranha ler algo sensato sobre cinema na Veja…
janeiro 29, 2009 às 2:03 am
O piloto de Mad Men dá de 10 no filme.
janeiro 29, 2009 às 7:06 pm
Bruno, você me comparou a Veja? hehe
janeiro 29, 2009 às 7:31 pm
Filipe = Boscov. Acho que foi mais ou menos isso.
janeiro 30, 2009 às 2:15 am
Na verdade, Filipe, é o contrário: eu comparei a Veja a você…
fevereiro 5, 2009 às 1:14 am
Perspectivas diferentes sobre o mesmo tema, fico com a ironia ácida de “Beleza americana”, ainda que aparentemente caricatural.